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Artista brasileira é destaque na Documenta em 2012

Carlos Albuquerque17 de junho de 2012

A instalação "Here & There" (Aqui e ali) de Anna Maria Maiolino é uma das obras mais comentadas da 13ª edição da maior exposição mundial de arte contemporânea, que acontece a cada cinco anos em Kassel, na Alemanha.

Foto: Carlos Albuquerque

Situada nos limites de um parque Karlsaue, a casinha de jardineiro ocupada pelo trabalho de Anna Maria Maiolino fica bem próxima de onde moravam os Irmãos Grimm. E não é difícil perceber a atmosfera onírica que permeia o local, repleto de obras de arte da Documenta deste ano.

Numa espécie de trabalho de arte total, a artista de origem italiana usou todos os espaços da casa do jardineiro, preenchendo-os do porão ao sótão com argila modelada, vozes e cheiros, interligando espaços internos e externos, e enriquecendo o entorno com sons de pássaros brasileiros provenientes de instrumentos indígenas. Segundo Maiolino, aquele seria um "espaço a ser tomado de forma poética e a favor da vida".

Maiolino disse que fazer esse trabalho foi algo muito "prazenteiro". E foi com grande prazer que a DW Brasil conversou com a artista em seu ateliê, em São Paulo, sobre a exposição na Alemanha, sua obra e sua vida.

Anna Maria Maiolino mora no Brasil desde os anos 1960Foto: L. Gonzaga

"Tenho 50 anos de trabalho e 70 de idade. Sou uma artista dos anos 1960, que experimentou Super 8, performances, instalações, desenho, escultura, ou seja: eu sou uma pessoa curiosa. Sou uma artista curiosa que vai para as outras mídias, porque isso alarga o discurso da obra quando se vai para outros suportes. Sons já estavam presentes nos Super 8 dos anos 1970, depois foram para alguns vídeos e, no ano retrasado, fiz uma performance na [Fundação] Eva Klabin, utilizando sons.

Então, a Carolyn [curadora da Documenta] me convidou. Ela veio aqui para a Bienal de São Paulo há dois anos. Ela me convidou e sugeriu que gostaria de uma instalação de argila, mas me deixou livre, realmente ela foi super generosa. E por ocasião da inauguração da minha retrospectiva na Fundação Tàpies, em setembro de 2010, ela me pediu para ir até Kassel, para escolher um espaço e conversarmos. Ela me fez conhecer a cidade, eu nunca havia estado em Kassel, nem como convidada, nem como espectadora.

E eu achei que a cidade tinha uma história, que, mesmo que você não queira, bate na memória. Ela me levou para o Breitenau [antigo campo de concentração nazista], que foi um mosteiro, que foi sede da Gestapo, reformatório de meninas e que agora é um manicômio aberto e um museu. E depois passeamos um pouco pela cidade, até que eu cheguei naquela casinha, entrando não por onde eles estão fazendo entrar pelo parque, mas pela rua – pela Auerdamm 18 – o que para mim foi um encanto. Porque, passando por lá, ela me disse, apontando para o outro lado do parque: "Aqui moraram os irmãos Grimm".

Em 'Aqui e ali', Anna Maria Maiolino ocupou todos os espaços da antiga casa de jardineiroFoto: Carlos Albuquerque

Eu já estava saindo do terror do espaço do Breitenau, com toda a responsabilidade que se sente perante a opressão e perante o fato de os poderes, alemães ou não, tenderem sempre a colocar a cabeça das pessoas naquilo que eles acham que é normalidade, num molde. E na verdade se trata de uma esquizofrenia dos poderes. Eu estava muito impactada, e fiquei pensando nas fábulas dos Irmãos Grimm, que são maravilhosas, mas também terrorizam, pois criança morre de medo.

Então quando vi aquela casinha, pensei: eu quero essa casa, porque é um espaço a ser tomado poeticamente a favor da vida. Eu disse a Carolyn: "Tudo bem, você quer instalação de argila, eu a farei, mas eu quero me divertir, eu quero fazer trabalhos novos". E, na última hora, quando vi os pregos que não mexi e que eu tinha umas fotos de ovos que eu estava levando para outra pessoa, acabei emoldurando e pendurando nas paredes, e coloquei o filme "+ - = -", feito no fim da ditadura militar no Brasil.

Porque na verdade eu estava querendo falar do embrião, do ovo como símbolo arquétipo por excelência da vida, que se renova, que apesar de tudo, resiste. Tanto é que naquele vídeo não há ganhadores. Foi um momento político do Brasil que, de certa maneira, foi tétrico como Breitenau. Então, na verdade, o trabalho em si, é um trabalho político em certas questões conceituais.

O ente operante: Maiolino preencheu todos os espaços do térreo com formas de argilaFoto: Carlos Albuquerque

Nele se tem um ente operante que é o térreo, onde fundamento toda a minha experiência do gesto primeiro da mão nessas formas básicas, que são iguais ao que o padeiro realiza, que depende da metáfora do espectador, que depende de onde estão colocadas. O espectador pode encontrar alimentos, e se estão no chão, dependendo do tamanho, ele pode encontrar fezes. Porque as massas úmidas e básicas na forma são parecidas.

Mas, para mim, o trabalho é a presença da energia gasta durante a realização dessas formas básicas iguais e diferentes, que são pulsões, portanto são natureza. São produto da natureza de quem a faz. Elas não se repetem, porque nenhum indivíduo faz uma vírgula igual a outra.

Então, nessa direção, digamos, é que o Deleuze aparece – igualdade e diferença. E aí foi ocupar a casa como estava. Alguma mobília já existia, fiz uma limpeza muito superficial, porque não queria que a casa mudasse de aspecto. Eu ocupei – aí vem uma questão: eu também tenho uma memória. Sou calabresa de nascimento, apesar de estar no Brasil há mais de 50 anos, há um lado meu atávico.

Vídeo de Maiolino remonta o fim da ditadura no BrasilFoto: Carlos Albuquerque

Eu sou a última de dez filhos. Minha mãe hoje teria 112 anos. Eu nasci durante a guerra, sou de 1942. E, obviamente, na minha casa quando vinha muita gente, toda a superfície possível – a cama, etc. – era tomada pela pasta feita em casa. E claro que a argila tem toda essa relação com a massa feita em casa. E então ocupei todas as superfícies possíveis da casa.

Mas na verdade é o espectador que encontra o seu próprio fazer do cotidiano, porque quando se está diante de uma entropia, de uma energia gasta visível, eu espero que o espectador faça dele aquele trabalho e se reconheça como um trabalhador, como um trabalhador prazenteiro, porque a argila é extremamente lúdica e extremamente prazerosa. E tem mais, a argila tem em si todas as formas.

Ela carrega em si a possibilidade de múltiplas formas, porque, arquetipicamente, ela remete até Adão. E, ancestralmente, essas formas primeiras remontam ao primeiro gesto realizado pelos nossos antepassados, quando deixaram a boca e fizeram da mão uma ferramenta, criando suas culturas.

Andar superior exala perfume de pinho usado por mãe da artistaFoto: Carlos Albuquerque

Então, é claro que essa instalação Here & There – que são dois advérbios, porque eu estou ocupando o interior e o exterior da casa – é um trabalho, a meu ver, simples e complexo. Por outro lado, eu junto toda a minha poética desses 50 anos aí.

E lá em cima eu resolvi criar um espaço ambivalente. Há uma ambivalência espacial, o interior sugere o jardim, que tem os pios, que também foi uma coisa que logo senti que eu tinha que ocupar com alguma vitalidade brasileira. Os pios vêm de instrumentos artesanais. Trabalhei com a Sandra Lessa e Tânia Piffer no som e na edição que fiz junto com elas e com o Mateus Pires, que me ajuda com som e imagem no ateliê.

Quando cheguei a Kassel era inverno, eu não ouvia os passarinhos de Kassel piar. E achei aquela paisagem linda, mas extremamente monótona, e também triste, como se exalasse todo o sangue, todo o passado de Kassel naquela monotonia. Eu queria trazer algo vivo, eu queria falar de vida, mesmo que eu fale de morte no meu poema, lá em baixo, que é muito paradoxal.

Obra reúne toda a poética dos últimos 50 anos, diz artistaFoto: DW/C. Albuquerque

O poema Eu sou Eu é uma total subjetividade, onde eu espero que na minha subjetividade, na minha emoção, o Outro se encontre. Eu falo de certo espanto diante das coisas do mundo, e ao mesmo tempo são pensamentos poéticos e filosóficos que qualquer criança faz.

Como é que eu vou contar as estrelas? É impossível. Eu disse no poema, a minha matéria é a mesma matéria das estrelas. São essas coisas que qualquer criancinha se pergunta e que o ser humano até a morte vai se perguntando.

E falo de ciclos. Na verdade, a argila cumpre o seu destino: ela petrifica e volta a ser pó, e colocando água, ela volta a ser uma boa massa, para seguir trabalhando. E lá em cima, os pinhos também vão voltar para a terra. E, na verdade, o ovo, em sua simbologia, também fala de ciclos. É por aí que a coisa vai, ela não é linear. Eu trabalho por metáforas e analogias. Mesmo o título não significa nada, não esclarece nada, ele aponta lugares: Here & There."

Entrevista: Carlos Albuquerque
Revisão: Mariana Santos

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