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Análise: Berlim deve manter Bolsonaro em quarentena

Rafael Plaisant
31 de outubro de 2018

O maior parceiro comercial brasileiro na Europa vê com cautela o presidente eleito. Antes de uma maior aproximação, diplomacia alemã pretende esperar para ver como será realmente o governo em Brasília.

O presidente eleito Jair Bolsonaro: declarações feitas durante a campanha preocupam Berlim
O presidente eleito Jair Bolsonaro: declarações feitas durante a campanha preocupam BerlimFoto: picture-alliance/dpa/AP/L. Correa

As reações à vitória de Jair Bolsonaro são um termômetro da arena diante da qual o presidente eleito estará no exterior. Da Alemanha, por exemplo, maior parceiro comercial do Brasil na Europa, a mensagem após o resultado foi especialmente contida dentro da linguagem diplomática. 

Não houve felicitações nem grandes promessas: apenas a afirmação de que o Brasil é um parceiro de particular importância (10% do PIB industrial brasileiro vem de empresas alemãs) e de que, respeitados os valores comuns, as trocas continuarão amigáveis e estreitas.

Na segunda-feira, em Berlim, o porta-voz da chanceler federal Angela Merkel, Steffen Seibert, disse que a Alemanha pretende cooperar com o próximo governo e medi-lo pelos seus atos após a posse, embora veja com preocupação as declarações dadas por Bolsonaro ao longo da campanha.

Entre a diplomacia em Berlim, a ideia é deixar o governo Bolsonaro numa espécie de quarentena: esperar alguns meses para ver o que, de fato, das promessas mais polêmicas pode virar realidade, antes de levar qualquer troca diplomática a um nível mais intenso que o normal. 

A Alemanha vive um período de especial instabilidade na política interna. Angela Merkel já anunciou o fim de sua carreira política. Renunciou à liderança de seu partido e ficará no poder apenas até o fim do atual mandato, previsto para 2021, mas que pode acabar antes devido às brigas internas da coalizão de governo.

É improvável que Merkel queira num primeiro momento posar ao lado de Bolsonaro, ainda que o empresariado alemão no Brasil aparentemente não veja problema nisso. O discurso nacionalista do presidente eleito brasileiro se alinha justamente ao daqueles que atualmente exercem a frente da oposição na União Europeia, personificada hoje no populismo de direita: Viktor Orbán, na Hungria, Mateusz Morawiecki, na Polônia, Sebastian Kurz, na Áustria, e Matteo Salvini, na Itália, são exemplos.

Foi a Salvini, vice-primeiro-ministro da Itália conhecido pelos sucessivos ataques à UE e à política migratória de Merkel, que Bolsonaro fez um de seus primeiros acenos em política externa: prometeu entregar a Roma o radical de esquerda Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália.

Em 2015, o Brasil deu início, com a Alemanha, às chamadas Consultas Intergovernamentais de Alto Nível, um mecanismo de trocas bilaterais que Berlim tem com apenas um seleto grupo de países e que elevava a cooperação a um novo patamar, com reuniões periódicas entre políticos e empresários do alto escalão. As consultas deveriam seguir em 2017, mas acabaram congeladas, num contexto de instabilidade pós-impeachment, depois da denúncia do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer.

A grande imprensa alemã acompanhou com atenção a ascensão de Bolsonaro e não mediu palavras ao tratá-lo como um entusiasta do regime militar e uma ameaça à democracia. Seu discurso foi comparado ao do linha-dura Rodrigo Duterte, das Filipinas, que prometeu, por exemplo, matar traficantes de drogas "como Hitler matou judeus". Com ele, a propósito, Merkel jamais se encontrou.

Diplomacia não se faz apenas no nível de chefia de governo. Mas um governo tende a olhar para o que diz a opinião pública. E não foram poucos os apelos de dentro da sociedade e da política alemã contra Bolsonaro. Em carta, intelectuais alemães como o aclamado filósofo Axel Honneth expuseram preocupação com o discurso de ódio no Brasil; a presidente de um grupo de trabalho no Parlamento alemão dedicado ao Brasil já havia dito que uma vitória de Bolsonaro não deixaria base para uma parceria estratégica; Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu e uma das figuras de proa da social-democracia alemã e europeia, viu em Bolsonaro um "sinal fatal" para toda a América Latina.

A incerteza sobre a política ambiental de Bolsonaro também não ajuda. Apesar de alertas internacionais, de ambientalistas e políticos estrangeiros, ele seguirá adiante com os planos de colocar, sob o mesmo ministério, as questões ambiental e agropecuária. E ele ainda não deu um sinal claro de que vai retroceder na ameaça de tirar o Brasil do Acordo de Paris. Em qualquer encontro de cooperação governamental com o Brasil, uma das primeiras questões levantadas pelos alemães é em que pé está a preservação ambiental. Há vários projetos de cooperação entre instituições dos dois países nesse sentido. Na Assembleia Geral da ONU, em setembro, o presidente francês, Emmanuel Macron, que assumiu a frente do discurso contra as mudanças climáticas na Europa, defendeu que não sejam assinados acordos comerciais com países que não respeitam o Acordo de Paris.

O dilema alemão é que não se pode tomar o caso de Donald Trump como parâmetro. Com ele, um chanceler federal alemão tem que se encontrar, pois a cooperação transatlântica deve prosseguir independentemente de quem estiver na Casa Branca. Ninguém vai colocar isso em xeque. Com Bolsonaro, não é o caso. O problema, avaliam observadores em Berlim, é que se ninguém das forças pró-europeístas se aproximar de Bolsonaro, o espaço estará aberto para que outros o façam. Logo após a eleição de Bolsonaro, as mensagens mais efusivas vieram justamente dos populistas europeus, de Trump e de Vladimir Putin.

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