Após Nice, política francesa em clima de campanha eleitoral
17 de julho de 2016Antes mesmo de concluído o período de luto após o atentado que matou 84 na cidade de Nice, uma briga de lama política já se alastra pela política da França.
"A resposta ao 'Estado Islâmico' não pode ser a 'trumpização' dos espíritos", advertiu o primeiro-ministro Manuel Valls em entrevista ao Journal du Dimanche. Com isso ele aludia, por um lado ao pré-candidato à Casa Branca Donald Trump e suas simplistas palavras de ordem xenófobas e anti-islâmicas; por outro, às duras ofensivas da oposição, que responsabiliza o governo pelo massacre.
Já no dia seguinte ao atentado, numa irada polêmica pelo Twitter, o ex-prefeito de Nice e atual presidente da região de Provença-Alpes-Côte d'Azur, Christian Estrosi, atacou o presidente François Hollande pela pane de segurança no Boulevard des Anglais, tachando o governo federal de "incapaz". "É o mesmo governo que deixa que se abram em nosso território locais de culto financiados pelos fundos sauditas", reforçou o membro do partido Os Republicanos.
Valls rebateu à altura: "Se Estrosi tivesse a menor dúvida [quanto à segurança], ele poderia ter cancelado os fogos de artifício. Há uma grande diferença entre a dignidade de Anne Hidalgo [prefeita de Paris] após os atentados em janeiro e em novembro, e a atitude de Christian Estrosi."
Fato é que, ao contrário dos dias seguintes aos ataques de 2015 na capital, quando a classe política nacional se uniu em solidariedade, desta vez não há período de misericórdia. São claros os sinais de que já começou a campanha para as eleições presidenciais de maio de 2017 na França.
Fazer todo o possível basta?
Pela segunda vez desde o atentado do 14 de Julho, Hollande se encontra nesta segunda-feira (18/07) com seu gabinete de segurança. Mais uma vez, o assunto é: o que o governo ainda pode fazer pela segurança.
O estado de exceção será prorrogado em mais três meses. O ministro do Interior Bernard Cazeneuve convocou voluntários para reforçarem a reserva operacional, que atualmente conta com 12 mil homens: após meses de jornadas extras – por último durante a Euro 2016 – essas unidades de segurança estão esgotadas.
O presidente igualmente prometeu colocar nas ruas mais 10 mil policiais e soldados, a fim de fortalecer a vigilância dos locais e eventos públicos. Estes, no entanto, precisam primeiro ser recrutados.
Especialistas em segurança criticam como meramente "cosméticas" as medidas para tranquilizar a população, pois os serviços secretos seguem sem uma visão aprofundada da vida interna da clandestinidade radicalizada em determinadas comunidades muçulmanas. Isso, mesmo considerando que é praticamente impossível prever e impedir ataques do tipo "lobo solitário", como em Nice, ainda que inspirados pela propaganda do "Estado Islâmico" (EI).
O possível candidato conservador à presidência Alain Juppé, por sua vez, acredita que teria sido possível evitar o atentado: "Não quero polemizar contra ninguém [...] mas precisamos fazer mais e melhor, mesmo que jamais vá haver nível zero de risco."
Frente Nacional exulta
Marine Le Pen, líder da legenda radical de direita Frente Nacional (FN), deixou de lado toda reserva. Ela exige novos controles de fronteira e suspensão da imigração. E investe: a culpa não é só do presidente Hollande, mas já de seu antecessor, o conservador Nicolas Sarkozy, e da política de imigração equivocada de ambos. Segundo ela, a nação pode ter capacidade de integrar indivíduos, mas não povos inteiros.
Desse modo, a ultradireitista instiga seus seguidores à confrontação aberta com os muçulmanos franceses. Até então, provocar um cisma nacional dessa ordem era tabu na política francesa. Patrick Calvar, diretor geral do serviço de segurança interior DGSI declarou temer que a França esteja à beira de "uma guerra civil entre radicais de direita e extremistas islâmicos".
Le Pen insta até mesmo o ministro do Interior Cazeneuve a renunciar. "Em qualquer outro país do mundo, com perdas tão terríveis – 250 mortos em 18 meses – um ministro se demitiria", argumenta, somando as vítimas de todos os atentados desde janeiro de 2015.
Desde já, nas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais, a radical de direita está à frente de qualquer candidato do Partido Socialista, especialmente se ele for François Hollande. A participação de Marine Le Pen no primeiro turno já parece assegurada, embora, segundo as enquetes atuais, os conservadores sairiam vitoriosos do segundo turno. Mas ainda não foi computado se e até que ponto o massacre de Nice fortaleceu a FN.
Serviços de segurança são calcanhar de Aquiles
Ainda no princípio de julho, uma comissão parlamentar de inquérito para os atentados de novembro de 2015 em Paris constatara que os serviços de segurança franceses estavam aquém de sua tarefa e fracassaram. Seria necessário aglutinar os seis serviços existentes em um único órgão antiterror, a exemplo dos Estados Unidos, recomendou-se.
Imediatamente após o massacre de Nice, políticos conservadores acusaram o governo de ter negligenciado a necessidade dessa reforma. O ministro Cazeneuve replicou imediatamente que tais mudanças eram desnecessárias. Mas parece inegável que a carência de informações secretas e a má cooperação entre os diferentes serviços é o principal flanco exposto no plano de segurança de Hollande.
Assim como em outros setores da política, também aqui o socialista se mostrou indeciso, sem coragem para encarar uma reforma abrangente. Agora ele não tem como se defender das investidas da direita. Uma pesquisa do jornal conservador Le Figaro revelou que 67% dos franceses não confiam que o governo seja capaz de garantir a segurança deles. Até as eleições de maio próximo, Hollande dificilmente terá tempo de alterar esse estado de coisas.