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Após expulsarem latifundiários, ribeirinhos dão exemplo de sustentabilidade

1 de junho de 2012

Gurupá é uma das regiões no Brasil onde o direito de uso e de acesso à terra e aos recursos naturais pelas comunidades locais foi mais bem resolvido. A floresta é explorada, mas 96% da mata seguem intactos.

Foto: DW

O índice de prosperidade tem indicadores próprios na Ilha das Cinzas. E ele é considerado alto pelos moradores: as 60 famílias têm um barco cada uma, as casas foram recentemente equipadas com televisão e parabólicas, não falta diesel para abastecer o gerador de energia elétrica, todos usam coletivamente computadores conectados na internet via satélite.

A comunidade é cravada na floresta, rodeada pela águas do rio Amazonas, no oeste do estado do Pará, e fica a quatro horas de barco da cidade mais próxima.

A melhoria de vida no local é recente. A situação começou a mudar quando os moradores se uniram para acabar com o domínio dos latifundiários, no início de 2000, e passaram de posseiros informais a donos legais da terra onde sempre viveram. A tranquilidade trazida pelo direito de posse ajudou a acabar com a miséria.

"Antes, todos aqui eram muito pobres. Mas agora todo mundo conseguiu muita coisa. Nós nos unimos e colocamos o conhecimento em prática", conta Manuel Malheiros de Oliveira, presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas.

O município de Gurupá, do qual a ilha faz parte, é uma das regiões no Brasil onde o direito de uso, de acesso à terra e aos recursos naturais pelas comunidades locais foi mais bem equacionado. Por iniciativa dos moradores, 99% do território do município estão atualmente em processo de regularização. O controle das florestas pela população local também é modelo de preservação – 96% da mata do município continuam intactos.

A expulsão do latifundiário ilegal

A figura do "patrão" fez parte da história da região até há pouco. Ele se dizia dono de grandes faixas de terra, exigia que fosse o único comprador da produção dos posseiros que ocupavam sua propriedade. O patrão cobrava ainda desses moradores 5% de "taxa de uso do solo". Esse modelo se perpetuou por décadas, até que um levantamento fundiário feito com apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais mostrou que a maioria das escrituras desses latifundiários não tinha validade.

"A extensão de terra declarada em escrituras era quase duas vezes maior do que o tamanho do município. Havia muito documento falso", conta Manuel Pantoja da Costa, o Bira, presidente do Instituto Gurupá, que apoia e capacita a comunidade local. Como a região está localizada numa área de marinha (região de interesse da União) a posse do território tem que ser autorizada pelo governo federal. E muitos latifundiários que exploravam a floresta o faziam na ilegalidade, com documentos forjados.

Conscientes da situação, as comunidades tradicionais iniciaram a briga para assumir o controle. Aos poucos, o governo foi concedendo a posse aos donos de direito, a associações, como a da Ilha das Cinzas, criando reservas sustentáveis, agroextrativistas e quilombolas.

"Fizemos um trabalho de capacitação ao longo de dez anos junto aos moradores. Nós trouxemos informação sobre leis, sobre os direitos que tinham e eles brigaram pelo resto", lembra Jorge Pinto, engenheiro agrônomo que na época atuava na ong Fase.

Como consequência do processo de transferência da posse às comunidades locais, uma das madeireiras mais tradicionais da região, a Brumasa, se viu obrigada a fechar as portas. A empresa, que até então controlava os posseiros, foi asfixiada pelos custos de uma cadeia de produção legal.

Foto: Nádia Pontes

Antes de o governo aparecer

As 60 famílias da Ilha das Cinzas receberam do governo a concessão de direito real de uso como Projeto de Assentamento Agroextrativista só em 2006, quatro anos após encaminharem o pedido. O acordo comunitário para a exploração sustentável da floresta, por outro lado, já havia sido traçado em 1997.

Foi quando os moradores criaram o Plano de Uso, um pacto coletivo que diz o que e onde pode ser feito. A pesca do camarão foi a primeira a passar por adequações: cada família, que antes usava até 200 armadilhas (matapi), passou a usar 75 no máximo. "Foi o nosso acordo de pesca. Depois disso, o preço do camarão melhorou e as horas de trabalho diminuíram", diz Francisco Barbosa Malheiros, membro da associação.

Com o tempo extra, os ribeirinhos passaram a explorar outras atividades, como o manejo do açaí, hoje a principal fonte de renda da comunidade. De lá para cá, o ganho das famílias dobrou – passou de 1 para 2,5 salários mínimos.

"Toda a parte de desenvolvimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida tem sido feita junto com o manejo da floresta. Eles optaram pela sustentabilidade e pela preservação. E fizeram isso antes da presença do governo", lembra Luís Carlos Joels, consultor e ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro.

Também as casas rodeadas pela floresta amazônica têm televisão, máquina de lavar e celular. Mas a energia elétrica ainda é artigo de luxo. Como não são conectados à rede distribuidora pública, os moradores gastam 300 reais por mês por três horas de eletricidade por dia, das sete às dez da noite. A despesa alta se deve ao preço do diesel que abastece o gerador.

Ainda assim, ninguém ali troca a Ilha das Cinzas pelo ambiente urbano. "Na cidade, você precisa de dinheiro para sobreviver. Aqui é diferente: trabalhando e fazendo o manejo da floresta você tem sempre o que comer, sem precisar gastar. Só é preciso saber trabalhar com a natureza, sem destruir", justifica seu apego ao lugar Manuel Malheiros de Oliveira.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer

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