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Análise: "Fidel não era um homem de diálogo"

Bernd Wulffen md
28 de novembro de 2016

Embaixador alemão em Havana entre 2001 e 2005, Bernd Wulffen relembra encontros com líder cubano, descrevendo-o como simpático e expansivo, porém duro com adversários. "Fidel raramente dava espaço a opiniões diferentes."

Fidel Castro no Dia do Trabalho, em maio de 2016
Fidel Castro no Dia do Trabalho, em maio de 2016Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto

Fidel Castro, um gigante do século passado, não existe mais. Para Cuba, sua revolução significou a restauração da soberania e da dignidade nacional. A saúde e a educação em Cuba se tornaram modelo para muitos países do Terceiro Mundo. Para o Ocidente, a violação dos direitos humanos sob Fidel era um constante ponto de crítica.

Como embaixador em Havana, encontrei Fidel várias vezes. Ele era, geralmente, simpático, expansivo e galante com as mulheres. Isto contrastava com a dureza com que tratava seus adversários, especialmente a oposição em seu próprio país.

Fidel não era um homem de diálogo. Só raramente dava chance a opiniões diferentes. Quando certa vez o ex-presidente do Bundestag (Parlamento alemão) Wolfgang Thierse o interrompeu durante uma reunião em Havana – Fidel havia feito ataques afiados contra seu "inimigo favorito", os EUA – temíamos um escândalo. Mas, também aqui, Fidel provou ser "hidalgo" e um bom anfitrião, deixando seu convidado falar. Thierse quis desviar o assunto para a Europa e a Alemanha. Fidel fez algumas observações sobre Karl Marx e outros grandes pensadores alemães e europeus para, novamente, criticar os Estados Unidos. Até o fim, o país representava para ele o inimigo a ser enfrentado.

Vinho alemão

Em outra ocasião, desta vez em minha residência no distrito de Cubanacán, ofereci ao "máximo líder" uma taça de vinho alemão. Eu sabia que Fidel gostava de vinhos e também os colecionava. Mas o vinho não chegava. Os outros convidados e, especialmente, eu, ficamos inquietos. Com algum atraso, chegou a requintada bebida de Rheingau. O que havia acontecido? A segurança cubana mandara voltar as garrafas já abertas e solicitara novas garrafas fechadas. Isso causou o atraso. Devido às numerosas tentativas de atentados contra Fidel, essa era uma medida de segurança rotineira.

O diplomata alemão Bernd Wulffen foi embaixador em Cuba de 2001 a 2005Foto: picture-alliance/dpa/K. Schindler

Para mim, como embaixador, poderia ter se tornado desagradável o convite para Fidel feito pelo Festival de Cinema de Berlim de 2003, sem conhecimento do governo alemão. Naquela ocasião, o filme de Oliver Stone Comandante, a história da vida de Fidel, estrearia em Berlim. Eu soube disso quando autoridades cubanas pediram a concessão de vistos de cortesia ao presidente e à sua comitiva. Berlim me instruiu a fazer todo o possível para evitar a viagem (a Alemanha havia irritado severamente o presidente Bush ao rejeitar um envolvimento militar no Iraque contra Saddam Hussein). Não queríamos irritar ainda mais os Estados Unidos com uma visita de Fidel na Alemanha. O que eu deveria fazer?

Convite embaraçoso

O então ministro do Exterior, Pérez Roque, me disse para falar com Fidel pessoalmente. Tentei e consegui. Como era frequentemente o caso, a conversa ocorreu em torno da meia-noite. Os rostos petrificados da comitiva de Fidel não me diziam nada de bom. Então, veio o "chefe". Ele parecia bem descansado, me cumprimentou cordialmente, perguntou sobre a minha família. Então, ele colocou a mão no meu antebraço e disse: "Embaixador, não se preocupe, não vou a viajar a Berlim". Então, ele me disse que não queria causar mais problemas ao chanceler Schröder, que ele admirava por sua postura na Guerra do Iraque.

Essa foi a última conversa longa com o "comandante". Pois logo começaria a "guerra do coquetel", em que houve o "congelamento" dos embaixadores da UE que haviam convidado, seguindo ordens superiores, políticos da oposição cubana para festejarem seu feriado nacional. Não chegavam mais convites para recepções do governo cubano, funcionários do governo não eram mais convidados para eventos dos europeus. Com nosso protesto contra as prisões arbitrárias, do nosso ponto de vista, e a condenação a longas penas de prisão de 75 políticos da oposição cubana, tínhamos cometido um crime de "lesa-majestade" e deveríamos ser tornados supérfluos.

As últimas palavras públicas de Fidel

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Relação com a Igreja

Fidel estudou em colégios jesuítas em Santiago de Cuba e em Havana. No entanto, ele deportou mais de 300 padres desde a vitória da revolução, em 1959. Sua relação com a Igreja Católica se manteve por longo tempo delicada. Com o papa João Paulo 2°, no entanto, ele teve um relacionamento próximo. Ele o visitou em Roma e, em 1998, o papa retribuiu a visita indo a Cuba. Quando ele morreu, em 2005, Fidel não perdeu a oportunidade de participar da missa para o falecido papa na Catedral de Havana. Mais tarde, ele e seu irmão Raúl aceitaram a mediação da Igreja no restabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos (que tinham sido interrompidas em janeiro de 1960). Foi assim que a visita do presidente Obama se tornou possível.

Após a morte de Fidel e a saída de seu irmão Raúl da liderança do governo, anunciada para 2018, uma geração mais jovem provavelmente chegará ao poder em Cuba. E sobretudo também o Ocidente será chamado para ajudar a promover novas ideias e novas iniciativas em Cuba e na transição para uma economia de mercado e também para a democracia. É de se esperar que também os Estados Unidos sepultem Cuba como a figura do inimigo a ser enfrentado. Entretanto, se isso vai ser possível com o novo presidente em Washington, me parece, da atual perspectiva, algo duvidoso.

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