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Literatura

"Após 75 anos, mistério de 'O Pequeno Príncipe' permanece"

Bettina Baumann ip
6 de abril de 2018

Com obra publicada pela primeira vez em 1943, Antoine de Saint-Exupéry buscou refúgio num mundo de fantasia. Narrativa é vista por muitos como um apelo à humanidade e à amizade, diz biógrafo em entrevista.

Capas do livro "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, em diferentes idiomas
Capas do livro "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, em diferentes idiomasFoto: Eurolizenzen

O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry observa o mundo com os olhos de uma criança e formula suas percepções com as palavras de um homem sábio. "Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos" ou "Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante" são apenas duas das muitas frases célebres do simpático garoto do asteroide B612.

Em seu fabuloso O Pequeno Príncipe, publicado pela primeira vez em Nova York em 6 de abril de 1943, em inglês e francês, Saint-Exupéry lida com questões essenciais de seu tempo – e que, 75 anos depois, soam mais atuais do que nunca: a perda de valores na sociedade moderna, o progresso tecnológico, consumo, mas, acima de tudo, amizade e amor.

O Pequeno Príncipe é considerado o momento em que Saint-Exupéry projeta seu ideal de um mundo humanista, e com o qual o autor e piloto finalmente consolidou sua fama mundial.

Em entrevista, Joseph Hanimann, autor da biografia Antoine de Saint-Exupéry – Der melancholische Weltenbummler (Antoine de Saint-Exupéry – O melancólico viajante), falou à DW sobre o homem por trás do best-seller mundial, assim como sobre o segredo por trás do sucesso da obra.

DW: Há exatos 75 anos, O Pequeno Príncipe chegava às livrarias. O senhor ainda se lembra do que sentiu quando leu o livro pela primeira vez?

Joseph Hanimann: Eu li O Pequeno Príncipe pela primeira vez quando criança. E tenho que confessar que não o entendi muito bem naquela época. Achei um pouco enigmático. E o enigma, na verdade, permaneceu. Talvez seja por isso que o livro funciona tão bem.

DW: Em tese, O Pequeno Príncipe é um livro infantil. Mas seu sentido não é tão simples de captar. Será que, na verdade, Antoine de Saint-Exupéry escreveu um livro para adultos?

Joseph Hanimann: Ele é o que se costuma dizer: um livro infantil para pessoas de sete a 77 anos – ou, nos dias de hoje, quem sabe até uns 20 a mais. Um livro infantil para a criança que vive dentro de nós.

Joseph Hanimann, biógrafo de Antoine de Saint-ExupéryFoto: picture-alliance/SvenSimon/A. Waelischmiller

DW: Hoje, O Pequeno Príncipe é um dos livros mais lidos de todos os tempos. Foi traduzido para várias centenas de idiomas e dialetos. Qual o segredo do sucesso da obra?

Joseph Hanimann: Todo o personagem do pequeno príncipe, assim como os papéis da raposa e da cobra, tudo isso tem algo de misterioso. Algo que se encaixa em todos os contextos e épocas possíveis. A narrativa pode ser interpretada de forma extremamente versátil: pode-se entender O Pequeno Príncipe como um conto de fadas ecológico, como tem acontecido nos últimos anos – com o pequeno príncipe que mantém o planeta limpo ao revolver bem seus vulcões – ou pode-se entendê-lo como uma espécie de conto de fadas de ficção científica, isto é, com todo o otimismo ou pessimismo em relação ao futuro. E o que também torna o livro especial: trata-se, basicamente, do primeiro conto de fadas interplanetário e futurista.

DW: Antoine de Saint-Exupéry não era apenas escritor, mas também piloto. Duas atividades que, à primeira vista, não têm nada a ver uma com a outra. Mas em sua biografia de Saint-Exupéry, o senhor escreve: "Ele era um através do outro." O que o senhor quis dizer?

Joseph Hanimann: Saint-Exupéry tinha uma imaginação transbordante que sempre ardia junto com ele. Toda a sua vida foi um grande, fascinante e simpaticíssimo caos. Paralelamente, ele demonstrava entusiasmo pela tecnologia.

A imaginação se revelou cedo por meio de peças de teatro produzidas por ele, pequenos textos que ele escreveu já quando criança. E, por outro lado, foi através da tecnologia que ele manteve a disciplina – é claro que inconscientemente. No fundo, ele jamais conseguiu, em toda sua vida, realmente decidir o que deveria fazer, ou o que provavelmente não queria fazer de jeito nenhum.

Aviação e escrita: duas atividades indissociáveis para Saint-ExupéryFoto: ullstein bild

Apenas escrever, sem colocar a mão no manche e sentir na pele a aventura, isso teria sido muito abstrato. E apenas se sentar na cabine e sentir na pele a aventura, mas sem que isso fosse editado pela imaginação, era inconcebível para ele. As aventuras precisavam ser contadas, e a narrativa tinha de ser concretizada através de situações espinhosas. Isso foi praticamente uma cadeia dupla através da qual ele conduziu toda a sua vida. 

DW: É possível dizer, concretamente, quanto do aviador Saint-Exupéry se reflete no Pequeno Príncipe? Quão autobiográfica é a obra?

Joseph Hanimann: Teve, é claro, o famoso acidente de avião que ele sofreu entre a Líbia e o Egito na década de 1930. Saint-Exupéry e seu mecânico sobreviveram vários dias no deserto. Mas não havia muitas coisas às quais ele não sobrevivesse.

Em seu livro, o súbito aparecimento do pequeno príncipe no deserto tem uma relação concreta com isso. Afinal, pode-se imaginar que a sede crescente provoca delírios. E foi através dessa experiência que ele criou os moldes de toda a história, para a cenografia literária.

Aquarela de Saint-Exupéry em exposição em Nova York em 2014Foto: picture-alliance/abaca/D. Van Tine

DW: Quando O Pequeno Príncipe foi publicado pela primeira vez em Nova York, em 1943, a Segunda Guerra Mundial ainda não havia terminado. Como a narrativa foi lida e interpretada naquele tempo?

Joseph Hanimann: Saint-Exupéry sofreu enormemente durante os dois anos em que esteve nos EUA. Por um lado, porque tinha a consciência pesada – seus parentes, incluindo a mãe, haviam ficado na França – e segundo, porque ele estava entre os dois lados. Durante todo o tempo nos Estados Unidos, ele se recusou a criticar publicamente a colaboração francesa [com o regime nazista], algo de que foi acusado por outros franceses exilados. Isso foi tão longe a ponto de gerar suspeitas de que ele fosse um simpatizante do regime de Vichy. Mas não daria para se dizer isso.

Ele estava profundamente infeliz. E O Pequeno Príncipe foi uma maneira de escapar para um mundo de fantasia. Esse é um reflexo que ele sempre teve. Eu também diria que O Pequeno Príncipe foi uma tentativa de transcender a dimensão política banal, que sempre o entediou e com a qual ele nunca lidou muito bem, e de dizer que há coisas muito mais importantes, como a humanidade. A humanidade é uma categoria apolítica e ele a elevou através do Pequeno Príncipe.

DW: Seria a narrativa dele relevante ainda hoje por causa disso?

Joseph Hanimann: Hoje, talvez possa se extrair do livro a questão do significado do ser como um todo. Do ser do mundo, do universo, da nossa vida, da nossa existência – sem recorrer a religiões constituídas, ou seja, uma transcendência sem Deus. O Pequeno Príncipe passa por uma constante autorregeneração, mostrando assim sempre novos horizontes interpretativos.

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