Em Kassel, exposição "Tupi or not tupi" abre espaço para artistas textuais alemães se expressarem a partir do conceito de antropofagia cultural, criado pelo poeta paulistano.
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Quando o poeta paulistano Oswald de Andrade morreu, em 1954, seu trabalho estava praticamente esquecido, e o autor se tornara uma figura marginal dentro do próprio movimento artístico que ajudara a criar. Isso começou a mudar pouco depois, quando em 1956 os poetas paulistanos do Movimento da Poesia Concreta o elegeram um de seus guias e, uma década mais tarde, o mesmo ocorreu com os artistas da Tropicália. O próprio Oswald de Andrade profetizara que um dia as massas comeriam seu biscoito fino.
Hoje em dia é difícil pensar a cultura brasileira do pós-Guerra sem a influência de seu conceito de "antropofagia cultural". Oswald de Andrade, em muitos aspectos, fundou nosso pensamento pós-colonial, mas diferentemente do que viria a ser conhecido justamente como pensamento pós-colonial no pós-Guerra a partir do trabalho de filósofos africanos e asiáticos nos vários movimentos de independência do século 20, o paulistano deu-nos armas adaptadas para a realidade das Américas, onde os movimentos de independência haviam ocorrido um século antes e, principalmente, onde os povos autóctones do território não haviam reconquistado sua autonomia, expulsando os invasores e colonizadores, mas onde os netos e bisnetos e tataranetos dos colonizadores haviam simplesmente nacionalizado a máquina colonial.
Foi o próprio Oswald de Andrade quem também falou de uma poesia brasileira de exportação. Após levar as massas a comerem seu biscoito fino em território nacional, talvez tenha chegado a hora desta segunda profecia se realizar. Ao menos aqui na Alemanha. Nesta quinta-feira abre-se uma exposição em Kassel intitulada Tupi or not tupi. Anthropophagische Poesie por ocasião do 8º Kasseler Komik-Kolloquiums (Colóquio da Sátira de Kassel), na qual poetas e artistas alemães trabalharão com o conceito de poesia antropofágica, expondo trabalhos do trio and-or (René Bauer, Beat Suter e Mirjam Weder) e ainda de Steffi Jüngling, Dagmara Kraus, Jürgen O. Olbrich, Carola Ruf e Gregor Weichbrodt.
É interessante ver Oswald de Andrade neste contexto, ele que talvez tenha sido um dos grandes autores satíricos do século 20 brasileiro, com retratos impiedosos da burguesia paulistana em um romance experimental como 'Memórias sentimentais de João Miramar' ou na peça teatral 'O Rei da Vela'. A exposição tem curadoria de Friedrich W. Block, que conhece bem a poesia brasileira, já escreveu sobre Oswald de Andrade e trabalhou com o poeta brasileiro André Vallias.
O comunicado de imprensa da exposição descreve assim a "poesia antropofágica": "uma arte da linguagem que devora textos e imagens existentes para transformá-las em algo novo", relatando a viagem fatídica de Hans Staden ao Brasil e sua quase-devoração pelos tupinambás e declarando-se uma homenagem a Oswald de Andrade e seu Manifesto Antropófago de 1928.
Esta exposição chega logo após as publicações recentes de Oswald de Andrade na Alemanha, graças aos esforços de Oliver Precht, que traduziu e comentou primeiramente os manifestos e logo em seguida o denso e importante A crise da filosofia messiânica, ambos lançados pela editora Turia + Kant. O mesmo tradutor lançou no ano passado o livro de ensaios de Eduardo Viveiros de Castro, A inconstância da alma selvagem. Bom ver os alemães devorando Oswald de Andrade, aquele biscoito finíssimo.
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Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
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Grandes nomes da literatura brasileira
Com influência multicultural, autores abordam de temas político-sociais a intimistas e autobiográficos. Nomes como Clarice Lispector, comparada a Kafka, e Paulo Coelho com sua busca espiritual, exemplificam diversidade.
Foto: Getty Images
Mestre do realismo
Vindo de família simples, Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 1839. Começou a carreira literária colaborando com jornais e revistas. Sua obra inclui os clássicos "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro", romances marcados pelo realismo. Machado de Assis foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e é considerado o maior escritor brasileiro.
Foto: Marc Ferrez/Instituto Moreira Salles
Representante do Nordeste
Nascido na Bahia em 1912, Jorge Amado foi traduzido para 49 idiomas e publicado em mais de 50 países. Entre seus romances mais conhecidos, estão "Capitães de Areia" e "Gabriela, Cravo e Canela", que retratam a realidade social baiana, marca da obra do autor. Foi membro da ABL, recebeu o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra e o título de doutor honoris causa pela Universidade de Sorbonne.
Foto: Getty Images
Kafka brasileira
A ucraniana Clarice Lispector chegou ao Brasil com um ano de idade, em 1926. Após o primeiro romance, "Perto do Coração Selvagem", vieram clássicos como "A Hora da Estrela e "A Paixão Segundo G.H.", marcados pela temática existencial e psicológica. Traduzida para diversos idiomas, foi descrita como o Kafka da ficção latino-americana no "New York Times" e biografada pelo americano Benjamin Moser.
Foto: Divulgação
Uma pedra no meio do caminho
Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902, foi cronista, contista e tradutor, mas foi como poeta que ganhou fama. Sua poesia divide-se em fases: irônica ou gauche; social; filosófica; nominal; e das memórias. Um de seus versos mais célebres é "Tinha uma pedra no meio do caminho", do polêmico poema "No meio do caminho". O influente poeta brasileiro foi traduzido para mais de dez idiomas.
Foto: Editora Record
Repórter de guerra
O escritor, professor, sociólogo, engenheiro e repórter Euclides da Cunha nasceu em 1866. Como correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", cobriu a Guerra de Canudos, travada entre o Exército e sertanejos no interior da Bahia. A partir daí nasceu sua obra-prima: "Os Sertões". O livro de cunho sociológico foi traduzido para vários idiomas, entre eles alemão e inglês.
Foto: gemeinfrei
Conhecedor do sertão
Guimarães Rosa, nascido em 1908, ingressou na faculdade de Medicina com apenas 16 anos. Foi como médico que conheceu a realidade dos sertanejos, retratada em seus contos, novelas e no romance “Grande Sertão: Veredas”. Sua coletânea de contos “Sagarana” é considerada um dos volumes mais importantes da ficção brasileira do século 20. Pelo conjunto de sua obra, Rosa recebeu o Prêmio Machado de Assis.
Foto: Ed. Nova Fronteira
Ventos do sul
Nascido em 1905, Erico Verissimo desenvolveu já na infância o interesse pelos clássicos da literatura. Nos anos 1940, lecionou literatura brasileira nos EUA e começou a escrever a obra-prima "O Tempo e o Vento". A trilogia, que tem como pano de fundo a história de seu estado natal, Rio Grande do Sul, levou 15 anos para ficar pronta, virou série de televisão e foi traduzida para vários idiomas.
Foto: Companhia das Letras/Leonid Streliaev
Um brasileiro em Berlim
João Ubaldo Ribeiro nasceu na Bahia em 1941. Do nordeste brasileiro, o escritor preocupado com a identidade nacional partiria para o mundo. A carreira literária o levou aos EUA, a Portugal, à Alemanha. Dos 15 meses como bolsista do DAAD, saíram as crônicas reunidas no bem-humorado livro “Um brasileiro em Berlim“. Vários de seus livros foram publicados em alemão, incluindo “Viva o povo brasileiro“.
Foto: Bruno Veiga
Primeira presidente dos imortais
A carioca Nélida Piñon, nascida em 1937, foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Formada em jornalismo, teve seu contos, ensaios e romances traduzidos em vários países, inclusive Alemanha, e ocupou cátedras em diversas universidades estrangeiras. Entre os prêmios recebidos, está o Jabuti, pelo livro "Vozes do Deserto", que tematiza a mulher no mundo árabe.
Foto: Divulgação/Editora Record
Versos sujos e melódicos
Ferreira Gullar nasceu no Maranhão em 1930 e vive no Rio de Janeiro. Publicou o primeiro livro de poesia aos 19 anos. Membro do Partido Comunista, foi preso na ditadura e, durante o exílio, escreveu seu livro mais conhecido: “Poema Sujo“. Marcado pelas lembranças da infância, o cotidiano da cidade e a riqueza rítmica e melódica, o livro é considerado um dos mais importantes da poesia brasileira.
Foto: José Olympio Editora/Cristina Lacerda
Entre o mundo árabe e o amazônico
Filho de libaneses, Milton Hatoum nasceu em Manaus em 1952. Formado em Arquitetura, morou em Madri, Barcelona e Paris. De volta à Amazônia, publicou o primeiro romance: "Relato de um Certo Oriente". Já doutor em teoria literária, escreveu "Dois irmãos", trama sobre uma família libanesa que vive em Manaus. Estes e os livros seguintes receberam diversos prêmios e foram publicados em 14 países.
Foto: DW
Sucesso com a busca espiritual
Paulo Coelho, nascido em 1947, iniciou a carreira literária nos anos 1980. Da peregrinação pelo Caminho de Santiago, resultou o primeiro romance de destaque: "O Diário de um Mago". A busca espiritual continuou em "O Alquimista", livro brasileiro mais vendido de todos os tempos e mais traduzido no mundo (69 idiomas). Sua literatura, alvo de polêmica, lhe rendeu dezenas de prêmios e condecorações.