Passados 75 anos da invasão da Normandia pelas tropas aliadas, muitos dos sobreviventes já estão na casa dos 90 anos. Um veterano e moradores da região relembram a batalha que mudou os rumos da Segunda Guerra.
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Um pedaço solitário de concreto na areia da praia de Omaha, na Normandia, foi batizado recentemente pela administração da cidade de Colleville-sur-Mer de Rocha do Ray, lembrando o veterano da Segunda Guerra Mundial, Ray Lambert. O médico usou a rocha para proteger seus pacientes feridos dos tiros alemães 75 anos atrás, durante o ataque do desembarque do Dia D, que libertou a Normandia e mudou os rumos do conflito.
No ano passado, a cidade, que abriga o cemitério americano, colocou uma placa na rocha com o nome de Lambert e de seus colegas médicos. "Eu posso vir aqui e ver meus homens e sei que eles estão sendo lembrados. Seus nomes estão aqui permanentemente agora", diz Lambert diante do monumento. "Alguns têm a minha idade hoje, e muitos deles morreram."
Enquanto os líderes mundiais, incluindo o presidente francês, Emmanuel Macron, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se reúnem nas praias da região para celebrar o 75º aniversário dos desembarques do Dia D, é provável que esta seja a última grande comemoração oficial que conte com a participação de veteranos da Segunda Guerra Mundial, que estão agora na casa dos 90 anos.
Lambert, de 98 anos, retornou ao longo dos anos para falar nessas cerimônias, e ele veio sozinho, disse. "Apenas para estar aqui e olhar para o canal e lembrar dos meus homens", frisa.
Ele ressalta que esta é a última vez que viaja à Normandia. Crescidos na zona rural do estado do Alabama, Lambert e seu irmão Bill se alistaram para o Exército dos EUA. Eles combateram no norte da África em 1943 e depois na Sicília. Ray Lambert foi ferido em ambas as missões e foi condecorado por bravura.
Os irmãos enfrentaram juntos o banho de sangue da praia de Omaha no Dia D, 6 de junho de 1944. "Nós podíamos ouvir as balas nas rampas como se fossem granizo, então sabíamos que quando a rampa caísse balas entrariam e matariam alguns dos nossos homens, mas nós não sabíamos quem", lembra Lambert.
Lambert disse que algo – uma bala ou bomba – atingiu seu cotovelo. Ele mergulhou na água e chegou à praia, onde ficou ainda mais exposto, enquanto tentava ajudar seus companheiros feridos.
"Não havia nada para protegê-los, então eu estava olhando em volta e vi essa pedra e disse aos meus homens que teríamos que colocar aqueles caras atrás da rocha", lembra Lambert.
Lambert e sua equipe de médicos continuaram correndo de volta para a linha de fogo para arrastar soldados feridos para trás do bloco de concreto, mesmo após Lambert ser gravemente ferido, dessa vez na perna. Ele acordou mais tarde em um hospital militar ao lado de seu irmão, que também havia sido ferido.
Em memória dos companheiros
Entre junho e agosto de 1944, cerca de 225 mil militares foram mortos, feridos ou desapareceram na invasão da Normandia, a Operação Overlord.
O irmão de Lambert, Bill, morreu em 2010. Apesar de terem passado por três invasões juntos, ele diz que não discutiram muito entre si sobre a guerra quando esta acabou. Lambert, como muitos veteranos da Segunda Guerra Mundial, também não contava suas experiências aos outros.
Dia D: imagens da Normandia 75 anos depois
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"Então, percebi que se não contasse essas histórias sobre meus homens, eles não poderiam fazê-lo", disse Lambert. "Senti que era minha responsabilidade e obrigação contar às pessoas sobre a guerra e o que eles fizeram."
Agora, a Rocha de Ray vai lembrar Lambert e seus bravos médicos ainda por muito tempo após a morte dele, assim como seu recém-publicado livro de memórias sobre aquele dia horripilante, Every Man a Hero (Todo homem um herói, em tradução livre).
Antes de voltar para os Estados Unidos, Lambert diz que vai tomar um último copo de calvados, o destilado de maçã típico da região. "Eu não sei se vai me curar ou me matar", diz, rindo.
Lembranças de moradores
O número de franceses da região que se lembram do dia em que os aliados chegaram também está diminuindo. Marguerite e Rémy Cassigneul viveram sob ocupação nazista durante quatro anos em Tailleville, nos arredores da praia de Juno, quando os aliados chegaram.
Rémy disse que os alemães fizeram com que os homens vigiassem as ferrovias e cortassem árvores para colocar nos campos para evitar que aviões pousassem. Eles também impuseram um severo toque de recolher às 22h.
Marguerite, então com 17 anos, lembra-se de acordar ao som alto de explosões e tiros. Por volta das 3h, ela e sua família fugiram de casa para se esconder em uma trincheira que haviam cavado, e depois abrigaram-se em um estábulo com cerca de 30 outros.
Às 17h do dia seguinte, uma baioneta apareceu na porta e soldados gritaram para eles em francês, pedindo para levantarem as mãos. O calor da batalha havia diminuído, e os canadenses haviam chegado. Marguerite disse que eles serviram calvados aos soldados.
Eles pensaram que a guerra havia acabado, mas então viram dois soldados canadenses mortos na estrada por metralhadoras alemãs. Os soldados os fizeram deixar suas casas para o caso de os alemães retornarem. Marguerite e sua prima desceram a praia de Juno para ver o resultado da batalha.
"Havia barcos até onde a vista alcançava", disse ela, sentada à sua mesa de jantar em Saint-Aubin-sur-Mer. Aos 92 anos, ela ainda chora ao contar sobre as fileiras de corpos na praia de Juno, onde as tropas canadenses desembarcaram. Desde então, ela não gosta de ir à praia. "Isso vai ficar com a gente", conta. "Ainda hoje, não entendo como as pessoas podem se divertir nas praias."
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No Dia D, as tropas aliadas desembarcaram na Normandia e abriram uma segunda linha de combate contra a Alemanha. Era o início do fim da Segunda Guerra Mundial e um momento histórico do século 20.
Foto: picture-alliance/dpa
O dia decisivo
O dia 6 de junho de 1944 entrou para a história como o "Dia D". Não se sabe se o D vem de "Day" (dia, em inglês) ou de "Decision" (decisão). O certo é que foi uma data decisiva. O desembarque dos Aliados na Normandia abriu uma segunda linha de combate contra Hitler. Era o início do fim da Segunda Guerra Mundial e do domínio nazista.
Foto: Imago
Operação Overlord
Esse era o nome em código da operação militar. As praias em que as tropas desembarcaram na Normandia também foram rebatizadas pelos militares como Utah, Omaha, Gold, Sword e Juno. Quatorze países participaram do histórico desembarque. Além de americanos, britânicos, poloneses, canadenses e franceses, a operação contou com a ajuda da Grécia, da República Tcheca e da Austrália.
Foto: Imago
Comandante supremo
O general Dwight D. Eisenhower foi o comandante supremo das Forças Aliadas no norte da Europa. Mais tarde, ele se tornaria o 34º presidente dos Estados Unidos. Nos meses anteriores ao Dia D, o general já havia comandado o desembarque das tropas aliadas na Sicília e na parte continental da Itália.
Foto: Imago
A manhã de 6 de junho de 1944
Pouco antes do início da planejada operação ultrassecreta Overlord, tempestades e chuvas fortes atingiram a Normandia. O mau tempo forçou os líderes a adiar a invasão para o dia seguinte. Nas primeiras horas da manhã de 6 de junho, começou, então, a maior operação de desembarque da história militar.
Foto: public domain
Muralha do Atlântico
Cerca de 160 mil soldados desembarcaram na Normandia no Dia D. Ao longo da costa, dividida em cinco setores, os homens invadiram fortificações da chamada "Muralha do Atlântico", por trás das quais se entrincheiravam as Forças Armadas alemãs. Desprotegidos, os soldados aliados tiveram de chegar às praias acessíveis por água, para, então, posicionarem-se ali contra a linha de inimigos alemães.
Foto: AP
Heróis paraquedistas
Vistos mais tarde como heróis, poucos paraquedistas sobreviveram. Eles foram os primeiros a desembarcar no interior do território inimigo, ainda no escuro, na noite anterior ao ataque. A missão era conquistar posições-chave. Além de pintar o rosto como forma de camuflagem, alguns deles também fizeram pinturas de guerra e de moicanos para trazer sorte.
Foto: Imago
Ataque vindo do céu e do mar
Inicialmente, as praias da Normandia foram bombardeadas pelos Aliados. No interior do país, pousavam milhares de paraquedistas. Em seguida, mais de mil navios de guerra e quase 4,2 mil lanchas de desembarque chegaram à costa francesa. Milhares de aviões e tanques também foram utilizados na operação, e uma chuva de bombas caiu sobre vilarejos, especialmente nas áreas ocupadas pelos alemães.
Foto: picture-alliance/akg-images
Suprimentos para os próximos dias
Como parte da bem-sucedida operação militar na Normandia, depois do desembarque, os Aliados instalaram dois portos para navios de transporte na costa da região. Um desses cais provisórios, cujas peças foram trazidas da Inglaterra, foi o porto de Mulberry, instalado em Colleville pouco depois da invasão (foto).
Foto: Getty Images
Pegos de surpresa
Entre os motivos para o sucesso da operação Overlord está o fato de o comando alemão ter sido pego de surpresa pelo desembarque dos inimigos na Normandia. Os Aliados haviam feito de tudo para que a Alemanha nazista pensasse que Calais, região mais ao norte, seria alvo de uma invasão numa data posterior.
Foto: AP
Líderes nazistas de férias
Sem saber o que estava por vir, algumas das lideranças das Forças Armadas alemãs estavam de férias quando ocorreu o desembarque na Normandia. O general Erwin Rommel, por exemplo, festejava o 50º aniversário de sua esposa no sul da Alemanha. Na foto, as tropas alemãs na costa da Normandia, em 1940 – sem fazer ideia de que, quatro anos mais tarde, seriam derrotadas no mesmo local.
Foto: Imago
A reação do Führer
Em 6 de junho de 1944, Hitler estava em Obersalzberg, no sul da Alemanha. De acordo com a revista "Der Spiegel", militares informaram o Führer sobre o desembarque dos Aliados somente por volta das 10h. Ninguém teria tido coragem de acordá-lo. Ao saber, Hitler teria exclamado euforicamente: "A notícia não poderia ser melhor. Agora os ingleses estão finalmente no local onde podemos derrotá-los".
Foto: picture-alliance/akg-images
Mais 11 meses
Apesar de o desembarque dos Aliados na Normandia ter sido um dos momentos cruciais para o fim da Segunda Guerra Mundial, ainda demorou 11 meses para que o conflito terminasse na Europa. Muitos dos soldados que lutaram no Dia D foram enviados depois para o conflito que teve como palco a região Ásia-Pacífico, onde a guerra se estendeu até setembro 1945.
Foto: AP
Heróis da guerra
Cerca de 57 mil soldados aliados foram mortos durante a Operação Overlord. Outros 155 mil ficaram feridos, e 18 mil, desaparecidos. Do lado das forças alemãs, 200 mil soldados morreram em combate. O dia em que os Aliados desembarcaram na Normandia é comemorado até hoje. Todos os anos, representantes dos países que protagonizaram a guerra e veteranos se encontram para celebrar o Dia D.
Foto: AP
Hoje vizinhos e amigos
A primeira vez que um chefe de estado alemão participou das comemorações do Dia D foi em 6 de junho de 2004. Durante o evento em Caen, o então chanceler federal Gerhard Schröder pediu que as vítimas da guerra não fossem esquecidas. E acrescentou: "Não é a velha Alemanha, daqueles anos sombrios, que eu represento", abraçando, em seguida, o então presidente francês, Jacques Chirac.
Foto: picture-alliance/dpa
Cemitérios de soldados
Vários cemitérios veneram os soldados mortos na invasão, tanto das tropas aliadas quanto de alemães. No cemitério americano de guerra de Colleville sur Mer (foto), perto de Omaha Beach, estão os restos mortais de 9.387 militares americanos. A maioria morreu durante a invasão propriamente dita e as operações militares subsequentes na Segunda Guerra Mundial.