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Antes de tomar posse, Bolsonaro já gera atritos no exterior

Thiago Resende
7 de novembro de 2018

As poucas posições sinalizadas até aqui pelo presidente eleito põem em xeque pilares da política externa e geram preocupação entre aliados de décadas. Em Brasília, já há pedidos por moderação e sinais de recuo.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, ainda não definiu seu chanceler
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, ainda não definiu seu chanceler Foto: Reuters/A. Machado

Ainda sem uma linha clara e sem um chanceler definido, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe já geraram pontos de atrito em questões-chave da política externa, colocando em xeque alguns dos pilares de décadas da diplomacia brasileira.

Declarações contra a China, maior parceiro comercial do Brasil; o aceno a Israel, que irrita países árabes; e o desprezo pelo Mercosul são, até agora, as principais diretrizes tornadas públicas por Bolsonaro nas relações exteriores.

"Se Bolsonaro não superar o discurso eleitoral, o Brasil vai perder muito. Ele ainda não parou para refletir, devidamente assessorado, sobre temas tão sensíveis da política externa. O Itamaraty estabiliza e dá continuidade à política externa. Mas isso pode não funcionar quando presidentes têm bases ideológicas tão fortes", analisa o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Pio Penna Filho.

Para o professor de relações internacionais da PUC-Rio, Kai Michael Kenkel, o capitão reformado indicou, até agora, uma mudança de postura abrupta em relação à tradicional política externa do país. "O estilo diplomático do Brasil é ponderado. O estilo expressado por Bolsonaro é outro. Durante a campanha eleitoral, ele falou muita coisa e isso ficou sem consequência. Mas agora é diferente", avalia.

Bolsonaro ainda não indicou quem será o ministro das Relações Exteriores de seu governo. As rusgas com outros países foram provocadas por atitudes e falas do presidente eleito ou de assessores. Diante de críticas, ele está sendo aconselhado a moderar o discurso e já deu sinais de que pode voltar atrás.

A avaliação, mesmo entre aliados do presidente eleito, é de que as exportações brasileiras, que devem ser incentivadas diante do cenário de crise econômica, poderiam perder mercados internacionais se houver equívocos na condução da política externa.

Ao afirmar, por exemplo, que pretende reconhecer Jerusalém como a capital do Estado de Israel, o presidente eleito comprou briga com países árabes que, juntos, são o segundo principal destino das carnes bovinas e de frango do Brasil.

De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, a decisão de Bolsonaro pode gerar retaliações, reduzindo significativamente as vendas de proteína animal para países árabes. Esses países também compram muito minério de ferro, açúcar e autopeças brasileiras.

"Pelo lado dos investimentos, a imagem do Brasil como um bom ambiente para negócios pode ficar arranhada frente aos países árabes, distanciando daqui os fundos soberanos da região", declarou a câmara, responsável por estimular as relações entre o Brasil e a Liga Árabe, formada por 22 países, entre eles a Arábia Saudita, o Egito e os Emirados Árabes.

A líder da bancada ruralista no Congresso, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) disse que vai conversar com a equipe de Bolsonaro para expor a preocupação do agronegócio. "Esse assunto preocupa. O Brasil é um grande exportador de carnes bovinas e de aves. Haveria um impacto ruim caso esses países decidam retaliar o nosso país", declarou à DW.

Constantes ataques e críticas de Bolsonaro ao volume dos investimentos da China no Brasil também geraram desconforto nas relações sino-brasileiras. Ainda pré-candidato à Presidência da República, ele visitou, em março, a ilha de Taiwan, considerada rebelde por Pequim, mas não passou pela China.

A potência asiática é o principal destino das exportações brasileiras – especialmente grãos, petróleo e minério de ferro – e empresas chinesas são responsáveis pelo bom desempenho na atração de capital externo.

A China afirmou, em editorial publicado na imprensa estatal na semana passada, que Bolsonaro foi "menos que amigável" em relação a Pequim durante a campanha eleitoral. Dias depois, o presidente eleito, então, se reuniu com o embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang, para controlar a situação.

"Há uma falta de nexo entre a retórica de Bolsonaro contra o comunismo e a realidade econômica", opina Kenkel.

O plano do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, reúne diversos projetos de privatizações, concessões e leilões, principalmente na área de infraestrutura, e que precisam despertar o interesse de empresas estrangeiras.

Relatório divulgado pela ONU este ano mostra que, na contramão da tendência mundial, o Brasil tem atraído mais investimentos estrangeiros diretos (aqueles de prazo mais longo), alcançando a quarta posição no ranking mundial.

"O novo governo ainda está se formando, mas estão agindo muito como amadores. A imagem do Brasil vai ficar ruim no exterior, inclusive com países amigos tradicionais. A China é profissional quando o assunto é política externa. Bolsonaro não deve desmontar o que demoramos anos para construir em política externa. Ele deveria expandir o número de parceiros", comenta Penna Filho.

Bolsonaro e Guedes também têm colocado o Mercosul em segundo plano – rompendo com uma tradição brasileira estratégica. A primeira viagem internacional está programada para o Chile, e não para a Argentina, como fizeram os últimos presidentes brasileiros.

Abalar as relações de um bloco econômico que já não é muito harmonioso, segundo o professor da UnB, não é recomendado. E isso pode até atrapalhar as negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que já se estendem por quase 20 anos e que parecem, enfim, estar novamente avançando.

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