Especialistas dizem que empreiteira não terá dificuldades para pagar multa de bilhões de dólares, que tem caráter educativo para outras empresas, e poderá tirar algumas lições da "compliance" adotada pela Siemens.
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A construtora Odebrecht e sua filial petroquímica, Braskem, vão pagar ao menos 3,5 bilhões de dólares no Brasil, Estados Unidos e Suíça em troca da suspensão de ações contra as empresas. Os valores a serem quitados pelas duas empresas tornam esse o maior acordo feito em um caso de suborno internacional, em termos monetários, da história, segundo as autoridades americanas.
Apesar do alto valor, a Odebrecht não deverá ter grandes dificuldades para pagar a multa. "Esses acordos não são feitos para quebrar as empresas, mas têm um caráter educativo para outras corporações. O maior impacto é o dano na imagem e reputação", afirma Ana Paula Candeloro, professora de governança corporativa e compliance do Insper.
O valor a ser pago pelo Grupo Odebrecht – que atua no Brasil e em mais 25 países, tem 128 mil funcionários e teve faturamento de 132 bilhões de reais e lucro líquido de 890 milhões de reais em 2015 – é mais que o dobro do acerto fechado entre a multinacional alemã Siemens e autoridades americanas e europeias em 2008. Na época, a gigante alemã aceitou pagar 1,6 bilhão de dólares com o objetivo de evitar processos por suborno de agentes públicos em troca de favorecimento em contratos.
Especialistas dizem que a Odebrecht tem muito a aprender com a Siemens, que criou, após o escândalo, um programa de compliance que hoje é referência no mundo, e que a empreiteira brasileira terá que repensar seu modelo de negócios para sair da crise institucional.
"Esses acordos são feitos levando em conta a realidade financeira da empresa. Mas a Odebrecht terá que se reinventar e vender ativos para ficar mais enxuta e sairá menor do que quando entrou na lista de investigadas pela Operação Lava Jato", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). "Aliás, não só a Odebrecht, mas também a Petrobras e outras empreiteiras investigadas na operação."
De acordo com um comunicado da empresa, "o pagamento da multa será viabilizado por meio de uma combinação de vendas de ativos já planejadas anteriormente e de geração de caixa das operações continuadas". A empresa terá ainda um prazo de 23 anos para quitar o valor, e as parcelas serão reajustadas pela taxa de juros Selic.
O grupo empresarial afirma também que, ao calcular a multa, as autoridades levaram em consideração a plena cooperação com as investigações e as amplas medidas de remediação adotadas pela Odebrecht para corrigir eventuais falhas de conformidade.
Compliance da Siemens é referência mundial
Depois de ser protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção corporativa em 2006 e que levou ao afastamento de praticamente toda a diretoria da empresa no início de 2007, a Siemens virou referência para outras empresas em compliance – conjunto de práticas que visam a garantir a conformidade dos atos da empresa a leis, políticas e diretrizes.
A filial brasileira da empresa denunciou em 2013 ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a formação de cartel, com participação da própria multinacional alemã, para fraudar as licitações para a compra de equipamentos ferroviários, além da construção e manutenção de linhas de trem e de metrô em São Paulo e Brasília.
De acordo com a empresa, o sistema de compliance é dividido em três pilares – prevenir, detectar e responder – que são base de um sistema abrangente de atividades que garantem que os negócios estão totalmente em conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como com os princípios e regras internas. "Nós temos tolerância zero para corrupção e violação dos princípios da concorrência legal", diz o site da multinacional.
Depois da série de escândalos em que se viu envolvida, a Odebrecht lançou neste ano uma política sobre conformidade que, segundo a empresa, é baseada nas melhores práticas mundiais para orientar o comportamento e as relações internas e externas dos funcionários, independentemente do nível hierárquico.
"A Odebrecht tem muito a aprender com a Siemens, e já está fazendo isso: fez uma reestruturação interna e um programa de compliance alinhado com diretrizes internacionais", diz Candeloro. "Esse é um momento de aprendizado, no qual as empresas se reinventam, pois veem que perderam valor monetário e reputação. E, depois, percebem que recuperar a confiança de investidores e do mercado é um processo demorado."
Entre as medidas tomadas ao longo de 2016, a empreiteira ampliou o número de conselheiros independentes para promover a diversidade e reforçar a transparência. Além disso, lançou um sistema de conformidade composto por dez medidas integradas de prevenção, detecção e remediação de riscos de não conformidade e, ainda, uma espécie de disque-denúncia anticorrupção.
"Agora, o grande desafio da empresa será a questão do controle e monitoramento. Não adianta ter as regras só no papel. Se não houver a mudança de mentalidade em todas as hierarquias, não adianta", opina Candeloro. "E o processo de comunicação é muito importante, porque o funcionário tem que estar convencido e engajado na causa, e não pode se sentir ameaçado – com a perda de seu emprego – se ele fizer a coisa certa."
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.