Normalização das relações com EUA conta com amplo apoio entre exilados e a população mais jovem, mas ainda esbarra em velhos estereótipos e numa extensa lista de exigências por parte de Havana.
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Por mais divergentes que sejam as expectativas quanto à retomada de relações diplomáticas entre Havana e Washington, não há observador que questione o seu significado histórico. Após 50 anos de congelamento, os dois Estados procuram superar o abismo – até então intransponível – entre capitalismo e comunismo.
"Com esse passo, os presidentes dos Estados Unidos e de Cuba criaram condições para que situação em Cuba possa melhorar", escreve a blogueira cubana Yoani Sánchez, diretora do portal de internet 14ymedio.com. A questão agora, afirma ela, é utilizar os espaços recém-abertos.
Ao contrário de Washington, Havana prefere abafar expectativas excessivas. "Cuba não está normalizando suas relações com os EUA, ela está estabelecendo relações diplomáticas", explicou um porta-voz do Ministério cubano do Exterior, acrescentando que a normalização é um processo que ainda demandará muito tempo.
Série de exigências
O governo de Raúl Castro entra nas negociações com exigências elevadas. Cuba quer ser retirada da lista de Estados que patrocinam terroristas, onde está ao lado de Irã, Sudão e Síria; o fechamento de Guantánamo; o fim do embargo comercial; o reconhecimento das ONGs cubanas controladas pelo governo; assim como a suspensão das condições especiais para refugiados cubanos nos EUA.
Por sua vez, os americanos insistem na liberdade de circulação para seus diplomatas em Cuba e no livre acesso à embaixada dos EUA para os cidadãos do país. A negociadora-chefe dos EUA, Roberta Jacobson, também quer estar apta a repatriar os 34 mil cubanos acusados de crimes nos EUA. Em contrapartida, deverão ser entregues a Washington os americanos que gozam de asilo na ilha caribenha.
O presidente Barack Obama parece não ter tempo a perder, e faz pressão. Em 15 de janeiro, o Departamento do Tesouro americano aprovou medidas importantes para "relaxamento as sanções a Cuba". Agora os cubanos residentes nos EUA podem enviar 8 mil dólares anualmente a seus parentes em Cuba, em vez de apenas 2 mil dólares. Para projetos de ajuda humanitária, não há mais um limite máximo.
Apoio entre exilados
De olho nos lucros com o turismo, as companhias aéreas dos EUA poderão desembarcar na ilha comunista, onde cartões de crédito americanos também passam a ser aceitos. A United Airlines já anunciou o estabelecimento de voos de Newark e Houston para Havana.
Às firmas nacionais é agora permitido investir na ampliação das telecomunicações em Cuba. Já em junho último, o diretor executivo da Google, Eric Schmidt, estava examinando as chances para uma "internet livre" em Havana.
Entre os cerca de 2 milhões de cubanos exilados, cresce o apoio à nova política de abertura de Obama. Segundo enquete do Instituto de Pesquisas Cubanas da Universidade Internacional da Flórida, 52% da comunidade são a favor da suspensão do embargo. Na faixa etária dos 18 aos 29 anos, o nível de aceitação chega a 62%.
A facilitação de viagens e de transferência de dólares é aprovada por 70% dos entrevistados; 69% são a favor do estabelecimento de relações diplomáticas – entre os mais jovens a porcentagem alcança 90%. Por outro lado, a maioria dos cubano-americanos é contra a retirada do país insular da lista dos Estados patrocinadores do terrorismo.
Estereótipos recíprocos
Um dos opositores mais proeminentes do novo curso para Cuba é o senador Marco Rubio, republicano de ascendência cubana e um dos possíveis candidatos nas eleições presidenciais de 2016. Como sinal, ele convidou a filha do dissidente cubano morto Oswaldo Payá para o discurso do presidente no Congresso em Washington.
"Espero que a presença de Rosa Maria Payá lembre ao presidente Obama que os assassinos dos pais dela não precisaram responder à Justiça e que o governo dos EUA agora se senta com eles à mesma mesa", declarou.
Contudo, também em Havana não parece ser fácil para Castro e seus assessores se livrarem dos velhos estereótipos hostis. "Para o governo cubano, que pensa em outras categorias, os acontecimentos se precipitaram", comenta a blogueira Yoani Sánchez. Havana espera que o processo transcorra placidamente, sem ser atropelado por um excesso de entusiasmo.
EUA e Cuba: crônica da rivalidade
Desde a Revolução Cubana, em 1959, Cuba e os Estados Unidos estão em disputa, que já envolveu mercenários, bloqueios navais, sanções econômicas, criminosos e carros de boi.
Foto: picture-alliance/dpa
Bordel dos EUA
Antes da revolução, Cuba era, para muitos americanos, sinônimo de jogos de azar, casas noturnas e outros tipos de entretenimento – como um jantar no Havana Yacht Club (foto). "Cuba era o bordel dos EUA", definiu mais tarde o cientista político americano Karl E. Meyer. Para a população, a ditadura de Fulgencio Batista, no entanto, significava principalmente estagnação, desemprego e pobreza.
Para derrubar o regime já falido, Fidel Castro precisa de apenas um exército de guerrilha de algumas centenas de homens. Em 1° de janeiro de 1959, Batista foge de Cuba, e os rebeldes tomam Havana. Os EUA impõem sanções imediatamente, que vão sendo intensificadas nos anos seguintes. A liderança cubana, então, recorre à União Soviética.
Foto: picture-alliance/dpa
Fiasco na Baía dos Porcos
Uma tropa mercenária de cubanos exilados tentou derrubar o regime em 1961, com ajuda da CIA. A operação foi um fiasco. O Exército Revolucionário Cubano acaba com a invasão na Baía dos Porcos dentro de três dias, afirmando ter feito mais de mil prisioneiros.
Foto: AFP/Getty Images/M. Vinas
À beira de uma guerra nuclear
Devido ao relacionamento abalado entre EUA e Cuba, a União Soviética, passa, de repente, a dispor de uma base localizada a apenas cerca de 150 quilômetros dos Estados Unidos. O Kremlin quer estacionar mísseis na ilha. E, em 1962, a crise cubana deixa o mundo à beira de uma guerra nuclear. Com um bloqueio naval, os Estados Unidos impedem o transporte dos mísseis.
Foto: picture-alliance/dpa
Saúde e educação exemplares
A União Soviética não poupa esforços. Por décadas, Cuba é fortemente subsidiada, recebendo, entre outras coisas, petróleo bruto, que é reexportado pela ilha para obtenção de divisas. Cuba consegue, assim, construir sistemas de saúde e de educação exemplares.
Foto: picture-alliance/dpa
O êxodo dos marielitos
Em 1980, Fidel Castro permite que emigrantes deixem o país a partir do Porto de Mariel, com destino aos Estados Unidos. Cerca de 125 mil cubanos chegam à Flórida. Entre eles, estão alguns que haviam sido libertados pela administração cubana de prisões e hospitais psiquiátricos. A taxa de criminalidade em Miami aumenta drasticamente.
Foto: picture-alliance/Zuma Press/T. Chapman
Dependência açucarada
Por décadas, o embargo dos EUA limita a economia cubana de forma maciça. Além disso, não ocorre diversificação alguma. A cana-de-açúcar permanece sendo, mesmo após a revolução, o principal produto de exportação da ilha. Cuba continua totalmente dependente da assistência da União Soviética, algo que fica bastante claro a partir de 1990.
Foto: AFP/Getty Images/N. Barroso
"Período especial em tempo de paz"
Com o colapso da União Soviética, vem a quebra da economia cubana. Tudo passa a faltar. Fidel Castro declara a época de choque da economia cubana, a partir de 1990, como o "Período Especial em Tempos de Paz". Na ausência de combustível e peças de reposição, bois passam a ser usados como meio de transporte. Desde o final da década de 1990, a Venezuela fornece petróleo a preço baixo ao país.
Foto: AFP/Getty Images/A. Roque
O vai e vem das sanções
Desde 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas apela todos os anos para que os EUA acabem com sua política de embargo. Os EUA apertam e desapertam os parafusos das retaliações de tempos em tempos. Assim, as regulamentações do bloqueio ficam mais rigorosas em 1996 e mais relaxadas em 1999. Em 2004, o presidente George W. Bush endurece as sanções.
Foto: Getty Images/J. Raedle
Um novo capítulo se inicia
Após a libertação do prisioneiro americano Alan Gross e de três agentes cubanos presos nos EUA desde 1998, Raúl Castro e Barack Obama surpreendem o mundo ao anunciar, no dia 17 de dezembro de 2014, que normalizarão as relações diplomáticas entre os dois países e reabrirão suas embaixadas. Obama amplia as exceções ao embargo econômico e comercial sobre a ilha.
Pouco mais de seis meses após o anúncio da retomada das relações diplomáticas, Obama anuncia em 1º de julho de 2015 a reabertura das embaixadas dos EUA e de Cuba em Havana e Washington dentro de alguns dias. Desde dezembro de 2014, passos tomados para a reaproximação incluem a retirada de Cuba da lista de países que financiam o terrorismo e a libertação de presos políticos pelo governo cubano.