Decreto proíbe conteúdos que sejam "obscenos", "vulgares" ou "prejudiciais aos valores éticos e culturais". Jurista fala em censura prévia, e Anistia Internacional critica restrições à expressão artística.
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A cena artística de Cuba está em alvoroço. Como parte da campanha #NoAlDecreto349, artistas estão organizando abaixo-assinados, recitais e concertos, enviando cartas abertas ao governo e divulgando vídeos de rap no YouTube.
Um deles, a curadora Yanelys Núñez, lambuzou-se com excrementos numa ação performática diante do Parlamento cubano, após a prisão de seu companheiro, Luis Manuel Otero, que originalmente deveria ter realizado a performance artística.
As ações de protesto dos artistas se dirigem contra o Decreto 349. Trata-se de uma censura prévia sistemática a qualquer iniciativa cultural independente que escape do controle do Estado, afirma a advogada cubana Laritza Diversent, que, a partir do exílio, presta assessoria legal ao movimento de protesto.
O decreto, assinado pelo novo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, em abril de 2018 foi publicado em julho e deverá entrar em vigor em dezembro. A partir de então, a realização de qualquer atividade artística no espaço público ou privado, seja ela organizada de forma estatal ou não estatal, ficará sujeita à avaliação prévia e à aprovação pelo Ministério da Cultura, como também à apreciação posterior de "tutores" e inspetores independentes.
Segundo a Anistia Internacional, as disposições do Decreto 349 são "restrições vagas e excessivamente amplas à expressão artística". O decreto proíbe conteúdos que sejam "obscenos", "vulgares" ou "prejudiciais aos valores éticos e culturais", como também "qualquer outro conteúdo que viole as leis que regem o desenvolvimento normal de nossa sociedade em questões culturais".
O decreto inclui ainda questões que, até agora, haviam sido abordadas somente de forma parcial pela legislação cubana, como a punição da discriminação por motivo de deficiência, raça, sexo ou orientação sexual. "O instrumento da censura prévia não é adequado para tais coisas", considera Diversent.
Além disso, o decreto atinge não apenas os artistas, mas todos os cidadãos, pois "limita a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e ideias de todos os tipos", incluindo a liberdade de expressão, acrescenta Diversent. "O Estado não deve definir o que é arte ou não", afirma a advogada.
Desde a publicação do decreto, artistas que se manifestam contra a medida têm sido detidos de forma arbitrária, intimados diariamente a comparecer à polícia, obrigados a pagar multas e seus telefonemas foram interceptados, denunciam Yanelys Núñez e Luis Manuel Otero. Famílias têm sido ameaçadas de confisco de suas casas ou perda de seus empregos, afirmam.
Otero adverte que o decreto pode vir a criminalizar e a abolir a liberdade artística, como no caso da galeria de arte El Círculo, de Lía Villares e Luis Trápaga, que sofreu um ataque no início deste ano. O festival Poesía sin fin, de Amaury Pacheco, ou o projeto Incubación, do rapper Soandry del Rio, já caíram na mira das autoridades, diz o artista.
Futuramente, o governo pode vir a rejeitar iniciativas e expressões artísticas por serem "contraculturais" ou "controversas", como acontece atualmente com o reggaeton ou como ocorreu no passado com a rumba, aponta Otero.
"Arte ruim" e "estética falsa"
O governo chama os manifestantes de "artistas" – com aspas. Um artigo da revista cultural pró-governo La Jiribilla refere-se a eles como artistas amadores que ocupam o espaço público e "ridicularizam a difícil tarefa da educação cultural".
O autor do artigo insinua que os oposicionistas são financiados a partir "do exterior" e que o decreto protegeria os "verdadeiros artistas" de "charlatões, da arte ruim e da estética falsa".
Nos últimos anos, o governo cubano proibiu a exibição de filmes e documentários polêmicos, como Santa y Andrés, de Carlos Lechuga; Quiero hacer una película, de Yimit Ramírez; ou Nadie, de Miguel Coyula.
Eventos culturais independentes, como o festival de hip hop no distrito de Alamar, em Havana, e o festival de música eletrônica na praia de Rotilla, foram suspensos.
Otero e Núñez dizem temer que, com o Decreto 349, a velha máxima da política cultural cubana extraída de um discurso do ex-presidente Fidel Castro de 1961 – "Dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nada" – converta-se finalmente em lei.
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Quase nada em Cuba lembra de como era a vida antes dos Castro. O dia 19 de abril de 2018 marca o fim das quase seis décadas de governo dos irmãos Fidel e Raúl.
Foto: Reuters
1959 - A revolução triunfa
O rebeldes liderados por Fidel Castro chegam ao poder depois de derrubar o ditador Fulgencio Batista em janeiro. Os EUA reconhecem o novo governo. Logo, "leis revolucionárias" (como a reforma agrária) afetam empresas americanas. Em dezembro, o presidente republicano Dwight D. Eisenhower aprova um plano da CIA para derrubar Castro em um ano e substitui-lo por "uma junta amiga dos EUA".
Foto: AP
1960 − Aproximação com a União Soviética
Eisenhower proíbe exportações para Cuba (exceto de alimentos e remédios) e suspende a importação de açúcar. Cuba responde nacionalizando bens e empresas americanas e estabelecendo relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética. No funeral das vítimas da explosão do cargueiro francês La Coubre (foto), Cuba responsabiliza a CIA, e Castro lança seu lema "pátria ou morte!"
Foto: AP
1961 − Ruptura e invasão fracassada
Os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e fecham sua embaixada em Havana em 3 de janeiro. Após uma série de bombardeios em aeroportos e incêndios em estabelecimentos comerciais, cuja autoria Cuba atribui aos EUA, Fidel proclama o caráter socialista da revolução em 16 de abril. Entre 17 e 19 daquele mês, cubanos treinados pelos EUA tentam invadir a ilha pela Baía dos Porcos, mas fracassam.
Foto: AP
1962 - A crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", disse em 1960 o líder soviético Nikita Kruchov. Moscou reata relações diplomáticas com Havana e eleva seu apoio. A URSS instala bases de mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a "crise dos mísseis". Moscou cede à pressão de Kennedy em troca de os EUA se comprometerem a não invadir Cuba e desativarem suas bases nucleares na Turquia.
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1971 – Fidel Castro no Chile
O episódio da Baía dos Porcos acelera a proclamação do caráter socialista, marxista-leninista, da revolução. Cuba acaba sendo expulsa da Organização dos Estados Americanos. Castro fica isolado no continente, mas não para sempre. Ele é recebido no Chile pelo presidente Salvador Allende (foto), que iria ser derrubado por Augusto Pinochet em 1973.
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1989 – A hora da Perestroika
A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchov em Moscou marca o início da era da Glasnost e Perestroika. A Cortina de Ferro começa a ruir, e o império soviético se esfacela. Cuba perde sua principal base de sustentação no exterior, entrando em crise aguda. Milhares de cubanos tentam fugir para Miami em embarcações precárias. Muitos analistas preveem o fim do regime castrista.
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1998 – Primeira visita do papa
Um decreto de Pío 12 proibia aos católicos o apoio a regimes comunistas. Em virtude disso, o Vaticano excomungou Fidel Castro em janeiro de 1962. Mas, com o fim da Guerra Fria, chega o momento da reaproximação: em 1996, Castro visita o papa João Paulo 2°, e este retribui a visita dois anos depois, em viagem considerada histórica.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
2002 - Fidel Castro e Jimmy Carter jogam beisebol
Desde que os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro, em 1962, houve poucos momentos de distensão entre Washington e Havana. Um deles foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter a Cuba, em 2002, motivada pela intenção de encontrar pontos de aproximação.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
2006 - Fidel e Hugo
A partir dos anos 90, Cuba deixa de ser vista como uma perigosa exportadora de revoluções. Com a derrocada do bloco comunista no Leste Europeu, as ideologias de esquerda entram em crise. Mas, na Venezuela, chega ao poder um novo dirigente, disposto a propagar a "Revolução Bolivariana". Hugo Chávez, declarado admirador de Fidel, passa a dar a Havana um respaldo importante, também na área econômica.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
2006 - A entrega do poder
A doença forçou Fidel Castro a abandonar o poder. Em 2006, ele o deixa nas mãos de seu irmão Raúl, uma garantia de que não haveria reviravoltas num sistema que, apesar dos avanços em educação e saúde, cobrou um alto preço: o da falta de liberdade e repressão. Fidel foi se despedindo do poder aos poucos, defendendo até o fim sua visão, através das páginas do jornal "Granma".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Cristobal Herrera
2014 - Degelo temporário
Em dezembro de 2014, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e o de Cuba, Raúl Castro, anunciaram que retomariam as relações diplomáticas. Obama visitou Cuba em março de 2016. Haviam se passado 88 anos desde a última vez que um presidente americano viajara à ilha. EUA retirou Cuba da lista de terrorismo, dando início ao processo de retomada das relações diplomáticas.
Tantas vezes anunciada e desmentida, a morte do líder foi inicialmente recebida com desconfiança. Entretanto, em 25 de novembro de 2016, os bares fecharam mais cedo e as reuniões de amigos nas ruas se dispersaram com a notícia. Durante anos, Fidel Castro desmentiu rumores de sua morte com a publicação de fotografias ou artigos de opinião.
Foto: Getty Images
2018 – A sucessão
Depois de dez anos, Raúl Castro se retira do poder. Em 19 de abril, o Parlamento cubano elegerá um sucessor que, pela primeira vez em quase 60 anos, não leva o sobrenome Castro: o vice de Raúl, Miguel Díaz Canel. Entretanto, analistas julgam improvável que o curso político em Cuba se modifique logo.