Teatro
15 de junho de 2009Cinco anos após sua fundação, o Berliner Ensemble mudava-se para o Theater am Schiffbauerdamm, em Berlim, onde continua instalado até hoje. Embora, de resto, quase tudo tenha mudado na trajetória da companhia desde então.
Os anos que sucederam a reunificação da Alemanha foram dominados por disputas pela propriedade e administração da companhia. Em 1999, o Berliner Ensemble chegou a ficar fechado por um ano. Em 2000, Claus Peymann, do renomado Burgtheater de Viena e considerado no cenário teatral um "espírito livre", foi indicado como diretor.
Nada de mausoléu
Durante sua trajetória, Peymann causou uma série de controvérsias com um tipo de produção que recebeu mais indignação que elogios. Como força-motriz do Berliner Ensemble, ele conseguiu manter a companhia como um pólo de vanguarda do teatro inovador, bem ao espírito de Brecht.
Os críticos da companhia dizem, porém, que o Berliner Ensemble é algo que lembra um mausoléu. As peças de Brecht continuam sendo a base do repertório, embora Peymann dê outro tempero ao programa do teatro com clássicos que vão de Samuel Beckett a August Strindberg e Heinrich von Kleist.
O Berliner Ensemble costuma eliminar qualquer sinal de que o teatro poderia estar se empoeirando ao trazer ao palco produções que atraem a atenção da opinião pública, como foi o caso da peça francesa Le dieu du carnage, de Yasmina Reza, ou The Sonnets, de Robert Wilson, um dos espetáculos mais comentados este ano em Berlim. Outro fator que contribuiu para "desempoeirar" o teatro foi a participação do cantor e compositor Rufus Wainwright.
Em abril último, Peymann afirmou ao diário Die Welt que, de forma geral, nos últimos oito anos, 20% dos espetáculos apresentados no Berliner Ensemble foram estreias. Segundo ele, trabalhos contemporâneos perfazem 58% do programa do teatro. Mesmo assim, as peças mais frequentadas continuam sendo de teatro épico. Entre as mais concorridas estão A Ópera dos Três Vinténs, A Resistível Ascensão de Arturo Ui e Mãe Coragem e Seus Filhos.
A maior peça antibélica de todos os tempos
Escrita por Bertolt Brecht em 1939 como uma tentativa de combater a ascensão do fascismo e do nazismo, Mãe Coragem e Seus Filhos conta a história de uma mulher que tenta manter sua vida profissional e familiar durante a Guerra dos Trinta Anos na Europa. Até hoje, é considerada uma das peças mais antibélicas de todos os tempos.
Muitos dos atores de teatro mais respeitados da Alemanha foram ou são membros do Berliner Ensemble, entre estes Carmen-Maja Antoni, que interpreta o papel da protagonista na atual produção de Mãe Coragem da companhia.
Atriz que apareceu pela primeira vez, aos 11 anos, numa produção para a TV na então Alemanha Oriental, ela se ligou ao Berliner Ensemble em 1976. Um de seus primeiros papéis foi o de Kattrin, a filha muda da Mãe Coragem. Na produção atual, o personagem Kattrin é interpretado pela atriz Christina Drechsler, de 28 anos.
Embora as atrizes venham interpretando a mesma peça por mais de três anos, elas afirmam que há sempre algo novo a ser descoberto. "Todo dia surgem novas dificuldades e temos ideias novas sobre as cenas. A cada noite interpretamos uma nova peça", diz Antoni.
"As estruturas das cenas são as mesmas, mas nossas sensações mudam no decorrer dos anos", concorda Drechsler. Antoni comenta que cada diretor tem um estilo diferente e uma abordagem pessoal de Brecht, o que representa um desafio para seu trabalho como atriz, sendo também o que desafia a plateia.
A dramaturga Jutta Ferbers, que trabalha no Berliner Ensemble, concorda que o que move as pessoas a irem ao teatro é uma combinação inspirada de diretores, atores e cenógrafos.
Ferbers tem uma resposta na ponta da língua a todos aqueles que dizem que Brecht se tornou obsoleto depois da queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo no Leste Europeu: "Brecht é realmente um dos maiores escritores, que continua sendo muito importante. Suas peças são bem construídas e ainda relevantes hoje. Elas não são história, mas continuam vivas".
Ferbers está convencida de que o Berliner Ensemble tem futuro, apesar das ameaças constantes de redução no número de produções ou fechamento. "Espero que mesmo nesses tempos difíceis tenhamos verbas suficientes e público suficiente para continuar fazendo um bom teatro", diz a atriz.
Peymann, o provocador
Principalmente graças a seu diretor artístico – que se habituou a alfinetar o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, pelos cortes nos subsídios para arte e cultura – o Berliner Ensemble continua, na realidade, em boa forma do ponto de vista financeiro. Mesmo considerando que não se trata, certamente, de um teatro de baixo custo.
Tradicionalmente uma companhia itinerante, o Berliner Ensemble levou Mãe Coragem ao Festival de Teatro Fadj de Teerã em 2008. A viagem foi controversa, com críticos dizendo que a decisão de Peymann de visitar o Irã estaria legitimando o antissemitismo do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad.
Meses depois, Peymann voltou às manchetes dos jornais ao oferecer um estágio a um ex-terrorista da RAF. Depois de ter passado 26 anos atrás das grades, Christian Klar – um dos líderes da segunda geração da Fração do Exército Vermelho – foi convidado a receber um treinamento para a profissão de técnico de palco no Berliner Ensemble.
Bertolt Brecht certamente teria aprovado o convite. Isso mostra que Claus Peymann, 60 anos após a fundação da companhia, continua conseguindo desafiar a sociedade com a mesma verve que seu fundador.
Autoras: Cheryl Norhtey / Jane Paulick
Revisão: Alexandre Schossler