Ser aluno da rede pública é ter que lidar com todas as lacunas, adversidades e obstáculos provenientes da falta de estrutura e apoio do governo. Apesar de ter feito o ensino fundamental I na rede privada por conta de uma bolsa de estudo, quando passei para o fundamental II e fui para a rede pública pude perceber as diferenças entre uma rede e outra.
Entrei na graduação em letras vernáculas com língua estrangeira pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) após a pandemia, em 2022, mas sempre estive inserido no contexto de ensino. Desde 2018, quando percebi que queria ser professor, tive experiências em lecionar de modo informal para alguns alunos.
Ter experiência de ensino antes da pandemia foi de suma importância para que pudesse perceber os impactos duradouros na aprendizagem dos alunos após esse período. E o contato com os alunos da escola pública fez com que esses efeitos ficassem ainda mais evidentes.
A pandemia de covid-19 teve efeitos significativos na saúde mental de crianças e adolescentes, afetando negativamente seu estado emocional e psicológico. Além disso, as medidas de isolamento social e o ensino remoto impactaram adversamente o processo de aprendizagem, resultando em desafios educacionais adicionais para essa faixa etária.
Dificuldades maiores
Confirmei empiricamente esse contexto ao ter meu primeiro contato com a sala de aula, como estagiário de letras em uma creche e reforço de bairro. Lecionei para alunos do fundamental I e II, bem como do ensino médio. Durante as aulas, pude notar dificuldades nos alunos que não condiziam com suas séries. Ao acompanhar de perto cada um deles, identifiquei que todos os problemas tinham a mesma origem: a pandemia.
Por exemplo, um aluno de 6 anos, que estava no 1° ano do fundamental I, não possuía noções básicas da educação infantil, apresentando dificuldades na leitura e escrita, apesar de ter participado do ensino remoto. Estudantes que frequentavam a 8ª série do fundamental II enfrentavam dificuldades significativas de leitura e compreensão de texto, muito além do esperado. Os alunos do ensino médio, além de demonstrarem dificuldades com os conteúdos, relataram terem desenvolvido transtornos mentais como estresse e ansiedade.
Apesar de, no início, achar que estava lidando com uma turma cujos problemas podiam não necessariamente estar relacionados à pandemia, infelizmente minha suspeita foi confirmada após conversas individuais em diferentes momentos com os alunos. Durante essas conversas, ouvi histórias de perdas de familiares por conta da covid-19 e relatos de que a depressão e outros transtornos surgiram após o isolamento social, de 2020 a 2022.
Identificar e enfrentar as lacunas
Diante dessa situação, adotei uma abordagem diferente, desenvolvendo atividades de mapeamento para avaliar o nível de conhecimento da turma em assuntos de língua portuguesa. Essa estratégia também foi utilizada no programa Universidade Para Todos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde sou professor monitor. O mapeamento revelou dificuldades que ultrapassam o ambiente escolar, evidenciando a influência negativa da pandemia.
Vivenciar de perto uma realidade tão discutida nos últimos anos foi uma experiência transformadora para mim. Senti a necessidade de compartilhar o que testemunhei, pois percebi que muitas pessoas, incluindo professores, ainda não têm noção completa do impacto da covid-19 no aprendizado dos alunos.
A pandemia reforçou que a educação vai muito além das matérias acadêmicas. É preciso considerar o bem-estar emocional dos alunos, para garantir que eles tenham um bom desenvolvimento e uma educação de qualidade. Isso nos leva a tentar reconstituir as lacunas resultantes desse período, adotando estratégias de recomposição de aprendizagem. Muitas vezes, é necessário retomar assuntos introdutórios para permitir uma reconstrução gradual do que não foi possível abordar— ou não foi abordado— durante a pandemia.
Ao olhar para o futuro, é essencial aprender com os desafios enfrentados e trabalhar em conjunto para (re)construir um sistema educacional mais inclusivo, que consiga recompor todo o aprendizado perdido dos alunos.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrarem na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto, escrito por Alisson Nascimento dos Santos, estudante de 21 anos natural de Salvador (BA), reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.