Apesar de Assad, UE quer normalizar relações com a Síria
27 de julho de 2024Para oito países europeus, parece ter chegado a hora de mudar a estratégia em relação à Síria.
Nesta semana, os ministros do Exterior de Itália, Áustria, Croácia, República Tcheca, Chipre, Grécia, Eslovênia e Eslováquia anunciaram que estão dispostos a reatar laços com o presidente sírio e ditador Bashar al-Assad.
Em uma carta conjunta, os ministros sugeriram a criação, pela União Europeia, de um posto de enviado à Síria. Seu trabalho: fazer com que o país em guerra volte a ter um embaixador em Bruxelas e delinear dez "zonas seguras" dentro de áreas controladas pela ditadura de Assad, que receberiam sírios deportados da Europa.
Apesar de a Alemanha não ter assinado essa carta, um dos mais altos tribunais administrativos do país decidiu nesta mesma semana que o conflito na Síria, que está em andamento desde 2011, já não representa mais um "perigo generalizado para todos os civis".
No caso específico analisado pelo Judiciário alemão, o homem sírio em questão havia sido condenado na Áustria por ter agido como coiote, trazendo imigrantes da Turquia para a Europa, e recorreu contra a decisão das autoridades alemãs de deportá-lo.
País não é seguro, frisa emissário da ONU
Defensores de direitos humanos, analistas e o principal encarregado da Síria nas Nações Unidas frisam, porém, que o país não é seguro nem para quem já vive lá, nem para refugiados repatriados.
"A Síria permanece em um estado de profundo conflito, complexidade e divisão", afirmou nesta semana Geir Pedersen, enviado especial da ONU, em pronunciamento diante do Conselho de Segurança da entidade. "Está cheia de atores armados, grupos terroristas, exércitos estrangeiros e linhas de front (...). Civis ainda são vítimas de violência e estão sujeitos a extensas violações de direitos humanos, a um estado prolongado de deslocamento e a condições humanitárias terríveis."
"Reatar laços com a UE aumentaria legitimidade de Assad", alerta especialista
A disposição da UE em reatar laços com a Síria – rompidos após Assad reprimir brutalmente manifestantes contrários ao seu governo em 2011, desencadeando a atual guerra civil que assola o país – é apenas a mais recente de uma série de reaproximações ensaiadas por outros governos, como os da Arábia Saudita e da Turquia.
Em 2023, a Síria foi readmitida na Liga Árabe, grupo de 22 países que se manteve distante da Síria por 12 anos.
No início de julho, Assad esteve com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que há anos apoia a oposição ao ditador, que continua a lutar no noroeste do país.
"A renovação dos laços com a UE aumentaria a legitimidade de Assad como governante e reforçaria sua mensagem de que a Síria é um país seguro", analisa Kelly Petillo, que pesquisa o Oriente Médio no Conselho Europeu de Relações Exteriores.
"Só que Assad está longe de ser o vencedor [da guerra], já que a Síria continua fragmentada politicamente e territorialmente, e com certeza não é certo que o regime de Assad voltará ao comando de todo o território sírio", pondera Petillo.
Enquanto forças leais a Assad recapturaram algo em torno de 60% do território com a ajuda da Rússia e do Irã, o nordeste do país continua sob domínio curdo, enquanto o noroeste é o último bastião da oposição síria. E no primeiro semestre de 2024, ataques do grupo terrorista "Estado Islâmico" dobraram no país.
Petillo aponta que a normalização das relações com a Síria não depende só de uma mudança política por parte de outros países, mas também de "compromissos diplomáticos por parte de Assad, que teme ver de volta milhões de refugiados contrários a ele", além de representar um desafio econômico, já que o país teria que absorver todo um contingente de repatriados.
Segundo estimativas recentes da Acnur, a agência de refugiados da ONU, 16,7 milhões de sírios precisam de assistência humanitária. Mais da metade da população do país teve que deixar suas casas para escapar do conflito, 5 milhões estão refugiados em países vizinhos e 7,2 milhões são deslocados internos.
Eventuais benefícios econômicos
A normalização dos laços com a UE e a designação de zonas seguras para os repatriados provavelmente também significaria o fim das sanções à Síria, que há anos vêm agravando a situação econômica do país.
De acordo com o último Monitor Econômico da Síria, do Banco Mundial, a contínua falta de dinheiro e o acesso limitado à assistência humanitária têm comprometido ainda mais a capacidade das famílias de atender às necessidades básicas em meio à inflação.
"Qualquer iniciativa para melhorar a situação econômica da população síria é um passo para longe do colapso econômico e social em andamento", afirma Nanar Hawach, analista sênior para a Síria no International Crisis Group, organização independente que trabalha para prevenir guerras.
Hawach diz que uma economia mais forte reduziria a dependência econômica da população de entidades políticas ou de grupos armados.
Mas os benefícios decorrentes do relaxamento ou fim de sanções não seriam sentidos em todo o país. "Se os laços com o regime de Assad forem normalizados, a ajuda [humanitária] só chegará por canais oficiais", pondera Petillo.
Isso agravaria a situação em áreas fora do controle de Assad.
"Já somos massivamente subfinanciados", pontua Ian Ridley, chefe do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah) na Turquia. "Vi as consequência disso há uns dias, quando visitei o norte de Aleppo", disse, citando a situação precária de civis deslocados pelo conflito e que vivem em uma região sob controle da oposição a Assad, onde não há assistência do governo.
UE deve mudar abordagem?
Diretor para o Oriente Médio e o norte da África no Conselho Europeu de Relações Exteriores, Julien Barnes-Dacey diz que designar zonas seguras "sem garantias de segurança significativas não deveria ser aceitável". "O regime [de Assad] não tem se mostrado disposto a oferecê-las", critica. "Vemos sírios voltando e sumindo, até mesmo sendo mortos."
Apesar do risco em áreas controladas por Assad, Barnes-Dacey defende que a política da UE em relação à Síria precisa mudar. "A política europeia se encontra em um limbo, sem nenhum senso estratégico de direção ou capacidade de melhorar a situação", avalia.
Mas Barnes-Dacey diz não achar que Assad vá fazer qualquer concessão significativa ao bloco, e por isso é necessário "procurar outros caminhos". "É o caso de usar as cartas que temos para abrir algum espaço para segurança e melhora da economia para sírios vivendo lá, ao invés de forçar uma mudança política dramática, que claramente não vai acontecer."