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Análise: Brasil e Argentina miram integração com moeda comum

24 de janeiro de 2023

Com a moeda "sur", governos Lula e Fernández pretendem alcançar o quase impossível: a integração econômica de uma região na qual os países nem sequer formam uma zona de livre comércio. Economistas manifestam ceticismo.

Os presidentes de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e Argentina, Alberto Fernández
Lula e Alberto Fernández em encontro em Buenos Aires em 23 de janeiro de 2023Foto: Agustin Marcarian/REUTERS

Argentina e Brasil querem criar uma moeda comum. Isso poderia resultar na segunda maior união monetária do mundo, atrás somente da União Europeia (UE). A América Latina responde por 5% do Produto Interno Bruto (PIB) global, e a UE, por 13%. Não é à toa que o projeto sul-americano dominou as manchetes dos jornais econômicos na Europa no fim de semana.

Na América do Sul, por outro lado, as declarações dos líderes de Brasil e Argentina quase passaram despercebidas. Desde os primeiros projetos de integração sul-americana, há 50 anos, a ideia de uma moeda comum volta e meia alimenta as fantasias dos políticos – mas tais anseios produziram nada mais do que material para trabalhos acadêmicos.

O economista brasileiro-argentino Fabio Giambiagi criticou a retomada da discussão como "perda de tempo". Segundo Giambiagi, a falta de planejamento econômico estatal por parte dos governos e as diferentes conjunturas econômicas impedem o desenvolvimento de um projeto monetário sério.

Cenários econômicos distintos

De fato, os dois Estados não poderiam ser mais distintos em suas políticas monetária e fiscal. O Brasil tem uma taxa de câmbio livre e um banco central independente. Já o banco central argentino atendeu a uma ordem do presidente Alberto Fernández e está imprimindo dinheiro para compensar o déficit orçamentário. Como resultado, a inflação na Argentina é de 95% ao ano. No Brasil, a inflação ficou levemente abaixo dos 6% em 2022.

O Brasil possui mais de 300 bilhões de dólares em reservas cambiais, o que faz do país um credor do sistema financeiro global. A Argentina, por sua vez, deve mais de 40 bilhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional (FMI), de quem o país é dependente – e se não o fosse, já estaria insolvente há muito tempo.  

As reservas internacionais da Argentina estão quase zeradas. O governo adotou rígidos controles de capital para impedir que os argentinos comprem dólares. Existem cerca de duas dúzias de taxas de câmbios diferentes para o dólar. No mercado negro, a moeda americana vale o dobro da cotação oficial.

E também não existe um mercado comum entre Brasil e Argentina, nem mesmo uma zona de livre comércio. No Mercosul – a comunidade econômica formada por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai –, as importações de inúmeros produtos estão sujeitas a altas tarifas. Várias isenções também se aplicam à tarifa externa comum. Acrescentar uma moeda comum a essa frágil "comunidade econômica" seria como colocar a carroça à frente dos bois.

Discurso político, e não econômico

Só há um motivo para o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, reviver o projeto da moeda única: trata-se de um discurso político, e não econômico: Lula quer promover a integração da América Latina.

O Brasil tem mais da metade do poder econômico e da população da América do Sul. Se o Brasil apostar numa maior integração, os Estados sul-americanos poderiam segui-lo rapidamente. Com a unidade na região, Lula quer aumentar o peso geopolítico da América Latina – assim como fez em seus dois primeiros mandatos.

Em abril do ano passado, o agora ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escreveu que a moeda comum deve funcionar como um acelerador do processo de integração regional na América do Sul.

Em contrapartida, o governo argentino está feliz com qualquer migalha que possa ajudar o país em sua grave crise. Uma conexão com o vizinho gigante poderia conter o isolamento da Argentina. Haverá eleições em outubro, portanto qualquer notícia com teor positivo é bem-vinda em Buenos Aires.

Certamente, uma integração econômica mais coesa na América do Sul seria muito desejável – mas em vez de promover politicamente projetos de infraestrutura e acordos de livre comércio, os sul-americanos visam dar o terceiro passo antes do primeiro.

O renomado economista Mohamed Aly El-Erian também expressou seu ceticismo. "Nenhum dos dois países tem condições iniciais que possam levar a iniciativa a ser bem-sucedida e atrair outros países", disse. "O melhor que se pode esperar dessa iniciativa é que as conversações forneçam alguma cobertura política para reformas econômicas bastante necessárias."

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

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