Governo passa por cima das regras orçamentárias a fim de abrir comportas para gastos sociais e presentes eleitoreiros antes de 2022. Os mercados financeiros reagem com severas turbulentas. E talvez seja tudo em vão.
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O fato de o banqueiro e economista seguidor da Escola de Chicago Paulo Guedes estar no governo de Jair Bolsonaro era para a economia algo assim como a garantia de que o presidente adotaria um curso de reforma liberal. Porém as esperanças de que, apesar de ter como chefe o capitão da reserva, Guedes conseguiria impor esse curso há muito se desfizeram.
Desde o começo desta semana, ficou evidente que Guedes tampouco impedirá altas orçamentárias acima do limite permitido por lei. Com manobras grosseiras, agora o governo quer alterar o teto de gastos, que estava claramente fixado pelo orçamento público de 2020, corrigido pela inflação.
Por um lado, Bolsonaro propõe considerar a inflação mais alta de janeiro a dezembro de 2021 (em vez da dos 12 meses até junho último), a fim de poder gastar mais. Por outro, quer possibilitar por emenda o parcelamento de precatórios, aumentando ainda mais o campo para gastos. O teto só foi introduzido em 2017 e proporcionou ao Brasil os juros mais baixos de sua história econômica. Agora isso acabou.
Pânico nos mercados financeiros
Em protesto, nesta quinta-feira (21/10), quatro secretários do Ministério da Economia – três economistas e uma economista – anunciaram inesperadamente sua renúnica. Supõe-se que estão deixando o governo agora para no futuro não serem penalizados por terem ignorado as regras orçamentárias.
Os mercados reagiram com choque aos pedidos de exoneração: desde o início da semana – quando se acumularam os boatos de que o governo desrespeitaria o teto de gastos –, o índice da bolsa de valores de São Paulo caiu 10%; o dólar subiu quase 5%; os juros nos mercados de futuro saltaram para mais de 12%.
Em resumo: os investidores reagiram com pânico, temendo a reação em cadeia que agora, após a quebra das regras orçamentárias, se materializa. Assim, o Banco Central provavelmente terá que elevar em breve a taxa Selic para mais de 10% (dos atuais 6,25%), como única forma de manter a inflação abaixo do limite de 5%, até o fim de 2022.
O encarecimento geral já passa de 10%, no momento; os preços da cesta básica chegaram a aumentar 16% nos últimos 12 meses. Além disso, a desvalorização do real aumenta a pressão inflacionária.
Como o Banco Central terá que manter por mais tempo ainda os juros altos, os bancos de investimentos reduziram a menos de 1% os prognósticos de crescimento para 2022 (depois de 5% no ano corrente). O desempenho econômico segue cerca de três pontos porcentuais abaixo do nível de 2014, o último ano de crescimento.
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Aumento de popularidade improvável para Bolsonaro
O motivo para a alteração da fórmula do teto de gastos são os esforços de Bolsonaro contra sua queda de popularidade. No relatório final da CPI no Senado, o presidente acaba de ser incriminado por cometer nove delitos no decorrer da pandemia de covid-19.
Para desviar as atenções da situação deplorável, ele pretende aumentar o auxílio às classes de renda mais baixa já um ano antes das eleições, visando impulsionar sua pouca popularidade entre os pobres. No ano da pandemia 2020, ele conseguiu incrementar sua popularidade, justamente junto às classes de renda mais baixa, com generosos benefícios sociais.
Mas será que vai conseguir repetir a proeza? O desemprego está estagnado num nível alto, de cerca de 14%, a ocupação só cresce no setor informal, onde, porém, se paga menos. A massa salarial dos brasileiros caiu em 2021 6%, em relação ao ano interior. E, tradicionalmente, o consumo é o motor do crescimento.
Acima de tudo, entretanto, a inflação alta deverá prejudicar de forma duradoura a popularidade de Bolsonaro: os pobres são, de longe, os mais afetados pela desvalorização. Os R$ 400 do novo Auxílio Brasil não vão adiantar muito.
Vírus verbal: frases de Bolsonaro sobre a pandemia
"E daí?", "gripezinha", "não sou coveiro", "país de maricas": desde que o coronavírus chegou ao Brasil, presidente tratou publicamente com desdenho a crise. Enquanto a epidemia avança, suas falas causam ultraje.
Foto: Andre Borges/dpa/picture-alliance
"Superdimensionado"
Em 9 de março, em evento durante visita aos EUA, Bolsonaro disse que o "poder destruidor" do coronavírus estava sendo "superdimensionado". Até então, a epidemia havia matado mais de 3 mil pessoas no mundo. Após o retorno ao Brasil, mais de 20 membros de sua comitiva testaram positivo para covid-19.
Foto: Reuters/T. Brenner
"Europa vai ser mais atingida que nós"
A declaração foi dada em 15 de março. Precisamente, ele afirmou: "A população da Europa é mais velha do que a nossa. Então mais gente vai ser atingida pelo vírus do que nós." Segundo a OMS, grupos de risco, como idosos, têm a mesma chance de contrair a doença que jovens. A diferença está na gravidade dos sintomas. O Brasil é hoje o segundo país mais atingido pela pandemia.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/GDA/O Globo
"Gripezinha" e "histórico de atleta"
Ao menos duas vezes, Bolsonaro se referiu à covid-19 como "gripezinha". Na primeira, em 24 de março, em pronunciamento em rede nacional, ele afirmou, que, por ter "histórico de atleta", "nada sentiria" se contraísse o novo coronavírus ou teria no máximo uma “gripezinha ou resfriadinho”. Dias depois, disse: "Para 90% da população, é gripezinha ou nada."
Foto: Youtube/TV BrasilGov
"Todos nós vamos morrer um dia"
Após visitar o comércio em Brasília, contrariando recomendações deu seu próprio Ministério da Saúde e da OMS, Bolsonaro disse, em 29 de março, que era necessário enfrentar o vírus "como homem". "O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia."
Foto: Reuters/A. Machado
"A hidroxicloroquina tá dando certo"
Repetidamente, Bolsonaro defendeu a cloroquina para o tratamento de covid-19. Em 26 de março, quando disse que o medicamento para malária "está dando certo", já não havia qualquer embasamento científico para defender a substância. Em junho, a OMS interrompeu testes com a hidroxicloroquina, após evidências apontarem que o fármaco não reduz a mortalidade em pacientes internados com a doença.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/F. Taxeira
"Vírus está indo embora"
Em 10 de abril, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortos por coronavírus. No mundo, já eram 100 mil óbitos. Dois dias depois, Bolsonaro afirmou que "parece que está começando a ir embora essa questão do vírus". O Brasil se tornaria, meses depois, um epicentro global da pandemia, com dezenas de milhares de mortos.
Foto: Reuters/A. Machado
"Eu não sou coveiro"
Assim o presidente reagiu, em frente ao Planalto, quando um jornalista formulava uma pergunta sobre os números da covid-19 no Brasil, que já registrava mais de 2 mil mortes e 40 mil casos. “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?”, afirmou Bolsonaro em 20 de abril.
Foto: picture-alliance/AP Images/A. Borges
"E daí?"
Foi uma das declarações do presidente que mais causaram ultraje. Com mais de 5 mil mortes, o Brasil havia acabado de passar a China em número de óbitos. Era 28 de abril, e o presidente estava sendo novamente indagado sobre os números do vírus. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre...”
Foto: Getty Images/A. Anholete
"Vou fazer um churrasco"
Em 7 de maio, o Brasil já contava mais de 140 mil infectados e 9 mil mortes. Metrópoles como Rio e São Paulo estavam em quarentena. O presidente, então, anunciou que faria uma festinha. "Estou cometendo um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma peladinha...". Dias depois, voltou atrás, dizendo que a notícia era "fake".
Foto: Reuters/A. Machado
"Tem medo do quê? Enfrenta!"
Em julho, o presidente anunciou que estava com covid-19. Disse que estava "curado" 19 dias depois. Fora do isolamento, passou a viajar. Ao longo da pandemia, ele já havia visitado o comércio e participado de atos pró-governo. Em Bagé (RS), em 31 de julho, sugeriu que a disseminação do vírus é inevitável. "Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta!”
Foto: Reuters/A. Machado
"País de maricas"
Em 10 de novembro, ao celebrar como vitória política a suspensão dos estudos, pelo Instituto Butantan, da vacina do laboratório chinês Sinovac após a morte de um voluntário da vacina, Bolsonaro afirmou que o Brasil deveria "deixar de ser um país de maricas" por causa da pandemia. "Mais uma que Bolsonaro ganha", comentou.
Foto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance
"Chega de frescura, de mimimi"
Em 4 de março de 2021, após o país registrar um novo recorde na contagem diária de mortes diárias por covid-19, Bolsonaro afirmou que era preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia, e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.