Após reunir-se com Putin, Schröder opina sobre gás e guerra
3 de agosto de 2022O ex-chanceler federal Gerhard Schröder, que governou a Alemanha de 1998 a 2005, confirmou ter se reunido novamente com o presidente russo, Vladimir Putin, no final de julho, e deu uma entrevista trazendo recados de Moscou sobre temas como fornecimento de gás à Europa e guerra na Ucrânia.
Entre eles, um pedido para que o gasoduto Nord Stream 2 seja ativado e a sugestão de que a Rússia estaria aberta para negociar um cessar-fogo na Ucrânia, caso os dois lados envolvidos no conflito fizessem concessões.
Amigo pessoal de Putin, Schröder exerceu cargos de direção em estatais russas do setor energético após deixar o governo e caiu em desgraça na Alemanha por se recusar a condenar o presidente russo pela guerra e hesitar em cortar suas ligações com empresas ligadas ao Kremlin.
Seu Partido Social-Democrata (SPD), o mesmo do atual chanceler federal alemão, Olaf Scholz, abriu um processo de expulsão de Schröder. Em maio, o Bundestag (câmara baixa do Parlamento) também decidiu cortar alguns benefícios que ele tinha como ex-chanceler.
Schröder já havia viajado a Moscou em março, logo após a invasão russa da Ucrânia. Na semana passada, a imprensa alemã informou que Schröder estava novamente na Rússia, mas a justificava oficial do ex-chanceler era que ele estava em férias. Nesta quarta-feira, porém, o ex-chanceler confirmou que havia se reunido com Putin, e o Kremlin também confirmou o encontro.
Pressão pelo Nord Stream 2
Em entrevista à revista alemã Stern e às emissoras RTL/ntv, Schröder disse que Berlim deveria repensar o bloqueio ao gasoduto Nord Stream 2, que corre paralelamente ao Nord Stream 1 e já foi concluído, mas nunca entrou em operação pois teve sua certificação suspensa pela Alemanha em fevereiro, às vésperas da invasão da Ucrânia.
"A solução mais simples seria colocar em operação o gasoduto Nord Stream 2. Ele está pronto. Quando as coisas ficam realmente apertadas, há esse gasoduto, e com ambos os gasodutos Nord Stream, não haveria problema de abastecimento para a indústria alemã e para os lares alemães", disse.
"Se você não quer usar o Nord Stream 2, você tem que arcar com as consequências. E elas serão enormes também na Alemanha. E então as pessoas começarão a se perguntar na Alemanha: 'Por que estamos sem o gás do gasoduto Nord Stream 2?'", afirmou o ex-chanceler.
O Nord Stream 1 hoje só utiliza 20% de sua capacidade, depois de a Rússia ter reduzido as entregas em julho sob uma justificativa técnica – a falta de uma turbina em manutenção. Essa versão foi rechaçada pela Alemanha e pela União Europeia, que apontaram motivos políticos para a decisão.
Na entrevista, publicada nesta quarta-feira (03/08), Schröder argumentou que o problema com o Nord Stream 1 estaria relacionado à Siemens: "O motivo pelo qual [a turbina] está [em uma instalação da Siemens] e não na Rússia, eu não compreendo". Ele também disse que das cinco turbinas do Nord Stream 1, quatro estavam fora de serviço por variados motivos.
Nesta quarta-feira, Scholz visitou uma instalação da Siemens, em Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, onde está a referida turbina, e disse que ela estava pronta para ser enviada à Rússia, mas que Moscou não tomava os passos necessários para recebê-la. "Não há nenhuma razão para que a entrega não aconteça", afirmou o atual chanceler.
Foi justamente sob o governo Schröder que o Nord Stream 1 foi planejado. O então chanceler chegou inclusive a assinar uma garantia bilionária para facilitar o projeto, que no longo prazo aumentou a dependência alemã de gás russo.
Negociações sobre guerra na Ucrânia
Schröder também defendeu que sejam abertas negociações com Putin sobre a guerra na Ucrânia, e indicou que o acordo que permitiu a abertura de uma rota segura no Mar Negro para a exportação de grãos a partir de portos ucranianos – mediado pela Turquia e pela ONU – poderia servir de base para um cessar-fogo, desde que os dois lados em guerra fizessem concessões. "A boa notícia é que o Kremlin quer um acordo negociado", afirmou.
Schröder delineou inclusive possíveis condições para esse cessar-fogo, que obrigaria Kiev a renunciar à soberania de parte do território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, ocupada pelos russos em 2014. "A ideia de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, terá condições de militarmente recuperar a Crimeia é simplesmente falsa", afirmou o ex-chanceler alemão.
Quanto à região do Donbass, no leste da Ucrânia e onde os combates hoje se concentram, Schröder acusou Kiev de desrespeitar os Acordos de Minsk e disse que a melhor forma de alcançar a paz na região seria "uma solução na linha do modelo de cantões na Suíça". O pequeno país europeu é dividido em 26 cantões ou províncias semi-autônomas.
Em reação à entrevista, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, descreveu Schröder como uma "voz da realeza russa" e disse que o acordo sobre exportação de grãos não abria o caminho para negociações. "Se Moscou quer diálogo, a bola está em seu campo. Primeiro – um cessar-fogo e a retirada das tropas, depois – [diálogo] construtivo", ele escreveu no Twitter.
"Talvez eu ainda possa ser útil"
O ex-chanceler também recusou-se a condenar Putin diretamente pela guerra. "Considero que esta guerra foi um erro por parte do governo russo. Já disso isso antes publicamente. Mas não preciso desempenhar constantemente o papel do ultrajado, outros podem fazer isso", afirmou.
Ao ser pressionado pelos entrevistadores, que lembraram que ele estava isolado e sob grande pressão na Alemanha devido à sua proximidade com Putin, Schröder respondeu: "Tenho que pular por cima de cada obstáculo colocado à minha frente? Não sou assim. Tomei decisões e estou agindo de acordo com elas, e também deixei claro: talvez eu ainda possa ser útil aqui novamente. Então por que eu deveria me desculpar?"
Na entrevista, o ex-chanceler mencionou o isolamento que enfrenta na Alemanha, mencionando que o membro de um clube de golfe em Hannover do qual ele participa reclamou de ter que vê-lo no local vez ou outra. Mas disse que segue recebendo "muitas cartas" da Alemanha que dizem: "É bom que ainda haja alguém que mantém canais de comunicação abertos com a Rússia no conflito atual."
Schröder indicou diversas vezes que poderia contribuir com o governo alemão na busca uma saída diplomática para a crise com a Rússia, mas Scholz deixou claro que não deseja a ajuda do seu antecessor.
bl (ots)