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Análise: Governo adotou estratégia errada em megaleilão

7 de novembro de 2019

Para analistas, agenda de curto prazo determinou estratégia do aguardado leilão, afugentando investidores e gerando arrecadação menor que a prevista. Mas blocos que sobraram podem voltar a ser leiloados no futuro.

Plataforma de petróleo
Maior fatia arrecadada no megaleilão ficará com a própria PetrobrasFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

O presidente Jair Bolsonaro tentou evitar qualquer sinal de frustração ao comentar o resultado do ​aguardado megaleilão do pré-sal​, na tarde desta quarta-feira (06/11). "Foi menor que o previsto, lógico que o dinheiro será menor", reconheceu, para logo em seguida dizer: "O campo mais importante foi vendido. No meu entender, foi um sucesso. O dinheiro é bem-vindo."

Depois de semanas de negociações sobre a distribuição do dinheiro esperado, a arrecadação foi de 69,9 bilhões de reais, abaixo da previsão inicial de 106,5 bilhões. Ainda assim foi um valor recorde em termos de bônus de assinatura fixa (o valor que as empresas se comprometem a pagar à União pela exploração dos campos). 

O resultado do leilão, no entanto, foi uma decepção principalmente para os governadores, prefeitos e cofres do governo federal. Para os estados e municípios sobram, em vez dos esperados 10,8 bilhões de reais para cada grupo, agora apenas 5,3 bilhões.

O governo federal ficará com 23,69 bilhões de reais, em vez de 49 bilhões, enquanto o Rio de janeiro leva apenas 1,06 bilhão, em vez dos mais de 2 bilhões previstos. 

A maior fatia, 34,6 bilhões de reais, ficará com a própria Petrobras, como parte de um ressarcimento no âmbito de uma revisão do contrato de exploração da área. Originalmente, os blocos haviam sido cedidos pela União à Petrobras em 2010, em um regime chamado como cessão onerosa.

À época, a Petrobras recebeu o direito de explorar 5 bilhões de barris nas áreas, mas ao longo do tempo, ao explorar a região, a estatal percebeu que o reservatório de petróleo era maior do que o previsto inicialmente. Foi esse volume excedente, que pode chegar a 15 bilhões de barris, que foi a leilão nesta quarta-feira. 

Apesar da arrecadação menor que a esperada, José Eduardo Vinhaes Gerk, presidente da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), empresa vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), faz um balanço positivo.

"Apesar de nem todos os blocos terem sido arrematados, o que é normal em diversos leilões de petróleo em todo o mundo, considero que o resultado do leilão foi um sucesso, garantindo quase 70% da expectativa de arrecadação em bônus e viabilizando a continuidade dos investimentos em Búzios e Itapu", diz em entrevista à DW.

O bloco de Búzios, com bônus de assinatura de 68,194 bilhões de reais, recebeu um lance único do consórcio formado pela Petrobras, com 90% de participação, e das chinesas CNODC Brasil e CNOOC Petroleum, com 5% cada uma. No bloco de Itapu, a Petrobras fez a única proposta, de 1,766 bilhão de reais, e sem formar um consórcio. Os blocos de Atapu e Sépia não receberam nenhum lance.

Empresas internacionais de fora

As grandes empresas internacionais habilitadas para o leilão não apareceram. A britânica BP e a francesa Total já tinham se retirado antes do leilão, enquanto as americanas Chevron e ExxonMobil, a alemã Wintershall Dea, a portuguesa Petrogal, a colombiana Ecopetrol, a norueguesa Equinor, a malaia Petronas, a QPI, do Catar, e a anglo-holandesa Shell não deram nenhum lance.

"As empresas internacionais não entraram porque acharam que não era um bom negócio", avalia Edmar Luiz Fagundes de Almeida, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à DW. "O problema foi o valor do bônus que o governo colocou. Foi considerado muito alto, tornando os ativos pouco atraentes do ponto de vista econômico. A estratégia do governo não deu certo, ele errou na fixação dos bônus."

Fernanda Delgado, do Departamento de Energia da Fundação Getúlio Vargas, avalia o resultado como mais positivo. "Foi um bom resultado, 70 bilhões de reais é um valor substancial. São áreas com muito potencial exploratório e uma geologia muito favorável", diz. "Mas é lógico que havia uma expectativa um pouco mais positiva, a gente esperava um pouco de ágio, esperava um apetite maior das empresas chinesas."

Para Delgado, o risco de um ressarcimento alto a ser pago à Petrobras afugentou os investidores. A Petrobras tinha deixado em aberto o valor exato de indenizações pelos investimentos já realizados nos blocos e que iriam ser requisitados aos vencedores do leilão, mas o número mencionado na mídia era de reembolsos entre 35 bilhões e 120 bilhões de reais. "As empresas internacionais se intimidaram com os valores dos bônus e desses reembolsos", comenta a economista.

Agenda de curto prazo

Fagundes também avalia que o governo escolheu a estratégia errada. "Se você colocar um bônus mais baixo, isso atrai mais empresas, e elas vão disputando estes blocos, aumentando, assim, o lucro para o governo. Você deixa de arrecadar hoje, mas arrecada muito mais no futuro."

Mas o governo, e principalmente o ministro da Economia, Paulo Guedes, devem ter olhado mais para a situação dos cofres públicos do que para possíveis ganhos de longo prazo, avalia o economista. "Ficou evidente que a agenda de curto prazo acabou estabelecendo a estratégia do leilão. E isso não deu certo."

No entanto, isso não implica uma perda geral de confiança no mercado brasileiro de petróleo ou no governo, diz Fagundes. "Foi uma má avaliação em relação a esses blocos especificamente. Pois o leilão do mês passado foi muito exitoso em termos de arrecadação e com muita participação e disputa", comenta.

Ele também não diz não ver risco para as metas de longo prazo do setor brasileiro de petróleo. Até 2030, a produção atual deverá aumentar de 3 milhões de barris por dia para 7,5 milhões. Então, em vez das atuais 106 plataformas, é provável que até 170 estejam em atividade. Assim, o Brasil passaria do atual décimo lugar entre os maiores produtores mundiais de petróleo para o top 5. 

E mesmo que o mundo aposte cada vez mais na energia renovável, Fagundes acredita que o petróleo brasileiro continuará sendo, globalmente, bastante requisitado nas próximas décadas. Os 1,2 milhão de barris que o Brasil exporta atualmente por dia podem chegar a 4 ou 5 milhões de barris até 2030, de acordo com estimativas da indústria petrolífera brasileira.

"Essa previsão de dobrar a produção se mantém, pois ela não depende mais do governo. Ela depende agora do investimento das empresas que estão no Brasil. Pois o óleo já foi concedido, e muito dele já está descoberto", avalia Fagundes. Espera-se a criação de 400 mil empregos e um investimentos total de mais de um trilhão de reais até 2030.

Para Delgado, o fato de não terem sido leiloados dois blocos nesta quarta-feira não significa um fracasso. "Essas áreas que sobraram vão voltar para serem leiloadas numa outra vez. Agora cabe ao governo decidir se diminui esses reembolsos para a Petrobras, para tornar essas áreas mais atrativas. Vamos ver o que o governo vai fazer quando essas áreas voltarem a leilão."

Nesta quinta-feira, em um segundo leilão, o governo vendeu apenas uma das cinco áreas do pré-sal oferecidas, arrecadando 5,05 bilhões de reais. Novamente, a única oferta veio da Petrobras, em consórcio com a chinesa CNODC, que arrematou o bloco de Aram, na Bacia de Santos.

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