Um dos maiores nomes do piano preparado na atualidade, músico alemão é responsável por um dos discos mais interessantes de 2014, o conceitual "Abandoned City".
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Um disco conceitual sobre cidades abandonadas ao redor do mundo, no qual o piano é tocado com a simetria e a repetição da música eletrônica e o som por ele produzido é modificado com os mais diversos objetos – parece complicado, mas Abandoned City, o mais recente trabalho de Volker Bertelmann, conhecido como Hauschka, é uma viagem envolvente.
"A música eletrônica vem se tornado muito abstrata e, consequentemente, fria. A música clássica alemã antiga é muito emocional, o que pode se tornar kitsch. Gosto de criar atmosferas e deixar pequenos espaços para as pessoas criarem sua própria interpretação", explica Hauschka, em entrevista para a DW Brasil.
Piano preparado
Hauschka descobriu o piano aos 8 anos. Durante a adolescência, fez parte de várias bandas de rock. Mais tarde, largou os estudos em Colônia para se dedicar integralmente à música. Nos anos seguintes, ao lado do tio, montou a banda de hip hop God's Favorite Dog. O grupo alcançou relativo sucesso, assinou com uma grande gravadora e se apresentou dentro e fora da Alemanha.
"O chato do mainstream é que o mais importante é o dinheiro, e não a música. As pessoas não vão ao seu show porque gostam de você como artista, mas para se divertir. Se você desaparecer, será logo substituído. Quero primeiro fazer minha música e, se o público quiser se unir à minha viagem, será maravilhoso", diz o alemão.
Com o fim do contrato com a gravadora, ele decidiu trabalhar apenas com música que "não tem forma". Hauschka começou então a se aventurar por labirintos eletrônicos, e assim nasceu seu interesse pela técnica do piano preparado, onde objetos são colocados nas cordas do instrumento para produzir efeitos sonoros.
"Eu gostava de música pop, nunca tive contato com o avant-garde. Quando comecei a fazer música eletrônica com o piano, pensei que tinha que colocar algo nas cordas. Percebi que conseguia criar o som de uma orquestra inteira só com o piano. Isso se tornou um processo interessante e divertido", diz o músico, que já usou objetos inusitados, como vibradores, nas cordas de seu piano.
Trilha sonora intuitiva
Lançado no começo do ano, Abandoned City é possivelmente o disco mais completo do músico. Nele, Hauschka aperfeiçoa sua técnica e suas inspiradas composições, executadas somente por ele no piano e que soam como uma orquestra completa, ou uma banda de música eletrônica.
"Eu compus todas as músicas e criei os sons. Eles tinha uma conexão muito forte com algo dentro de mim que eu não sei descrever. Muitas vezes não procuro um tema, escrevo o que vem de dentro de mim. Acredito na intuição", explica.
Sua eloquência, vinda da música eletrônica, cria a trilha sonora ideal para suas cidades abandonadas, dando corpo e alma ao conceito por trás do álbum. Cada uma das faixas ganhou o nome de uma cidade desabitada.
"Quando terminei o disco, fui à casa de um amigo, e ele tinha a foto, que agora ilustra a capa do disco, na parede. Era um estacionamento abandonado em Las Vegas. Fiquei fascinado pela tristeza e solidão que via, mas também havia esperança. Quando estava escrevendo aquelas músicas, sentia-me triste, mas, ao mesmo tempo, realizado", diz Hauschka.
O alemão também utilizou suas técnicas na composição da trilha sonora do filme Praia do futuro, do brasileiro Karim Aïnouz, mas com outros temperos. "Ele viaja muito entre o Brasil e a Alemanha e, de alguma maneira, transporta muita informação. Não sou especialista, mas adoro a emoção da música brasileira, especialmente a música da Bahia", completa.
Os destaques da música pop alemã em 2014
Entre bandas consagradas, música experimental e uma nova onda sonora, 2014 foi um ano em que artistas promissores chegaram à maturidade e a música pop apontou para um futuro promissor.
Foto: Pressebild
"Libertatia" - Ja, Panik
Em seu último disco, o Ja, Panik se libertou de todas as amarras que envolviam seu competente indie rock para criar um álbum surpreendente e descompromissado. "Libertatia" é uma utópica colônia fictícia criada em Madagascar no final do século 17, mas também um mistura de ritmos (new wave, soul, pós-punk e sintetizadores) e idiomas (alemão, inglês, francês). Não deixe de ouvir "Dance de ECB".
Foto: Pressebild
"Ein leichtes Schwert" - Judith Holofernes
Antes de se tornar vocalista do Wir Sind Helden, Judith Holofernes já havia lançado um disco solo, em 1999. Mas "Ein leichtes Schwert" é sua estreia na maturidade. A berlinense consegue fazer um disco tão charmoso quando sua singular voz e, as letras em alemão são pequenos contos sobre amor e decepção temperados com guitarras, teclados e até acordeão. Não deixe de ouvir "Pechmarie".
Foto: picture-alliance/dpa
"Streetlife" – Von Spar
Com mais de dez anos de estrada, o Von Spar chega ao seu quarto disco sendo aclamado por ícones da música alemã, como Irmin Schmidt e Jaki Liebezeit do Can. "Streetlife" faz jus à tradição musical de Colônia e funde criativamente Krautrock, ambient pop e os sensíveis vocais dos convidados Marker Starling, Ada e Scout Niblett. Não deixe de ouvir "Chain of command".
Foto: Markus Feger
"In Schwarz" – Kraftklub
O novo disco dos meninos de Chemnitz pode soar como mais do mesmo, mas prova que a formula de misturar guitarras pungentes, ao estilo de bandas como Bloc Party e The Hives, com um vocal rap cheio de ironia e letras em alemão ainda funciona muito bem. "In schwarz" ironiza o sucesso do primeiro disco da banda e traz ótimas canções. Não deixe de ouvir "Unsere Fans".
Foto: universal
"Nackte Angst zieh dich an wir gehen aus" – Jens Friebe
O novo disco de Jens Friebe trata de extremos. Temas como o fim do mundo, da vida, da perspectiva revolucionária se misturam com sua capacidade de unir diferentes influências e criar uma sonoridade única. "Nackte Angst zieh dich an wir gehen aus" é uma combinação de rock, pop, punk e schlager. Não deixe de ouvir "(I am not born) for plot-driven porn".
Foto: Mikko_Gaestel
"Zum Glück in die Zukunft II" – Marteria
Há algo singular no hip hop feito em Berlim. A cadência do rap mistura a linguagem das ruas com batidas que englobam as influências multiculturais da cidade, além de um tempero dançante. Antes de ingressar no mundo da música, Marteria foi modelo e jogador de futebol. O bem sucedido "Zum Glück in die Zukunft II" colocou o rapper no primeiro time do gênero na Alemanha. Não deixe de ouvir "OMG!".
Depois de um hiato de seis anos, o novo disco do The Notwist é um casamento cativante e imprevisível de uma elaborada programação eletrônica com instrumentos tocados com experiência e paixão. Formado no final dos anos 1980 pelos irmãos Markus e Michael Archer, a banda da Baviera ainda é um dos grupos alemães de maior sucesso no circuito alternativo internacional. Não deixe de ouvir "Kong".
Foto: Jörg Koopmann
"Abandoned City" – Hauschka
A nova empreitada de Volker Bertelmann, também conhecido como Hauschka, é um disco conceitual, no qual cada faixa ganhou o nome de uma cidade abandonada ao redor do mundo. "Abandoned City" pode ser encarado como a trilha sonora desses lugares esquecidos pelo tempo e pelas pessoas – ou apenas como um bom disco para quem gosta de música eletrônica. Não deixe de ouvir "Agdam".
Foto: Pressebild
"Howl" – Mighty Oaks
Mighty Oaks é um produto tipicamente berlinense. O trio formado pelo italiano Claudio Donzelli, o inglês Craig Saunders e o canadense Ian Hooper tem visual hipster lenhador, faz um emocional indie folk "alternativo" e ganhou notoriedade primeiramente na internet. "Howl" levou o grupo para a parada de sucessos na Alemanha, na Áustria e na Suíça. Não deixe de ouvir "Seven days".
Foto: Pressebild
"Keine Bewegung" (Compilação)
Há uma dose excitante de ironia por parte da gravadora Staatsakt ao chamar sua coletânea de "Keine Bewegung" (Sem movimento). Essas 15 canções mostram que a música alternativa alemã está se movendo em novas direção, buscando inspiração no passado e olhando para o futuro. Além das ótimas faixas de Trümmer, Zucker, Messer (foto) e Die Nerven, não deixe de ouvir "Pisse", do Schnipo Schranke.