À frente do governo desde 2005, chanceler federal marcou a política alemã, resultando na chamada "era Merkel". Em 14 anos de mandato, ela se afirmou como gestora de crises.
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Durante anos, as mãos postas em forma de losango eram o gesto que grande parte do mundo associava a Angela Merkel, que completa 65 anos de vida nesta quarta-feira (17/07). Na campanha eleitoral de 2013, o "losango Merkel" era visto até mesmo em outdoors, simbolizando a resistência inabalável da líder democrata-cristã.
Em 2019, o que se discute é um outro aspecto físico da chefe de governo alemã: seus tremores em aparições públicas. Ela estará doente?, perguntam-se muitos.
Do ponto de vista formal, ela tem menos poder do que os chefes de governo em Paris, Moscou ou Washington. Porém seus – até agora – 14 anos de mandato marcaram a Alemanha, resultando numa "era Merkel". Esta é a única chanceler federal que adolescentes do país conhecem.
Do ponto de vista econômico, foram bons anos, no geral, apesar de uma crise financeira passageira. De "criança-problema da Europa", como era vista ainda em 2005, a Alemanha voltou a se revelar uma locomotiva de crescimento.
De lá para cá, o desemprego reduziu-se à metade, as arrecadações de impostos aumentaram. O freio do endividamento aprovado em 2009 representou uma mudança de paradigma – bem-sucedida, pois os déficits se transformaram em superávits para o orçamento público.
O poder da chefe de governo tornou-se especialmente visível nos anos difíceis. Crise do euro, salvamento da Grécia, anexação da Crimeia pela Rússia: também devido aos entraves no nível europeu, ela interveio com toda força. A lista de visitantes à Chancelaria Federal tornou-se cada vez mais longa; a imprensa em Berlim espantava-se por a capital se transformar num foco da política de negociação.
Merkel se afirmou como gestora de crises: nem mais surpreendia o fato de ela ser proclamada quase regularmente a mulher mais poderosa do mundo. Os cidadãos da Alemanha a admiravam por isso, também no leste do país, onde ela cresceu. Apesar de tudo, a política protestante jamais assumiu ares de estrela.
Ela colocou o seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), num curso de modernização, fomentando as forças mais jovens e, sobretudo, as femininas. O quadro geral durante as convenções partidárias modificou-se. Merkel permaneceu a mesma de sempre, sua autenticidade rendia boas quotas de popularidade.
Em algum momento, muitos passaram a chamá-la simplesmente de "Mutti" (mamãe). A intenção era lisonjeira, mas também teve seu lado nocivo: de tanto se confiar na "mamãe", perdeu-se o ímpeto pelo embate democrático. E uma outra coisa se perdeu: a diversidade. Merkel alinhou seu partido e seu governo, a fim de garantir uma atuação sem atrito.
O apelido "Mutti" ganhou uma conotação negativa. A premiê impôs decisões como o fim do serviço militar obrigatório e da energia nuclear, os conservadores da CDU sentiram-se encurralados. Em retrospectiva, o politólogo Wolfgang Merkel (sem parentesco com a premiê) condenou recentemente o fato de o partido de centro-direita ter se tornado "só de centro", o que abriu o espaço para uma legenda mais à direita, a Alternativa para a Alemanha (AfD).
"Nós vamos conseguir"
Contudo, Merkel deverá entrar para os livros de história com outra imagem: sua frase "Nós vamos conseguir!", pronunciada em agosto de 2015, no auge da crise migratória. A Alemanha declarou-se disposta a acolher centenas de milhares de refugiados da Síria e de zonas de guerra e crise vizinhas. Embora mais tarde a líder alemã tenha tentado corrigir-se de várias formas, até hoje a população está dividida quanto à questão.
Essa polarização se alastrou no nível europeu. Os países do leste da União Europeia se opuseram aos planos alemães de distribuição de migrantes e refugiados dentro do bloco. Estabeleceu-se – e mantém-se – uma nova linha de conflito, que vai de Varsóvia a Roma, passando por Praga e Budapeste.
A nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, poderá fazer sarar algumas das fraturas. A democrata-cristã de 60 anos, pessoa de confiança de Merkel há vários anos, tem boa reputação internacional, também no Leste Europeu. Sua imagem é de negociadora dura e ambiciosa, mas também de jeito tranquilo e capaz de construir pontes.
Especula-se se desde o início Merkel queria Von der Leyen no cargo, ou se se tratou de uma decisão pragmática, por estar claro que nenhum dos candidatos vindos do Parlamento Europeu chegaria à chefia da Comissão. Se foi esse o caso, isso combina com o lema declarado pela própria líder, de sempre pensar os assuntos a partir do fim. O resultado a favor da nova presidente da Comissão Europeia acabou sendo apertado, mas maioria é maioria.
Próximos passos
Se Merkel fosse uma trabalhadora comum, tendo nascido em 1954 ela se aposentaria em 2020. Essa é a versão burocrática. Nos últimos dias, também diante de seus episódios de tremor, especula-se muito se ela deixará a política ou continuará até o fim da legislatura, em 2021. A coalizão de governo com o Partido Social-Democrata (SPD) é considerada frágil; o desempenho da CDU de Merkel nas enquetes é ruim – historicamente ruim, até.
Mas agora é verão, e , como todos os anos, a política conservadora começa suas férias, logo após seu aniversário, com uma visita ao Festival Wagner de Bayreuth. Ela também gosta de ir espairecer nas montanhas. Quando retornar, muitos olhos estarão sobre ela: era só uma questão de descanso e o tremor passou? Enquanto isso, outras questões da política alemã aguardam para ser discutidas.
De jovem cientista da Alemanha Oriental à primeira mulher a liderar uma das maiores potências do mundo: em 17 de julho, a chanceler federal completa 65 anos.
Foto: imago
Futuro brilhante
Quem diria que Angela Dorothea Kasner seria um dia a mulher mais poderosa do mundo? Dedicação, objetividade, discrição, pés no chão: são as qualidades que lhe transmitiu o lar protestante em Templin, no estado de Brandemburgo, na antiga Alemanha Oriental, embora ela tenha nascido em Hamburgo. O pai era pastor luterano, e a mãe ficava em casa, cuidando de "Angie" e de seus dois irmãos mais novos.
Foto: imago
Raízes polonesas
Os avós Greta e Ludwig Kazmierczak com o filho Horst, pai de Merkel. A família de origem polonesa mudou-se de Poznań (Posen, em alemão) para Berlim e, em 1930, trocou seu nome para Kasner. As raízes não alemãs da chanceler federal só foram divulgadas em 2013, causando um alvoroço temporário, sobretudo na Polônia. O sobrenome Merkel veio do primeiro marido, Ulrich Merkel, com quem se casou em 1977.
Foto: picture-alliance/dpa
Aluna aplicada
Esta foto foi tirada em 1973, num acampamento em Himmelfort, após Merkel concluir o curso secundário com uma média de 1,0 – nota máxima no sistema escolar alemão. Seus fortes eram russo e matemática. Durante a escola, foi filiada à associação juvenil socialista Juventude Alemã Livre (FDJ). Ela é a primeira chefe de governo da Alemanha crescida no regime comunista da Alemanha Oriental.
Foto: picture-alliance/dpa
Ciência em vez de rock 'n' roll
Na década de 70, Merkel estuda Física em Leipzig. Depois, trabalha no Instituto de Química da Academia de Ciências da República Democrática Alemã (RDA). Sua tese de doutorado é sobre reações de desintegração. Nesse período, conhece o primeiro marido. "Angela me chamou a atenção por ser amigável, aberta e natural", lembra Ulrich Merkel. Um dos prazeres dela é viajar – como nesta foto, em Praga.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio de Kohl
"Um dia, ela pegou suas coisas e se foi do quartinho em que vivíamos", conta o ex-marido. O banheiro era compartilhado com outros estudantes. "Ela levou a máquina de lavar, e eu fiquei com os móveis." Merkel passa a ser politicamente ativa, primeiro no movimento oposicionista Despertar Democrático, depois na União Democrata Cristã (CDU). Lá, conquista a confiança do chefe do partido, Helmut Kohl.
Foto: Reuters
Apesar dos ventos contrários
Merkel esforça-se para subir e, em 1990, torna-se deputada federal no Bundestag. O então premiê, Helmut Kohl, a nomeia ministra para Assuntos Femininos e Juvenis, embora a alemã-oriental não disponha de bons contatos na CDU e tenha pouca experiência. Quatro anos mais tarde, ela se torna ministra do Meio Ambiente, além de ser responsável pela segurança das usinas nucleares.
Foto: Reuters
Sem dó nem piedade
Em 1998, Merkel é nomeada secretária-geral da CDU, e, quatro anos depois, torna-se presidente do partido. No meio tempo, renegara publicamente seu padrinho político, Kohl, retirando-lhe todo apoio no contexto de um escândalo de doações partidárias. Em 2005, por fim, se elege chanceler federal, vencendo o social-democrata Gerhard Schröder. Sob a nova chefe, a CDU se torna um partido mais de centro.
Foto: Reuters
Motivos para rir
Merkel move-se sem problemas no mundo masculino da política. Encabeçando a locomotiva econômica europeia, ela dita o tom durante a crise financeira mundial e defende os interesses alemães. Críticos no país a acusam de excesso de manobras e estratégias e também carência de palavras claras – sobretudo quando o assunto é o escândalo de espionagem da NSA na Alemanha.
Foto: Reuters
Relação com Putin
Mesmo antes da crise da Crimeia, a relação entre Merkel e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não era tão amigável como a deste com o antigo chanceler federal Gerhard Schröder. Porém, Putin diz ter grande respeito por Merkel, e ambos conversam fluentemente tanto em alemão como em russo.
Foto: picture-alliance/AA/M. Gambarini
"Primeira dama"
Com a política mundial nas mãos de sua esposa, Joachim Sauer pode cumprir sem preocupações o papel de "primeira dama" da Alemanha. Merkel casou-se com seu segundo marido em 1989. Com fama de ser avesso às atenções públicas, Sauer é professor de Química e tem dois filhos do primeiro casamento.
Foto: Reuters/A. Gebert
Como a Casa Branca para os americanos...
... ou o Palácio do Eliseu para os franceses, assim está a residência no bairro berlinense de Mitte para o casal Merkel-Sauer. A chanceler federal não necessita de muita pompa. Os vizinhos a encontram regularmente no supermercado, pois ela não abre mão de fazer as compras, nem de cozinhar de vez em quando para o marido.
Foto: picture-alliance/dpa
Música erudita e futebol
Assim como na política, também no lazer ela parece atender a uma ampla gama de gostos, mostrando ser tanto amante da música erudita (sempre presente no Festival Wagner de Bayreuth), como do futebol. Na foto, Merkel com a seleção de Joachim Löw, campeã da Copa do Mundo de 2014.
Foto: Reuters
Crise dos refugiados
A abertura das fronteiras aos refugiados em 2015 foi uma medida que a chanceler federal alemã, Angela Merkel, bancou sozinha, politicamente. Não houve decisão da União Europeia, o Parlamento alemão não foi consultado, e muito menos a população do país.Isso lhe trouxe muitas críticas dentro do próprio partido e arranhou sua imagem junto à população.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Quebrando clichês
Uma mulher que cresceu na Alemanha Oriental, sem padrinhos políticos, que primeiro ascendeu à chefia do partido conservador e, depois, se tornou chanceler federal. E, desde então, já foi reeleita três vezes. Assim chega Merkel aos 65 anos. E a líder alemã já teve até uma peça de teatro dedicada a ela: "Mutti" (Mãezinha, como é apelidada no país), da autora Juli Zeh.
Foto: Reuters
Crises de tremor
Uma série de crises de tremedeira em público nas semanas anteriores fez com que Angela Merkel se decidisse a receber a premiê da Dinamarca sentada em 11 de julho último. Embora Merkel repetidamente tenha assegurado que goza da saúde necessária para continuar no cargo, desenvolveu-se na Alemanha um debate sobre a saúde da chefe de governo.