1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Análise desmente "cadáveres em movimento" nas ruas de Bucha

Kathrin Wesolowski | Joscha Weber
5 de abril de 2022

Governo russo e perfis pró-Russia em redes sociais afirmam que imagens de corpos espalhados pelas ruas da cidade ucraniana foram encenadas. Checagens da DW e do "NYT" desmentem as alegações.

Corpos aparecem espalhados por rua em Bucha, na Ucrânia
Retirada de tropas russas deixou rastro de horror em BuchaFoto: RONALDO SCHEMIDT/AFP

Desde o final de semana, circulam diversas imagens terríveis do que restou em Bucha, nos arredores de Kiev, após a retirada das tropas russas. Uma rua repleta de corpos pelo chão. As vítimas não usam uniformes militares. Algumas estão amarradas. Após a divulgação de vídeos pelas Forças Armadas da Ucrânia nos dias1 de abril e2 de abril, jornalistas de veículos internacionais também estiveram na região e noticiaram sobre os mortos.

Soldados russos são acusados de fuzilarem civis. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, falou em "genocídio"; o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, condenou "os crimes das forças de segurança da Rússia", e o secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse "profundamente chocado".

Ao mesmo tempo circula nas redes sociais, impulsionada pela Rússia, uma acusação monstruosa: de que as cenas de Bucha não passam de uma encenação.

O Ministério da Defesa da Rússia escreveu no Telegram que os vídeos são uma "produção encenada e provocação". A embaixada russa em Berlim seguiu a alegação e disse considerar as imagens de Bucha "mais uma encenação do regime de Kiev para a imprensa ocidental". A porta-voz do Ministério do Exterior russo, Maria Zakharova, chegou a dizer que sabe que os Estados Unidos e a Otan supostamente encomendaram os vídeos para colocar a culpa em Moscou.

Não há provas de encenação

As instituições russas, no entanto, não fornecem provas para essas alegações. Perfis pró-Rússia propagam a narrativa nas redes sociais de que tudo não passa de uma grande mentira: atores teriam sido posicionados nas ruas para parecerem corpos. A prova estaria num dos vídeos que mostram os mortos numa rua em Bucha.

As alegações: um usuário de uma rede social afirma que um dos corpos do lado direito do vídeo teria movimentado o braço. Outro pergunta sarcástico se um cadáver pode mexer a mão e outro se levantar. "O que está sendo encenado aqui?", acrescenta.

De acordo com a checagem de fatos da DW, essa alegação é falsa.

No vídeo citado, não dá para ver um corpo levantando o braço ou um dos cadáveres se levantando de repente. A DW verificou as duas alegações e localizou a área onde as imagens foram gravadas: a rua Yablunska, em Bucha. Alguns edifícios aparecem em imagens do Google Street View feitas em 2015, e outros foram construídos aparentemente depois. O comboio que gravou o vídeo ia na direção nordeste.

Vídeo mostraria corpos supostamente se mexendo

A primeira alegação seria de que um dos corpos à direita do vídeo teria mexido a mão. Realmente parece que há algo que se move à medida que a imagem se aproxima do corpo, porém, não se trata de uma mão. Análises de imagem feitas pela DW mostram que se trata de uma gota de chuva no para-brisa do carro de onde está sendo feita a gravação. Essa gota se move para cima devido ao vento contrário, dando a impressão de um movimento. Uma outra versão do vídeo, filmada em melhor qualidade, mostra claramente que se trata de uma gota de chuva e não de um movimento de mão.

O legista forense digital Dirk Labudde, professor da Faculdade de Mittweida, analisou as imagens para a DW. Após separar os frames do vídeo, o especialista constatou que se trata "de um artefato no para-brisa do veículo de onde está sendo feita a filmagem que aparece em todos os frames" e que "numa análise detalhada não foi identificado movimento de uma pessoa".

Curvatura do retrovisor sugere movimento

A outra alegação seria de um corpo que se levanta após a passagem do carro de onde está sendo feita a filmagem. O movimento teria aparecido no espelho retrovisor do veículo. Aqui mais uma vez se trata de uma falsa interpretação. A análise feita pela DW mostra que o corpo continua deitado no lugar onde estava.

Rússia ataca também com hackers e fake news

04:11

This browser does not support the video element.

A combinação do movimento do carro com a mudança de direção da câmera para a frente explica essa falsa interpretação. O espelho retrovisor possui uma curvatura que aumenta o campo de visão. A reprodução do vídeo em velocidade menor mostra que o corpo permanece na mesma posição até mesmo na imagem gravada no retrovisor. Essa também é a conclusão de Labudde.

"Uma alteração na imagem no espelho pode ser percebida devido à mudança de perspectiva da câmera, da curvatura desigual do retrovisor e da distorção do reflexo gerada por isso. Essa alteração dá a impressão de que o corpo que aparece no retrovisor se move. Essa alteração, porém, é coerente com os pontos imóveis ao redor do corpo. Isso indica que não houve nenhum movimento real desse corpo enquanto a câmera estava gravando", explica o especialista.

Corpos estariam nas ruas desde março

Uma investigação do jornal americano The New York Times, com base em imagens de satélites feitas pela empresa Maxar, revelou ainda que os corpos estão desde 19 de março nas ruas de Bucha, e em alguns dos casos, como na rua Yablunska, eles aparecem nas imagens desde 11 de março.

O antes e depois comparando as imagens de satélite de 19 de março e o vídeo de 2 de abril mostra que os corpos estão na mesma posição. Isso rebate claramente a alegação da Rússia de que os corpos apareceram nas ruas depois da retirada das tropas russas em 30 de março.

Essa não é a primeira vez desde a invasão da Ucrânia que a Rússia nega acusações de supostos crimes de guerra e alega que provas para tais atos seriam falsas.

Moscou também classificou as imagens do ataque a uma maternidade em Mariupol como encenação. O ataque e suas consequências para a população civil foram documentados em detalhes desde então. Já o governo russo não forneceu nenhuma prova para a alegada encenação do ataque.

Pular a seção Mais sobre este assunto