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As crianças esquecidas da Síria

Diana Hodali pv
16 de março de 2018

Uma geração de jovens refugiados sírios está crescendo sem identidade nem educação no Líbano. Seus pais se preocupam com o futuro. Após sete anos de conflitos, o fim da guerra não está à vista.

Khaled al-Ahmad é um dos poucos jovens do acampamento que podem frequentar uma escola libanesa
Khaled al-Ahmad é um dos poucos jovens do acampamento que podem frequentar uma escola libanesaFoto: DW/D. Hodali

Penosamente, alguns raios solares isolados penetram a neblina branca matutina, no caminho de Beirute até a montanhosa planície de Bekaa. Com o passar do tempo, porém, os campos de refugiados sírios vão ficando visíveis: cobertas com lonas da agência de refugiados da ONU Acnur, centenas de tendas se enfileiram ao longo das ruas principais.

As barracas de nylon sobressaem entre os campos e arbustos. A guerra na pátria síria, o bombardeio de Ghouta Oriental, estão a apenas poucos quilômetros de distância. De vez em quando, creem alguns, até se ouvem os sons da guerra.

Mas, mesmo que o país vizinho devastado esteja geograficamente tão perto, no Líbano os refugiados sírios se sentem pelo menos a salvo da violência. Um futuro, entretanto, eles não veem lá, menos ainda para seus filhos.

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No pequeno campo de refugiados Medyen, na localidade de Bar Elias, nove famílias vivem em oito moradias improvisadas, erguidas num terreno que no inverno amolece e vira um pântano, que são difíceis de aquecer e no verão ficam insuportavelmente quentes.

"Pouco a pouco, o clima está melhorando", comenta Amina Melhem. "Todos no acampamento estavam doentes nas últimas semanas." Ela e dois de seus seis filhos estão sentados ao redor de um pequeno fogão, no meio do compartimento da barraca que é tanto dormitório quanto sala de estar. Do lado de fora, crianças atravessam de chinelo o lamaçal. Os termômetros marcam apenas 12 graus.

Amina Melhem e parte de sua família: eles vivem em Bar Elias, no Líbano, desde 2012, quando fugiram da SíriaFoto: DW/D. Hodali

Fuga das redondezas de Homs

A maior parte dos residentes são crianças entre dois e 17 anos de idade. Entre elas, Khaled al-Ahmad, um dos filhos de Amina. "Ainda me lembro de Kusseir, o lugar onde eu nasci. Eu estava na terceira série quando a gente teve que sair às pressas", diz o jovem de 15 anos, de aspecto já bastante adulto.

Kusseir é uma cidade síria perto de Homs, um antigo reduto dos rebeldes. Mas as bombas do regime de Bashar al-Assad destruíram grande parte da cidade e da região. Em 2012, fugiram para o Líbano a mãe de Khaled, o pai Medyen, que dá o nome ao campo de refugiados, seus irmãos e primos.

A família Al-Ahmad tinha uma boa vida na Síria, uma casa e renda regular. Hoje, moram em 11 numa barraca, pois os filhos do irmão de Medyen são órfãos e vivem com o tio. "Pelo menos eu já sabia ler e escrever quando chegamos aqui", diz Khaled. É uma vantagem que ele tem perante muitas crianças, inclusive alguns de seus irmãos.

Paredes da escola do acampamento foram pintadas para proporcionar atmosfera mais alegre às crianças Foto: DW/D. Hodali

Uma barraca como escola

Para que as crianças aprendam a ler e escrever e não esqueçam o que já aprenderam, em 2016 Medyen al-Ahmad fundou uma escola numa tenda, por iniciativa própria. Lá, entre 60 e 70 crianças de vários campos de refugiados recebem aulas diárias de quatro professores voluntários sírios. As classes são designadas de acordo com o grau de conhecimento, não a idade dos alunos. Mas certificados escolares, não há.

Com o apoio financeiro de pequenas organizações, aos poucos eles criaram três salas de aula e uma sala de trabalho numa barraca adjacente. De início não havia nada nas salas: era um tapete em vez de cadeiras e folhas de plástico servindo de janelas. Agora é diferente: as paredes estão cobertas de pinturas coloridas e há carteiras para quase todas as crianças. No entanto as dependências da escola ainda não estão impermeabilizadas: como hoje choveu, as aulas tiveram que ser canceladas.

"Mesmo que a pintura na parede melhore a atmosfera de aprendizagem, a situação psicológica das crianças piorou", avalia o professor Muafak Melhem. "Muitas não têm identidade, nem passaporte, nem formação." Os pais precisam trabalhar muito, e deixam as crianças constantemente sozinhas. Isso, sem falar da falta de privacidade nos campos. Mas é preciso lutar contra a perda de gerações de crianças, insiste.

Tenda compartilhada por 11 membros da família Al-Ahmad. Khadije, irmã de Khaled, nasceu no LíbanoFoto: DW/D. Hodali

Preocupação com o futuro

O jovem Khaled não está satisfeito. Ele tenta esconder, para não dar mais preocupações aos pais, mas aí lhe escapa: "Quero ter uma profissão no futuro. Eu queria ser designer gráfico". Ele aprende sozinho edição de imagens, assistindo a tutoriais do Youtube no notebook doado.

Com seu smartphone antiquado, também já tirou fotografias e gravou pequenos vídeos. Mas ainda não configurou seu próprio canal no Youtube porque há pouca energia e a conexão de internet é fraca. Ele às vezes também joga futebol no acampamento adjacente, onde há um terreno sem nada construído. "O Real Madrid é meu clube favorito", diz Khaled, e pela primeira vez um sorriso lhe ilumina o rosto.

Ao contrário de muitos outros pais, os Al-Ahmad proíbem seus filhos de trabalharem. Com frequência se veem crianças de até oito anos de idade nos campos, e também se ouve como algumas são usadas no tráfico de drogas.

Nem todas as famílias lidam de forma tão aberta com o tema educação como os Al-Ahmad. "Muitos pais não têm a consciência de que educação é a chave para o futuro", diz Alaa Alzaibk, da organização local Basmeh & Zeitooneh. "Basmeh" significa sorrir, "zeitnooneh" é o ramo de oliveira, símbolo de alimento e paz.

"A chave para a paz é a educação", prossegue Alzaibk. "Mas quando têm que pagar 50 dólares por mês de transporte, para as crianças poderem ir à escola, os pais muitas vezes pensam duas vezes." Dentro desse quadro, a Basmeh & Zeitooneh oferece oficinas de esclarecimento para pais e crianças.

Desde 2016 Muafak Melhem ensina na escola improvisada no acampamento de refugiados. Na Síria ele era professorFoto: DW/D. Hodali

O futuro da Síria

"Quem é que vai reconstruir a Síria, se os jovens não têm educação?", questiona o sírio Alzaibk, de 31 anos, que fugiu de Ghouta Oriental cinco anos atrás. "Eu já tinha terminado meus estudos quando tudo começou. Mas se essas crianças voltarem para casa sem educação, vão ser um solo ideal para os extremistas."

A perspectiva dos políticos libaneses sobre o tema refugiados é igualmente guiada por questões de segurança. Eles também temem que jovens sem instrução possam ser recrutados por extremistas no Líbano.

No entanto, o Estado libanês não está em condições de combater sozinho a situação: a economia nacional está arrasada, água e eletricidade são artigos escassos. Dados oficiais da Acnur indicam que mais de 1,1 milhão de refugiados da Síria deverão procurar abrigo no Líbano. E, segundo estimativas, já haveria, no mínimo, 2 milhões de sírios no país.

Apesar da infraestrutura sobrecarregada, as autoridades libanesas tentaram, pelo menos no início da guerra da Síria, alocar as crianças sírias nas escolas locais. O país é cossignatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, da ONU, em 1991, tendo-se comprometido a garantir educação aos menores de idade no país.

"A pressão é imensa em ambas as sociedades. Agora há 50 mil libaneses e 70 mil sírios vivendo aqui em Bar Elias. Então os problemas não deixam de existir, mas ainda é melhor do que em outros lugares", diz Alzaibk. Outras comunidades impõem toque de recolher para os sírios após as 19 horas – a fim de evitar tensões, dizem.

A organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) estima que haja 500 mil crianças em idade escolar em todo o país. Metade não frequenta a escola, não sabe escrever, ler, nem fazer contas.

Sírios do campo de refugiados Medyen colocaram esta placa: "Nós amamos a vida"Foto: DW/D. Hodali

Só uma vida digna

Recentemente, Khaled al-Ahmad foi autorizado a frequentar uma escola libanesa. Como ela fica a sete quilômetros do campo de refugiados, um ônibus escolar vem apanhá-lo.

Criaram-se classes extras para os sírios, à tarde. "É melhor assim. Já teve muitos problemas e brigas, então prefiro ficar numa classe só síria." Embora esteja feliz de poder concluir a escolaridade, Khaled também sabe que será difícil financiar seu curso de design gráfico: para tal, o dinheiro simplesmente não basta.

No campo de refugiados Meyden, só Khaled e um outro adolescente podem frequentar uma escola de verdade. Sua mãe, Amina, também se preocupa com esse fato. "Posso aguentar de tudo, suporto nós termos trocado a nossa casa por uma barraca, estarmos vivendo na incerteza constante. Mas estou preocupada com o futuro dos meus filhos." O rosto da mulher de aparência tímida exprime seu desespero.

Khaled e família não querem deixar o Líbano e ir para a Europa, eles querem permanecer o mais perto possível de sua Síria nativa. O professor Melhem compartilha esse pensamento: "Nunca nos acostumaremos a viver numa tenda, mas é melhor do que ser bombardeado. Não queremos ser um fardo para ninguém. Todos os envolvidos devem finalmente dar um fim ao conflito."

A guerra na Síria já entra em seu oitavo ano.

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