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Armas da ciência contra o "Aedes aegypti"

Érika Kokay2 de dezembro de 2015

O surto de microcefalia no Brasil está relacionado ao zika vírus – uma doença nova no país, mas transmitida por um velho conhecido dos brasileiros: o mosquito da dengue. Por que é tão difícil combater o "Aedes"?

Foto: picture alliance/dpa/G. Amador

A batalha contra o temido mosquito Aedes aegypti vem ganhando força no Brasil. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde emitiram nesta terça-feira (1º/12) um alerta mundial sobre a epidemia de zika vírus, transmitido pelo mesmo mosquito da dengue.

O comunicado reconheceu oficialmente a relação entre o zika e o surto de microcefalia no Nordeste, ao citar um estudo do Instituto Evandro Chagas, no Pará, que identificou o vírus num recém-nascido microcéfalo. A relação foi confirmada pelo Ministério da Saúde no último fim de semana.

No Brasil, chegou a 1,2 mil o número de recém-nascidos com suspeita de microcefalia, em 311 municípios. O índice é quase 70% maior do que o da semana anterior.

O surto levou Pernambuco a decretar estado de emergência – além de ser o estado com maior número de bebês microcéfalos, a região sofreu um aumento considerável de casos de doenças transmitidas pelo Aedes: dengue, zika e febre chikungunya.

Segundo dados do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), o Brasil tem 199 municípios em situação de risco de surto dessas três doenças. "É necessária uma mobilização de todos, imediata", afirmou o Ministério da Saúde em nota.

Enquanto o zika é novidade no país – o vírus foi identificado pela primeira vez em maio de 2015 –, a dengue é motivo de preocupação há pelo menos três décadas. Neste ano, por exemplo, os casos da doença já somam 1,5 milhão, número três vezes maior do que em 2014 (555 mil).

O Aedes aegypti chegou a ser extinto no Brasil na década de 50, após esforços para combater a febre amarela urbana, também transmitida pelo vetor. Na década seguinte, o retorno do mosquito ao país não causou grandes preocupações, já que a doença estava controlada. O inseto se alastrou e, nos anos 80, surgiu a dengue, iniciando um novo capítulo no combate ao Aedes.

A ciência, porém, não fala mais em extinção. "Hoje consideramos impossível erradicar o Aedes aegypti. O programa de erradicação se tornou inviável. A ideia agora é manter a quantidade de mosquitos a níveis seguros para impedir a transmissão de doenças", afirma, à DW Brasil, a bióloga Denise Valle, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Conheça algumas armas da ciência para controlar o inseto:

Mosquitos para combater mosquitos

Combater a dengue usando o próprio mosquito

04:02

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Em Campinas, no interior de São Paulo, há uma fábrica que modifica geneticamente machos de Aedes aegypti. São liberados semanalmente cerca de 800 mil desses mosquitos num bairro de Piracicaba – uma das 20 cidades da região com epidemia de dengue.

A expectativa é de que os machos geneticamente modificados cruzem com as fêmeas da natureza, para produzir crias também defeituosas. "Esse defeito genético faz com que os filhos desses mosquitos morram antes de chegar à fase adulta", explica Guilherme Trivellato, gerente do projeto em Piracicaba, chamado "Aedes aegypti do Bem" e comandado pela empresa Oxitec.

Em Piracicaba, o projeto é implantado desde abril, e resultados da eficácia na região ainda não são concretos. Entre 2011 e 2013, porém, versões piloto do "Aedes aegypti do Bem" ocorreram nos municípios de Juazeiro e Jacobina, na Bahia, com "resultados fantásticos", segundo Trivellato. "Nessas áreas, houve redução de mais de 90% do mosquito em comparação com áreas não tratadas."

Biolarvicidas

A aplicação de biolarvicidas – agentes naturais que matam insetos antes que eles cheguem à fase adulta – é uma das estratégias mais utilizadas em locais onde há grande dificuldade de evitar o acúmulo de água parada, como tanques que captam a água da chuva, por exemplo.

O biolarvicida mais comum é o Bacillus thuringiensis israelensis, conhecido como Bti. "Trata-se de uma bactéria que, ao ser ingerida pelas larvas do Aedes, acaba matando esses insetos", explica Valle. "O Bti deve ser colocado dentro da água, em locais onde há risco do mosquito botar ovos."

Apesar de ser uma técnica muito eficaz, a especialista cita dois pontos negativos: "O preço dessa estratégia, que é bastante alto, e o fato da bactéria ser pouco resistente a altas temperaturas e iluminação intensa, que são exatamente as características dos lugares onde o Aedes procria."

Em novembro, a Fiocruz anunciou a criação do DengueTech, uma espécie de tablete contendo a bactéria. O produto, que deve chegar ao comércio em breve, é mais resistente – tem eficácia de 60 dias após a aplicação –, "é ecologicamente correto e não traz risco à saúde humana", segundo Hayne da Silva, diretor do Instituto de Tecnologia em Fármarcos da Fiocruz.

Ovos com bactéria

Outra bactéria tem ajudado a trazer resultados favoráveis aos cientistas: a wolbachia, presente naturalmente em mais da metade dos insetos do mundo, mas não no Aedes. Ao ser introduzido em ovos de Aedes aegypti, o micro-organismo reduz a capacidade do mosquito de transmitir a dengue.

No Brasil, a técnica está sendo implantada pela Fiocruz em bairros do Rio de Janeiro e Niterói, por meio do projeto "Eliminar a Dengue: Desafio Brasil". Agentes de saúde instalam uma espécie de recipiente plástico nas residências, chamado Dispositivo de Liberação de Ovos (DLO). Ele contém ovos de Aedes aegypti com wolbachia, que darão origem a mosquitos adultos.

Moradores de Jurujuba, em Niterói, visitam o insetário da Fiocruz, onde mosquitos com wolbachia são criadosFoto: Fiocruz/P. Illiciev

"Devido à facilidade logística e ao menor custo, o DLO permite que áreas maiores sejam trabalhadas", afirma o pesquisador Luciano Moreira, coordenador do projeto no Brasil, em nota da Fiocruz. "É importante ressaltar que o dispositivo não possui produtos químicos ou tóxicos."

Os mosquitos gerados são inofensivos. Mesmo que piquem um ser humano com dengue, não são capazes de transmitir o vírus para outras pessoas. Além disso, o inseto com wolbachia passa a característica às crias ao se reproduzir.

O bairro de Tubiacanga, na Ilha do Governador, foi o primeiro local das Américas a receber o projeto, em setembro de 2014. Ao fim de 20 semanas, 65% dos Aedes aegypti da região continham a bactéria wolbachia, o que configura um resultado satisfatório.

"A eficácia contra a dengue nós podemos confirmar porque foi testada em laboratório. Mas contra o zika ainda não, já que é muito recente. Mas teoricamente deve funcionar", diz Valle.

Peixes que comem larvas

O uso de algumas espécies de peixes para controlar populações de Aedes aegypti é uma prática antiga, mas ainda usada nos dias de hoje, principalmente no Nordeste. São peixes conhecidos como larvófagos, que se alimentam de larvas de mosquito.

A região do Agreste pernambucano, por exemplo, incentivou a criação do peixe ornamental Poecilia reticulata, também conhecido como barrigudinho, lebiste ou guppy. Segundo a Fiocruz, a espécie é pequena e capaz de ingerir 100% das larvas que emergirem num reservatório no período de 24 horas.

Para Valle, a técnica é eficiente, mas tem um uso muito restrito. "Em cidades onde a água é tratada, por exemplo, não podemos colocar os peixes nela, por causa do cloro", explica a pesquisadora. "Há também os casos no Nordeste, onde muitas pessoas captam a água da chuva para estocar. Esses reservatórios são atraentes para o Aedes aegypti, mas também não podemos colocar peixes ali, porque aquela água vai ser consumida pelas pessoas."

A melhor arma é a informação

Valle alerta que a estratégia que se provou mais eficaz no combate ao mosquito é o que os especialistas chamam de controle mecânico, ou seja, o cuidado diário da população em evitar o acúmulo de água parada próximo às residências.

"Depois de 15 anos trabalhando com todos os inseticidas imagináveis, eu chego à conclusão de que todas essas abordagens científicas de controle são apenas complementares", afirma a bióloga da Fiocruz. "A principal estratégia é a informação."

Algumas das medidas para combater a proliferação do Aedes nas casas são: tampar os grandes depósitos de água, como caixas d'água, reservatórios, tanques e piscinas que não são usadas com frequência e não abandonar lixos e outros objetos em quintais, como pneus velhos e garrafas.

A bióloga afirma que o Brasil teve experiências de sucesso no combate ao mosquito contando apenas com a grande difusão da informação. "Marília, no interior de São Paulo, recebeu um trabalho intenso de mobilização da população que conseguiu, durante um ano, reduzir a zero o número de casos de dengue, sem uso de qualquer controle químico", exemplifica.

No Rio de Janeiro, em 2010, Valle diz ter vivido a melhor experiência da vida dela. "Com uma enorme mobilização, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde, conseguimos reduzir em três vezes o número de municípios com quantidade alarmante de mosquitos."

Por que é tão difícil combater o Aedes?

O Aedes aegypti é um mosquito urbano, que vive no interior ou a poucos metros das casas. Isso porque as fêmeas, únicas transmissoras de doença, precisam do sangue humano para fabricar seus ovos. "É um mosquito oportunista, vai acompanhar o homem sempre. Quanto maior o número de criadouros e de pessoas para picar, mais ele vai viver", diz Valle.

"Quando se trata de um mosquito domiciliar, você tem de lidar com o espaço pessoal de cada cidadão", completa o pesquisador Guilherme Trivellato. "Não podemos entrar com iniciativas pesadas dentro da casa das pessoas. Seria criminoso."

Para Valle, as epidemias de doenças transmitidas pelo mosquito não são só uma questão de saúde, mas de meio ambiente, educação e, principalmente, de cidadania. "Enquanto a gente acreditar que a solução da dengue vai sair da bancada de algum pesquisador ou do Ministério da Saúde, a gente já perdeu a guerra", conclui a pesquisadora.

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