Andrade Gutierrez vai devolver R$ 1,49 bilhão à União
19 de dezembro de 2018
Com a assinatura de acordo, empreiteira envolvida na Lava Jato poderá continuar prestando serviços ao Poder Público. Valor será pago ao longo de 16 anos.
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A construtora Andrade Gutierrez, uma das empresas investigadas pela Operação Lava Jato, a assinou nesta terça-feira (18/12) um acordo de leniência com a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), se comprometendo a devolver 1,49 bilhão de reais à União.
Com a assinatura do acordo, a construtora poderá continuar prestando serviços ao Poder Público. Além disso, os órgãos públicos extinguirão os processos administrativos de responsabilização e os processos de improbidade administrativa contra a empresa. Em contrapartida, a construtora pagará 1,49 bilhão de reais ao longo dos próximos 16 anos. Corrigido pela taxa Selic, a cifra pode atingir cerca de 3,6 bilhões de reais ao fim do período. A primeira parcela, que ainda está sendo calculada, será paga em agosto de 2019. As demais, em parcelas anuais.
Segundo a ministra Grace Mendonça, da AGU, o acordo é resultado de uma negociação que se prolongou por dois anos devido à "extensão e profundidade" das ilicitudes que, segundo as investigações, apontam para o envolvimento de 250 pessoas físicas e 100 pessoas jurídicas, apenas no âmbito da Andrade Gutierrez.
"Este é um acordo em que trabalhamos bastante na perspectiva da reparação e conseguimos avançar bastante em termos de valores", disse a ministra, explicando que o novo acordo reconhece o termo de leniência que a Andrade Gutierrez assinou com o Ministério Publico Federal (MPF), em 2016. O acordo com o MPF prevê a restituição de 1 bilhão de reais aos cofres públicos, quantia a ser dividida entre os vários entes prejudicados nas esferas federal e municipais.
De acordo com a ministra Grace Mendonça, qualquer quantia que a empresa tenha pago no âmbito do acordo com o MPF para reparar os danos a entes federais será descontado do 1,49 bilhão de reais agora acordado com a CGU e com a AGU.
Valor
O valor a ser ressarcido foi calculado com base em 54 contratos fraudulentos. Dos 1,49 bilhão de reais que a empresa se compromete a restituir, 875 milhões correspondem a lucros que a construtora obteve indevidamente; 328 milhões são referentes à restituição de propinas; e 286 milhões de reais em multas administrativas.
Os recursos devolvidos serão integralmente destinados aos entes federais lesados, principalmente a Petrobras. De acordo com o ministro da CGU, Wagner Rosário, as investigações ainda devem resultar em medidas judiciais contra as pessoas jurídicas e físicas envolvidas no esquema.
"Vamos ter que investigar e abrir processos. Seja processo de improbidade, seja contra servidores. Este é o início de um trabalho árduo para sancionarmos estas pessoas físicas e jurídicas", disse o ministro.
Este é o sexto acordo do tipo que a AGU e a CGU assinam com empresas investigados por desvios de recursos da União e de empresas estatais. Somados os acordos, as empresas Odebrecht, UTC Engenharia, Bilfinger, SBM Offshore, Mullen Lowe e FCB Brasil e Andrade Gutierrez se comprometem a devolver algo em torno de 6,06 bilhões de reais, mas como as parcelas podem ser pagas ao longo de mais de duas décadas, os valores podem ser maiores por causa de reajustes. Outras companhias continuam sendo investigadas.
Andrade Gutierrez
Em nota, a Andrade Gutierrez informou que a assinatura do acordo de leniência reafirma a postura de colaboração que a empresa adotou junto aos órgãos competentes, desde que firmou acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF), em fevereiro de 2016.
"A companhia ressalta que apoia toda iniciativa de combate à corrupção, e que visa a esclarecer e reparar fatos ocorridos no passado, incluindo o ressarcimento de danos. A Andrade Gutierrez lembra que assumiu esse compromisso público com a sociedade ao pedir desculpas em um manifesto veiculado nos principais jornais do país, e segue colaborando de maneira intensa com a Justiça".
A construtora diz ainda ter incorporado ações para garantir a ética, lisura e a transparência em suas relações empresariais, seja com clientes ou fornecedores. "Tudo aquilo que não seguir rígidos padrões éticos será imediatamente rechaçado pela companhia", afirma a construtora.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.