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Argentina diante de votação histórica sobre o aborto

8 de agosto de 2018

Senado debate projeto para legalizar interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana de gestação. Aprovada por maioria apertada na Câmara, proposta divide o país do papa, onde a Igreja Católica tem forte influência.

De verde, mulheres protestam a favor da legalização do aborto em Buenos Aires, em junho
De verde, mulheres protestam a favor da legalização do aborto em Buenos Aires, em junhoFoto: picture-alliance/AP Photo/N. Pisarenko

O Senado da Argentina inicia nesta quarta-feira (08/08) o debate de um projeto de lei para legalizar o aborto. A votação histórica será acompanhada por manifestações pró e contra a medida em frente ao Congresso em Buenos Aires. Aprovada pela Câmara dos Deputados por maioria apertada, a proposta precisa agora do aval dos senadores para virar lei.

O texto que recebeu luz verde dos deputados em junho descriminaliza qualquer aborto até a 14ª semana de gestação – e não apenas nas circunstâncias previstas atualmente por lei. Até esse período da gravidez, seria permitido abortar gratuitamente nos hospitais do sistema público de saúde do país.

Hoje, o artigo 86 do Código Penal da Argentina declara a interrupção da gravidez como ato não punível se a vida ou a saúde da mulher estão em risco, se é fruto de estupro ou abuso contra uma mulher com deficiência intelectual.

De acordo com o projeto de lei aprovado pela Câmara, depois do prazo de 14 semanas, a interrupção da gravidez só poderá ser realizada em caso de estupro, se representar um risco para a vida e a saúde da mãe e também se o feto tiver alguma malformação "incompatível com a vida extrauterina".

Se o Senado transformar a proposta em lei, a Argentina passará a ser o terceiro país da América Latina a legalizar o aborto, após Cuba e Uruguai. A batalha entre os senadores deve novamente ser difícil, e os prognósticos não são favoráveis ao aborto.

Dos 72 senadores que compõem a câmara alta, 37 anteciparam que votarão contra a legalização, e 31 disseram ser a favor do projeto. Se os legisladores aprovarem mudanças no texto, a proposta deve retornar à Câmara. Se, por outro lado, a maioria no Senado votar contra o aborto, o projeto não será mais debatido neste ano legislativo. É provável que a votação ocorra na madrugada de quinta-feira.

País dividido

O debate sobre a legalização do aborto divide tanto a sociedade argentina como as lideranças políticas. O projeto já foi apresentado em outras seis ocasiões no Congresso, mas nunca chegou a ser votado. O debate ganhou destaque novamente com o fortalecimento do movimento feminista do país.

Em março deste ano, o presidente Mauricio Macri finalmente permitiu que o Congresso debatesse o projeto, mas declarou ser contra a legalização do aborto. Ele prometeu assinar a lei caso seja aprovada pelo Legislativo.

A Igreja Católica, altamente influente no país natal do papa Francisco, chegou a nomear um bispo, Alberto Bochatey, para dialogar com o Congresso sobre o projeto. "Não se pode fazer uma lei para justificar a eliminação da vida humana", disse Bochatey à agência de notícias AFP.

Rabinos, imames e outras igrejas cristãs se juntaram a padres e freiras na campanha contra o projeto de lei. Apesar da forte oposição de religiosos, defensores da legalização do aborto não perderam as esperanças.

Às vésperas da votação decisiva no Senado, Julieta Poo, de 15 anos, foi para a frente do Congresso em Buenos Aires com o rosto pintado de verde e uma bandana com os dizeres: "Educação sexual para decidir, contraceptivos para evitar o aborto, aborto legal para evitar mortes."

Poo faz parte de um movimento juvenil que, com a cor verde como símbolo, se mobilizou em apoio à legalização do aborto no país. "Os Incríveis Hulks da Argentina não têm músculos excessivos, eles usam purpurina para reverter a invisibilidade histórica criada pelo sexismo", escreveu a jornalista Luciana Peker no jornal Pagina12.

A divisão entre gerações quanto ao aborto se tornou evidente no país e chegou até a provocar rachas dentro de famílias. O músico Lautaro Cura, filho da vice-presidente Gabriela Michetti, por exemplo, afirmou ser em favor da legalização da prática, enquanto a mãe defendeu sua proibição mesmo em caso de estupro.

"A realidade é que os abortos existem e eles são clandestinos", afirma Laura Moses, estudante de direito de 23 anos que também saiu às ruas de Buenos Aires com uma bandana verde. "O governo precisa responder a essa realidade, e crenças religiosas não podem interferir nas políticas públicas."

Organizações não governamentais estimam que cerca de 500 mil abortos clandestinos sejam realizados anualmente na Argentina. Cerca de 60 mil resultam em complicações e hospitalizações.

Liliana Herrera, de 22 anos e mãe de duas crianças, foi a mais recente vítima. Ela morreu na província de Santiago del Estero poucos dias antes do debate no Senado, em 4 de agosto, após um aborto clandestino.

LPF/dpa/efe/afp/dw

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