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Angola em meio a ares de mudança

23 de agosto de 2017

Eleitores escolhem sucessor do presidente José Eduardo dos Santos, que se manteve no poder por quase quatro décadas e criou um sistema de favorecimento, corrupção e repressão a críticos.

José Eduardo dos Santos vota em Luanda
José Eduardo dos Santos vota em Luanda. Ele vai deixar o poder, ao menos oficialmente, depois de 38 anos.Foto: Getty Images/AFP/M. Longari

O desejo de mudança predomina entre os 9,3 milhões de eleitores que, nesta quarta-feira (23/08), foram às urnas escolher o sucessor do autoritário presidente José Eduardo dos Santos, de 74 anos. Esse desejo é tão forte que nem o candidato da situação, o ministro da Defesa, João Lourenço, de 63 anos, consegue contorná-lo. Em seu slogan mais conhecido, ele promete "melhorar o que está bem e corrigir o que está mal".

Depois de 42 anos governado pelo mesmo partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), muita coisa está mal nesse país do sudoeste africano. Entre 2013 e 2016, a inflação disparou de 7,7% para 41,9% ao ano. O crescimento econômico caiu de 5,1% para 1,1%. A dívida pública subiu de 32,9% para 65,4% do Produto Interno Bruto (PIB).

Angola, o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, está em meio a uma forte crise por ter uma economia quase exclusivamente baseada na exportação da commodity. A produção média diária de 1,8 milhão de barris representa quase 70% dos investimentos estatais e 95% das exportações. A queda dos preços do petróleo em 2013 fez com que os investimentos do governo caíssem 60%.

Riqueza para poucos

Essa situação já seria, por si só, calamitosa, mas em Angola ela é agravada por quatro décadas de corrupção e nepotismo, práticas tão disseminadas que são abordadas até pelo próprio candidato do MPLA. Na sua campanha, Lourenço prometeu combater a corrupção endêmica e a má aplicação dos recursos públicos.

Muitos se perguntam quanto poder João Lourenço de fato terá se vencer a eleiçãoFoto: Getty Images/AFP/A. Rogerio

A riqueza obtida com a venda do petróleo vai parar nas mãos de uma pequena casta política em torno do presidente. A filha dele, Isabel dos Santos, é a chefe da petrolífera estatal Sonagol e apontada pela revista Forbes como a mulher mais rica da África, com um patrimônio de 3 bilhões de dólares. O filho, José Filomeno, comanda um fundo de investimento estatal de 5 bilhões de dólares.

No outro extremo, a maioria da população angolana vive com menos de 1 dólar por dia e não dispõe de serviços básicos, como água e esgoto. Cerca de 1 milhão de crianças está fora do sistema de ensino.

Segundo dados do Unicef, as taxas de mortalidade infantil e materna estão entre as mais elevadas do mundo: uma de cada cinco crianças morre antes de chegar aos 5 anos, e 640 mulheres morrem a cada 100 mil crianças que nascem no país. Malária, diarreia e infecções respiratórias estão entre as principais causas de morte infantil. Infecções e hipertensão matam mais de 80% das mulheres durante ou no pós-parto.

O império Odebrecht

A corrupção angolana também tem digitais brasileiras, como mostrou a Operação Lava Jato. Uma das principais empresas estrangeiras presentes no país africano é a construtora Odebrecht, que opera por lá desde os anos 1970. Um delator disse ter repassado 20 milhões de dólares a um ministro angolano, e várias personalidades da empresa, incluindo Emílio e Marcelo Odebrecht, relataram práticas ilícitas ligadas a interesses do grupo em Angola.

Além disso, Emílio Odebrecht relatou ter um canal direto com Santos, que também mantinha relações muito próximas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Marcelo Odebrecht disse ter pedido várias vezes a Lula para que utilizasse sua influência junto a Santos para favorecer a empresa.

Angola se tornou muito importante para a Odebrecht, que, graças a recursos do BNDES e relações íntimas com o poder angolano, chegou a ser a maior empregadora do país, com cerca de 30 mil funcionários no auge. Emílio Odebrecht relatou que Santos pediu para que a empresa brasileira ajudasse ex-generais do país africano a tornarem empresários.

Direitos humanos

A cidade mais cara do mundo

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O "reinado" de Santos também é marcado por inúmeras acusações de desrespeito aos direitos humanos e repressão de críticos e oposicionistas. A Anistia Internacional afirmou que o próximo presidente precisa tirar o país da "espiral de opressão que manchou" os 38 anos de governo de Santos, caraterizados por "repetidos ataques aos direitos de liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica".

"A presidência de José Eduardo dos Santos é marcada pelo seu terrível histórico de direitos humanos. Durante décadas, os angolanos viveram num clima de medo, em que falar com franqueza era combatido com intimidação, prisão e desaparecimento forçado", declarou a diretora regional da Anistia Internacional para o Sul da África, Deprose Muchena.

A organização não governamental sublinhou que, em Angola, criticar o presidente é considerado um crime contra a segurança do Estado, e muitos daqueles que se atreveram a denunciar o presidente e o governo – como manifestantes pacíficos, ativistas dos direitos humanos e jornalistas – foram postos na prisão por longos períodos ou desapareceram sem deixar rastro.

Pobreza predomina em Angola, onde maioria da população vive com menos de 1 dólar por diaFoto: picture-alliance/dpa/T.Schulze

Início de uma nova era?

Ao menos uma mudança está assegurada para os angolanos. Santos, que está no poder desde 1979, não concorre nesta eleição, aparentemente por problemas de saúde. Já o MPLA deve continuar no poder, segundo pesquisas eleitorais, mas provavelmente ficará abaixo dos 72% da eleição de 2012, obtidos em meio a denúncias de irregularidades.

A União Nacional para a Total Independência de Angola (Unita) e seu líder, Isaias Samakuva, seguem como principais adversários do MPLA, mas as chances de triunfo são pequenas. O terceiro candidato mais bem cotado é Abel Chivukuvuku, da Casa-CE, que atrai principalmente os mais jovens.

Mudanças no plano econômico e social deverão ser ainda mais difíceis do que no nível político. Afinal, o problema não está apenas na queda do preço do petróleo, mas sobretudo no modelo de distribuição de renda e na desigualdade de acesso aos recursos do país.

O novo presidente enfrentará a difícil tarefa de reanimar a economia. Se levá-la a sério, terá de reduzir a dependência das exportações de petróleo, diversificar a aumentar a produção doméstica, promover o emprego entre os jovens e lutar mesmo contra a corrupção e o nepotismo.

Depois de quase quatro décadas sob o mesmo partido, muitos angolanos se perguntam quanto poder o provável novo presidente, Lourenço, de fato terá. Santos, afinal, continuará na liderança do MPLA e tem imunidade judicial garantida por causa de uma mudança na lei. Ele possivelmente terá a palavra final sobre muitos assuntos. O que dá uma ideia do que pode significar a "mudança" em Angola.

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