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As charges de Maomé e o princípio liberdade

Uta Thofern (av)21 de fevereiro de 2006

Há semanas escala o "conflito das charges". Aumentam as ações violentas contra símbolos ocidentais no mundo islâmico. Porém as reações na Europa são mais do que tímidas. Uma análise de Uta Thofern.

Protestos diante da embaixada dinamarquesa em BerlimFoto: AP

Na Dinamarca os operários de uma fábrica de laticínios são demitidos; na Rússia a redatora-chefe de um jornal de província teme por seu emprego; na capital alemã, Berlim, um desenhista abandona em sigilo seu apartamento. As vítimas da ira fundamentalista estão entre nós, porém a solidariedade não se faz presente. Pelo contrário: onde há reações sociais, percebe-se uma brutal mistura de acusação e autoacusação.

Era preciso mesmo publicar as charges de Maomé na Dinamarca? Não estava claro que no Islã a representação do profeta é estritamente proibida? E os dinamarqueses não estão colhendo o que plantaram? Afinal de contas, elegeram um premier que não preenche os critérios do politicamente correto. Sem falar nos jornalistas e caricaturistas que continuam divulgando desenhos com alusões religiosas, jogando assim mais lenha na fogueira, como se o Ocidente não já tivesse ofendido bastante o mundo islâmico.

Perguntas como essas revelam um profundo complexo de culpa, e ao mesmo tempo o desejo de se purificar através de atos substitutivos. Pior ainda: perguntas que implicam serem justificadas as – francamente exageradas e manipuladas – reações islâmicas.

Liberdade em jogo

Os cristãos crêem que Jesus morreu por seus pecados, na cruz, redimindo-os dessa forma. Os adeptos de um modelo ocidental de tolerância acreditam, ao que tudo indica, que operários demitidos e um caricaturista fugindo de ameaças de morte possam ser a penitência pelos – indiscutíveis – erros da política ocidental em relação às nações islâmicas.

Porém o que está em jogo aqui é nada mais, nada menos do que a nossa liberdade. Nada, mas nada mesmo, pode justificar o desavergonhado abandono dos princípios constitutivos da democracia, muito menos o desprezível desejo de salvar a própria pele.

Onde estão as manifestações de solidariedade com o desenhista berlinense ameaçado? Quem protesta contra o cerceamento da liberdade de imprensa na Rússia, sob a capa da tolerância religiosa? E quem conclama a União Européia a prestar ajuda econômica à Dinamarca, prejudicada pelos boicotes? No tocante à liberdade de opinião, temos que ser todos dinamarqueses.

Porém a maioria se cala. Afinal, quem se pronuncia pode tornar-se, por sua vez, alvo da agressão fundamentalista, pelo qual seria, ainda por cima, ele próprio o culpado – seguindo a lógica dos pregadores da corretude política.

Contenção comprometedora

Note-se bem: não se trata de participar de provocações religiosas. Também não se trata de exigir da política soluções baratas: na Europa, as reações políticas foram, na maior parte, adequadas. Não, o que falta é uma revolta pública pela liberdade de opinião, a consciência de que a defesa dos próprios princípios não se dirige necessariamente contra os outros.

Quem declara a guerra das culturas não é aquele que, tranqüilo e sóbrio, defende seus próprios valores, numa competição justa, mas sim quem, por medo da derrota já capitula de antemão. A covarde contenção da sociedade ocidental não contribui para a pacificação do conflito; pelo contrário, ela reforça a impressão dos fundamentalistas de que o Ocidente não tem princípios, cabendo portanto combatê-lo e derrotá-lo.

E essa contenção enfraquece as forças moderadas no mundo islâmico, que crêem na coexistência pacífica das culturas e num Islã em liberdade. A falta de disposição, nas democracias ocidentais, de ir às ruas em nome da liberdade de opinião é um tapa no rosto dos que, em todo o mundo, lutam por ela, pondo a própria vida em perigo.

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