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Após reunir-se com Putin, Schröder opina sobre gás e guerra

3 de agosto de 2022

Hoje isolado na Alemanha, ex-chanceler federal defende ideias alinhadas a Moscou sobre gasodutos e cessar-fogo na Ucrânia. "Ainda posso ser útil", afirmou. Atual chanceler Scholz já havia rejeitado ajuda do antecessor.

Gerhard Schröder
Gerhard Schröder está sob fortes críticas na Alemanha por sua proximidade com PutinFoto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance/dpa

O ex-chanceler federal Gerhard Schröder, que governou a Alemanha de 1998 a 2005, confirmou ter se reunido novamente com o presidente russo, Vladimir Putin, no final de julho, e deu uma entrevista trazendo recados de Moscou sobre temas como fornecimento de gás à Europa e guerra na Ucrânia.

Entre eles, um pedido para que o gasoduto Nord Stream 2 seja ativado e a sugestão de que a Rússia estaria aberta para negociar um cessar-fogo na Ucrânia, caso os dois lados envolvidos no conflito fizessem concessões.

Amigo pessoal de Putin, Schröder exerceu cargos de direção em estatais russas do setor energético após deixar o governo e caiu em desgraça na Alemanha por se recusar a condenar o presidente russo pela guerra e hesitar em cortar suas ligações com empresas ligadas ao Kremlin.

Seu Partido Social-Democrata (SPD), o mesmo do atual chanceler federal alemão, Olaf Scholz, abriu um processo de expulsão de Schröder. Em maio, o Bundestag (câmara baixa do Parlamento) também decidiu cortar alguns benefícios que ele tinha como ex-chanceler.

Schröder exerceu cargos de direção em estatais russas do setor energético após deixar o governoFoto: Alexey Nikolsky/dpa/picture alliance

Schröder já havia viajado a Moscou em março, logo após a invasão russa da Ucrânia. Na semana passada, a imprensa alemã informou que Schröder estava novamente na Rússia, mas a justificava oficial do ex-chanceler era que ele estava em férias. Nesta quarta-feira, porém, o ex-chanceler confirmou que havia se reunido com Putin, e o Kremlin também confirmou o encontro.

Pressão pelo Nord Stream 2

Em entrevista à revista alemã Stern e às emissoras RTL/ntv, Schröder disse que Berlim deveria repensar o bloqueio ao gasoduto Nord Stream 2, que corre paralelamente ao Nord Stream 1 e já foi concluído, mas nunca entrou em operação pois teve sua certificação suspensa pela Alemanha em fevereiro, às vésperas da invasão da Ucrânia.

"A solução mais simples seria colocar em operação o gasoduto Nord Stream 2. Ele está pronto. Quando as coisas ficam realmente apertadas, há esse gasoduto, e com ambos os gasodutos Nord Stream, não haveria problema de abastecimento para a indústria alemã e para os lares alemães", disse.

"Se você não quer usar o Nord Stream 2, você tem que arcar com as consequências. E elas serão enormes também na Alemanha. E então as pessoas começarão a se perguntar na Alemanha: 'Por que estamos sem o gás do gasoduto Nord Stream 2?'", afirmou o ex-chanceler.

O Nord Stream 1 hoje só utiliza 20% de sua capacidade, depois de a Rússia ter reduzido as entregas em julho sob uma justificativa técnica – a falta de uma turbina em manutenção. Essa versão foi rechaçada pela Alemanha e pela União Europeia, que apontaram motivos políticos para a decisão.

Na entrevista, publicada nesta quarta-feira (03/08), Schröder argumentou que o problema com o Nord Stream 1 estaria relacionado à Siemens: "O motivo pelo qual [a turbina] está [em uma instalação da Siemens] e não na Rússia, eu não compreendo". Ele também disse que das cinco turbinas do Nord Stream 1, quatro estavam fora de serviço por variados motivos.

Nesta quarta-feira, Scholz visitou uma instalação da Siemens, em Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, onde está a referida turbina, e disse que ela estava pronta para ser enviada à Rússia, mas que Moscou não tomava os passos necessários para recebê-la. "Não há nenhuma razão para que a entrega não aconteça", afirmou o atual chanceler.

Foi justamente sob o governo Schröder que o Nord Stream 1 foi planejado. O então chanceler chegou inclusive a assinar uma garantia bilionária para facilitar o projeto, que no longo prazo aumentou a dependência alemã de gás russo.

Negociações sobre guerra na Ucrânia

Schröder também defendeu que sejam abertas negociações com Putin sobre a guerra na Ucrânia, e indicou que o acordo que permitiu a abertura de uma rota segura no Mar Negro para a exportação de grãos a partir de portos ucranianos – mediado pela Turquia e pela ONU – poderia servir de base para um cessar-fogo, desde que os dois lados em guerra fizessem concessões. "A boa notícia é que o Kremlin quer um acordo negociado", afirmou.

Schröder delineou inclusive possíveis condições para esse cessar-fogo, que obrigaria Kiev a renunciar à soberania de parte do território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, ocupada pelos russos em 2014. "A ideia de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, terá condições de militarmente recuperar a Crimeia é simplesmente falsa", afirmou o ex-chanceler alemão.

Schröder diz que poderia ajudar nas conversas com a Rússia, mas Scholz rejeita a oferta de seu antecessorFoto: Christian Charisius/dpa/picture alliance

Quanto à região do Donbass, no leste da Ucrânia e onde os combates hoje se concentram, Schröder acusou Kiev de desrespeitar os Acordos de Minsk e disse que a melhor forma de alcançar a paz na região seria "uma solução na linha do modelo de cantões na Suíça". O pequeno país europeu é dividido em 26 cantões ou províncias semi-autônomas.

Em reação à entrevista, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, descreveu Schröder como uma "voz da realeza russa" e disse que o acordo sobre exportação de grãos não abria o caminho para negociações. "Se Moscou quer diálogo, a bola está em seu campo. Primeiro – um cessar-fogo e a retirada das tropas, depois – [diálogo] construtivo", ele escreveu no Twitter.

"Talvez eu ainda possa ser útil"

O ex-chanceler também recusou-se a condenar Putin diretamente pela guerra. "Considero que esta guerra foi um erro por parte do governo russo. Já disso isso antes publicamente. Mas não preciso desempenhar constantemente o papel do ultrajado, outros podem fazer isso", afirmou.

Ao ser pressionado pelos entrevistadores, que lembraram que ele estava isolado e sob grande pressão na Alemanha devido à sua proximidade com Putin, Schröder respondeu: "Tenho que pular por cima de cada obstáculo colocado à minha frente? Não sou assim. Tomei decisões e estou agindo de acordo com elas, e também deixei claro: talvez eu ainda possa ser útil aqui novamente. Então por que eu deveria me desculpar?"

Na entrevista, o ex-chanceler mencionou o isolamento que enfrenta na Alemanha, mencionando que o membro de um clube de golfe em Hannover do qual ele participa reclamou de ter que vê-lo no local vez ou outra. Mas disse que segue recebendo "muitas cartas" da Alemanha que dizem: "É bom que ainda haja alguém que mantém canais de comunicação abertos com a Rússia no conflito atual."

Schröder indicou diversas vezes que poderia contribuir com o governo alemão na busca uma saída diplomática para a crise com a Rússia, mas Scholz deixou claro que não deseja a ajuda do seu antecessor.

bl (ots)