Análise de esgotos do mundo detecta 18 novas drogas
Richard Connor
30 de abril de 2023
Em 47 cidades de países de quatro continentes, inclusive no Brasil, cientistas encontraram novas substâncias psicoativas. Efeito é similar a anfetaminas ou cocaína, mas alterações moleculares contornam leis antidrogas.
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O exame dos esgotos de 16 países revelou 18 novas substâncias psicoativas (NSP) com efeitos semelhantes aos de drogas urbanas conhecidas. Estima-se tratar-se de uma estratégia do narcotráfico para se manter na dianteira da lei, contornando as restrições legais que, em diversos países, estão associadas a substâncias e composições químicas específicas.
Uma equipe liderada por cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, analisou em três períodos de Ano Novo, entre 2019 e 2022, amostras das águas usadas de 47 cidades da Europa, América, Ásia e Oceania, entre as quais Brasil, Estados Unidos, Espanha, Itália, França, China e Coreia do Sul.
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As 18 novas drogas detectadas são análogas a psicotrópicos vendidos ilegalmente, porém com a estrutura molecular ligeiramente alterada. "Essas substâncias são sintetizadas para substituir as banidas, dificultando a aplicação da lei para controlar sua circulação", explica o estudo.
Narcotráfico aproveita lacunas legais
A pesquisa mostrou que NSPs estão sendo usadas em todo o mundo, porém não revelou tendências regionais fortes. As catinonas sintéticas – relacionadas ao estimulante encontrado na planta khat (Catha edulis), nativa da África Oriental e da Península Árabe – foram a classe química mais frequente.
Uma delas, a 3-metilmetacatinona (3-MMC), foi isolada em níveis especialmente elevados na Europa, sobretudo na Espanha e Eslováquia. Detectada no continente nos primeiros exames, de 2019, ela se espalhou para a América do Norte e Oceania nos anos seguintes.
Feniletilaminas, cujo efeito é semelhante ao das anfetaminas e benzodiazepinas sintetizadas, também apareceram com frequência. Sete substâncias psicoativas com efeitos comparáveis aos do ecstasy e da cocaína – entre as quais mefredona, etilona e eutilona – foram detectadas exclusivamente na Austrália.
Nos Estados Unidos, encontraram-se nos esgotos cargas especialmente pesadas do opioide de origem vegetal mitraginina. A FDA, departamento americano para controle de alimentos e substâncias, tem advertido sobre os perigos da planta kratom (Mitragyna speciosa), mas atualmente a mitraginina não está submetida a controle federal,
Drogas com passado alemão
Muitos entorpecentes produzidos hoje em laboratórios clandestinos espalhados pelo mundo são criações de cientistas, militares e empresas da Alemanha.
Na Segunda Guerra
Nas campanhas na Polônia, em 1939, e na França, em 1940, Hitler enviou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, que tinha o apelido de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". A substância ativa, metanfetamina, é um estimulante do sistema nervoso central. Mas também os Aliados dopavam seus soldados.
Foto: picture-alliance/dpa-Bildarchiv
Alerta, destemido e sem fome
A droga foi produzida por um japonês, inicialmente em forma líquida. Químicos da fábrica berlinense Temmler aperfeiçoaram o produto e o patentearam em 1937. Um ano mais tarde o medicamento era lançado no mercado. Ele era usado contra cansaço, sensação de fome e sede e medo. Hoje em dia, o Pervitin é comercializado ilegalmente sob novo nome: Crystal Meth.
High Hitler?
Historiadores divergem se Adolf Hitler era dependente de Pervitin. Nas anotações de seu médico pessoal, Theodor Morell, aparece um "X" com frequência. Nunca foi esclarecido o que ele significa. Sabe-se, no entanto, que Hitler recebia medicamentos fortes, a maioria provavelmente muito aquém das atuais leis de combate às drogas.
Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library
"Milagrosa" heroína
A criatividade dos produtores de drogas na Alemanha já havia começado muito mais cedo. "Fim à tosse graças à heroína", era o slogan da fabricante alemã Bayer no final do século 19 para o seu sucesso de vendas. Em pouco tempo, a heroína passou a ser prescrita contra epilepsia, asma, esquizofrenia e doenças cardíacas, mesmo em crianças. Como efeito colateral, a Bayer apontava prisão de ventre.
Pai da aspirina e da heroína
O químico e farmacêutico Felix Hoffmann é celebrado especialmente como o inventor da aspirina. Sua segunda grande descoberta aconteceu quase por acaso, enquanto experimentava com ácido acético. Ele resolveu combinar este ácido com morfina, obtido do suco da papoula usada para produzir ópio, criando assim a heroína. O produto só se tornaria ilegal na Alemanha em 1971.
Cocaína para oftalmologistas
Já desde 1862, a alemã Merck fabricava cocaína, usada na época pelos oftalmologistas como anestésico local. Ao pesquisar folhas de coca da América do Sul, o químico Albert Niemann havia isolado um alcaloide, que chamou de cocaína. Niemann morreu pouco depois de sua descoberta, vítima de um problema pulmonar.
Foto: Merck Corporate History
Freud e cocaína
Sigmund Freud consumia cocaína para fins científicos. Em seus "Escritos sobre a cocaína", o pai da psicanálise escreveu que ela não traz inconvenientes. Segundo ele, a substância transmite euforia, energia para viver, e motiva a trabalhar. Seu entusiasmo, no entanto, acabou com a morte de um amigo por causa da droga. Naquele tempo, a cocaína era prescrita contra dor de cabeça e dor no estômago.
Foto: Hans Casparius/Hulton Archive/Getty Images
O barato do Ecstasy
Embora o americano Alexander Shulgin seja considerado o inventor da pílula Ecstasy, a receita para sua produção estava em mãos da fabricante alemã Merck. Em 1912, foi dada entrada para a patente de uma substância oleosa sem cor chamada metilenodioximetanfetamina (MDMA ). Na época, os químicos consideraram que ela não teria valor comercial.
Foto: picture-alliance/epa/Barbara Walton
Efeitos de longo prazo
Os efeitos destas descobertas são implacáveis. As Nações Unidas calculam que em 2013 morreram 190 mil pessoas no mundo devido ao consumo de drogas ilegais. Em relação a bebidas alcoólicas, que não são proibidas, os números são mais impressionantes: a Organização Mundial da Saúde estima que em 2012 5,9% de todos os casos de morte no mundo (3,3 milhões) foram uma consequência do consumo de álcool.