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Angústia com agravamento da guerra se espalha na Alemanha

22 de março de 2022

Produtos em falta nos mercados, linhas de aconselhamento psicológico congestionadas, buscas por bunkers. Guerra na Ucrânia desperta temor nos alemães – tanto em jovens quanto em gerações que testemunharam 2ª Guerra.

Berlim
Protesto contra a guerra em Berlim. Alemães temem agravamento do conflitoFoto: Fabrizio Bensch/REUTERS

Mudanças climáticas, pandemia e agora o ataque russo à Ucrânia – as más notícias vão se acumulando. A sensação de crise está se espalhando na Alemanha. E um dos indicadores que atestam que a nação está parcialmente inquieta pode ser observado nos supermercados, onde prateleiras vazias indicam o sumiço de produtos como farinha e massas.

Por causa da guerra, as pessoas estão fazendo estoques novamente, assim como ocorreu no início da pandemia. Só que agora, em vez de papel higiênico, óleo de girassol vem sendo o produto mais procurado.

Produtos em falta

A Associação da Indústria de Processamento de Oleaginosas da Alemanha já alertou que "restrições no fluxo de girassol, linhaça e soja provenientes da região do conflito" devem ser esperadas nas próximas semanas e meses. A Ucrânia e a Rússia estão entre os países exportadores mais importantes de óleo de girassol. E na Alemanha 94% do óleo consumido é importado.

Com a preocupação de que em breve haverá uma escassez de outros alimentos básicos, como farinha e massas, também vêm sendo particularmente visados pelos consumidores "hamsters" – na Alemanha, esse tipo de compra motivada pela insegurança é chamado de "hamsterkauf" (hamster, o animal; kauf = compra), por causa do hábito desses roedores de estocar alimentos. E essa preocupação persiste mesmo com indústrias do setor alimentício assegurando não haver problemas em suas cadeias de suprimentos.

De acordo com uma pesquisa divulgada em 28 de fevereiro, quatro dias após o início da invasão da Ucrânia pelos russos, 69% dos alemães manifestam temor de que a Otan e, consequentemente, as Forças Armadas da Alemanha sejam arrastadas para a guerra. Outro levantamento, de 3 de março, apontou que 64% temem que a situação econômica se deteriore.

Até agora, a maioria na Alemanha vem reagindo com calma. No entanto, a guerra, que pode ser acompanhada ao vivo nas redes sociais e está geograficamente mais próxima do que conflitos militares anteriores, está agitando emocionalmente cada vez mais alemães.

Prateleira vazia em supermercado alemão. Escassez de óleo de cozinha é novo símbolo da criseFoto: MiS/IMAGO

Falar sobre o medo

Muitos alemães vêm procurando serviços de aconselhamento por telefone. "As consultas se tornaram muito intensas", aponta Christina Zajackowski, do serviço de aconselhamento de Colônia. Um entre cada cinco telefonemas é para expressar ansiedade em relação à guerra ou manifestar medo de que ela chegue à Alemanha.

"[As pessoas] temem que parentes ou amigos sejam mortos, que suas casas sejam bombardeadas, que coisas muito ruins como as vistas na mídia aconteçam." Zajackowski afirma que é terapêutico para quem liga "falar sobre seus medos ou apenas expressar suas piores fantasias".

Os alemães mais jovens que cresceram em uma Europa em paz estão preocupados com o futuro. Mas o mesmo ocorre com as gerações mais velhas, que viram a Segunda Guerra Mundial, e para quem as imagens da destruição na Ucrânia despertam temores profundos.

"Essa geração suprimiu tudo em tempos de paz. E agora tudo apareceu de novo", afirma Thomas de Vachroi, ligado à Haus Britz, uma casa de repouso da igreja protestante em Berlim na qual vivem muitos idosos. "Eles estão com muito medo de que em algum momento a linha vermelha seja cruzada, que a Otan intervenha e o cenário fique pessimista. Devo dizer honestamente que no momento também vejo dessa maneira."

"O que está acontecendo neste mundo?"

No entanto, os moradores mais velhos da casa Britz não estão preocupados consigo mesmos, mas com seus filhos e netos, relata Vachroi. Em vista de suas experiências do pós-guerra entre 1945 e 1955, eles disseram: "Meus netos não passaram pelo que experimentamos depois da guerra. Sobreviver à fome, buscar comida no campo, não ter roupas". Isso é difícil para os mais velhos lidarem. "Eles então sentam na sua frente e pensam: 'Meu Deus, o que está acontecendo neste mundo agora?'"

São reações que o presidente alemão da Associação Médica Mundial, Frank Ulrich Montgomery, leva muito a sério. Ele vem pedindo para que o medo da guerra entre a população seja abordado. "É importante que as pessoas que têm medo da guerra sejam levadas a sério e não reprimam seus sentimentos", afirmou aos jornais do grupo de mídia Funke. "O medo da guerra nuclear não é um medo completamente irreal. É por isso que apenas apresentar contra-argumentos racionais não é o suficiente."

Serviços de aconselhamento têm recebido ligações de alemães apreensivos com a guerraFoto: Patrick Pleul/dpa-Zentralbild/dpa/picture alliance

"Preppers" antecipam crises

Contra-argumentos racionais certamente não convenceriam aqueles que há anos se preparam meticulosamente para crises e catástrofes: os preppers ("preparadores" ou "sobrevivencialistas"). Eles costumam se preparar para o pior – agora ainda mais.

Na internet, eles exibem mochilas de sobrevivência, tabletes de iodo para proteção contra a radioatividade e geradores de energia de emergência, além de dar "dicas de preparação para iniciantes".

No YouTube, um usuário com o nome "Prepper Norddeutschland" (Prepador Norte da Alemanha) publicou um vídeo com o título "Guerra Rússia-Ucrânia. O que fazer agora?". Aproveitando a deixa das batalhas que ocorreram nas imediações de usinas nucleares ucranianas, o blog BugOutSurvival NRS publica textos com títulos como "Colapso ucraniano? Você pode sobreviver à radiação?". Já o site strom failure-info lança em seus textos provocações como "Tarde demais para prevenção de crises? Agora o tempo está realmente se esgotando".

Quarto de pânico e bunker nuclear

O medo também abre oportunidade para negócios. Isso é especialmente verdade para a indústria de segurança. É o caso da BSSD, com sede em Berlim, especializada na construção de abrigos.

"Anteriormente, o número diário de acessos em nosso site era entre 100 e 300. Com o início da guerra, eles dispararam para mais de 10.000", afirma o gerente de comunicações da BSSD, Mark Schmiechen. A empresa desenvolve desde pequenas salas revestidas com aço, os chamados quartos de pânico, a bunkers à prova de bombas atômicas.

A empresa de segurança manteve uma linha direta de seis telefones por duas semanas, das 8h às 22h. "Tínhamos dez ligações por hora por telefone", relata Schmiechen. Muitos interessados também queriam saber o que fazer em caso de emergência. "Por exemplo, tivemos uma jovem que disse: 'Eu nem sei com quem entrar em contato. Liguei para a polícia e liguei para as autoridades, eles não podiam me dar nenhuma dica."

Um quarto de pânico portátil. Empresas de segurança têm observado demanda maior por consultasFoto: BSSD

Departamento cibernético teme ataques

Um pesadelo para muitos alemães seria o colapso do abastecimento de energia e água – devido a um ataque cibernético dos hackers de Putin. A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, fez um apelo para que a ameaça seja levada a sério. O Departamento Federal de Segurança da Informação (BSI) também manifesta preocupação.

Incluída num alerta sobre o software antivírus da fabricante russa Kaspersky, uma declaração da BSI causou alarme: as ações das forças militares e/ou de inteligência russas estavam "ligadas a um risco considerável de um ataque de TI bem-sucedido".

Departamentos federais da Alemanha levantaram temor de ataques cibernéticos contra o paísFoto: Jochen Tack/dpa/picture alliance

O Departamento de Proteção e Ajuda em Desastres (BBK, na sigla em alemão)  também considera que falhas no fornecimento de energia devido a um ataque de hackers são "possíveis em princípio". Dois anos atrás, o departamento chegou a ser ridicularizado após solicitar o estabelecimento de uma reserva energética de emergência com duração de dez dias. Agora, o BBK, que está vinculado ao Ministério do Interior, deve se sentir reabilitado. O departamento vem sendo sobrecarregado com perguntas e criou uma seção especial sobre a guerra na Ucrânia em seu site.

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