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As "esculturas anônimas" de Hilla e Bernd Becher

Alice Koegel (sv)26 de setembro de 2006

Há mais de 40 anos, os fotógrafos alemães vêm inventariando as paisagens abandonadas da era pós-industrial. Lacônicos e contundentes, eles criaram uma obra que prima pelo rigor formal num 'work in progress' incessante.

Torre de água em Pittsburg, EUA

Eles são escultores. Pelo menos na opinião do júri da Bienal de Veneza, que em 1990 concedeu o Leão de Ouro da Escultura a Hilla e Bernd Becher. No pavilhão alemão daquele ano, foram expostas as séries em preto-e-branco de instalações de fábricas, fornos enormes, silos e reservatórios de gás. Esculturas, contudo, os Becher nunca produziram. Eles simplesmente fotografam as paisagens industriais abandonadas. Sem eles, elas não teriam passado de "esculturas anônimas".

O que os dois fotógrafos alemães fazem é fechar os olhos para a funcionalidade destas edificações, extraí-las do seu contexto original e ordená-las em série, transformando-as em "construções", "estruturas", "objetos". A suposta objetividade das imagens captadas e a encenação criada pelos fotógrafos fizeram dos dois verdadeiras estrelas da fotografia contemporânea.

Trabalho a quatro mãos

Hilla e Bernd BecherFoto: PA/dpa

Para Hilla e Bernd Becher, não importa quem fotografa, pois a composição é definida detalhadamente pelos dois anteriormente. E a decisão sobre o que modificar posteriormente também é comum. Um trabalho conjunto, que começou em 1958, quando os dois, sem saber se teriam como expor o material, pisaram pela primeira vez na terra incógnita da paisagem pós-industrial.

Bernd Becher nasceu em Siegen, em 1931. Participou da restauração de igrejas e foi aluno, em Stuttgart, de Otto Rössing, um representante pouco conhecido da "Nova Objetividade" (Neue Sachlichkeit). Em 1957, começou a estudar na Academia de Artes de Düsseldorf. Já Hilla Becher nasceu em Potsdam em 1934. Depois de passar por uma formação em fotografia entre 1951 e 1954, fugiu em 1955 da ex-Alemanha Oriental e começou a trabalhar como fotógrafa em Hamburgo.

Dois anos depois, mudou-se para Düsseldorf e trabalhou para uma agência de publicidade, onde conheceu Bernd Becher. Em 1958, iniciou seus estudos na Academia de Artes da mesma cidade, deu aulas de técnica fotográfica e mudou-se, ao lado do futuro marido, para a região de Siegen, uma das áreas industriais mais antigas da Alemanha.

Demolição e abandono

Nos arredores de Siegen, a indústria metalúrgica começava a desaparecer nos anos 50, quando era substituída por siderúrgicas na região do Vale do Ruhr. Neste momento, Bernd Becher tentou inicialmente reproduzir as paisagens da região em desenhos. Em 1957, o artista resolveu "congelar", em fotografias feitas com uma câmera de pequeno formato, as imagens de demolição e abandono das minas desativadas.

A idéia inicial era usar estas imagens como ponto de partida para seus desenhos. Gradualmente, Bernd Becher passou, porém, a fotografar cada vez mais, revelando a tipologia da arquitetura da era industrial. Um trabalho de documentação aperfeiçoado através da estética e do método de Hilla Becher.

Missão arqueológica

Reprodução da série 'tipologias de edificações industriais'

Em 1961, os dois se casaram, compraram a primeira câmera profissional e um carro, com o qual iriam fazer viagens "arqueológicas" por paisagens da era pós-industrial não somente na Alemanha, mas também na França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e, mais tarde, nos Estados Unidos.

Em 1963, eles fariam a primeira exposição fogográfica numa livraria de Siegen. Três anos mais tarde, viria a idéia de tranformar a Kombi dos dois em um laboratório fotográfico improvisado em viagens pela Inglaterra e País de Gales. Era o início do projeto dos Becher de constituição de um verdadeiro inventário arqueológico-industrial da Alemanha e do mundo.

Lacônicos, mas contundentes

As imagens reproduzidas pelos dois fotógrafos têm pouco de espetacular. Uma das acusações que os artistas foram obrigados a ouvir rotulava o trabalho deles de "fotografia industrial monótona". Isso antes que o observador detectasse a contundência da estética lacônica das imagens e a técnica usada para produzi-las.

Um procedimento que acabou se estendendo pelos próximos 40 anos – décadas durante as quais Hilla e Bernd Becher vêm fotografando sempre sob as mesmas condições: céu nublado, luz opaca, muita profundidade de campo e perspectiva frontal para registrar em preto-e-branco as edificações. Fornos industriais, torres, reservatórios de gás e silos de carvão. Obejtos que aparecem solitários, mesmo quando as reproduções fotográficas são expostas sistematicamente em série ou impressas em livro.

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Rejeitando o acaso

Exposição em série caracteriza trabalho dos fotógrafosFoto: Documenta

Uma das preocupações dos dois fotógrafos é evitar sempre cortes radicais ou distorções. Em alguns casos, eles chegaram a esperar dias a fio pela luz exata – por pura rejeição do acaso, dizem. E nunca viram qualquer razão para interferir numa imagem "que pode falar por si mesma", avisam.

E isso mesmo em momentos nos quais o que se considerava "fotografia pura" era tida como algo ultrapassado, sinônimo de monotonia. O trabalho dos Becher foi criticado inicialmente por não ser "artístico o suficiente". Mais tarde, as acusações eram de que eles tentavam estetizar a paisagem industrial. Posteriormente, apontou-se uma falta de crítica social no vazio documentado pelas imagens. E, por fim, os fotógrafos chegaram a ser acusados de reproduzir uma estética fascista com a suposta monumentalidade de suas imagens.

Reconhecimento tardio

Por muito tempo, o trabalho de Hilla e Bernd Becher não recebeu na Alemanha a atenção devida, nem seus princípios estéticos foram realmente compreendidos. O início do reconhecimento oficial aconteceu no começo dos anos 70, quando os dois participaram de exposições de arte conceitual nos EUA e passaram a ser automaticamente enquadrados neste gênero pelo mercado de artes.

A originalidade do trabalho, porém, ainda continuava ignorada. Uma primeira tentativa de reconhecimento dentro da Alemanha aconteceu em 1976, quando Bernd Becher foi nomeado professor da Academia de Artes de Düsseldorf. Ao contrário de Hilla, que, mesmo assim, acompanhou os alunos de fotografia da Academia por mais de 20 anos ao lado do marido.

Fazendo escola

Hoje, o nome dos fotógrafos é uma verdadeira instituição no país. O trabalho dos dois inspirou, entre outros, os conceituados artistas Thomas Struth, Candida Höfer, Thomas Ruff e Andreas Gursky. Além disso, os Becher foram responsáveis pela introdução na cena de artes plásticas de vários artistas jovens. O estilo aliado à "Nova Objetividade" dos dois fez escola, afirmou-se no mercado e ganhou atualidade.

Depois de décadas de estrada, Hilla e Bernd Becher são hoje conhecidos em todo o mundo. Suas obras fazem parte de acervos e coleções importantes em museus de vários países. A intenção de se dedicar à "topografia social" dos resquícios industriais, porém, os fotógrafos nunca deixaram de lado. Nos anos 90, por exemplo, eles saíram com suas câmeras pelas regiões que haviam pertencido à ex-Alemanha Oriental, onde documentaram o fechamento das fábricas no país que vivia o fim do regime comunista.

Work in progress

'Fachwerkhaus': série foi resgatada anos depois para a Documenta 11

Às vezes, os Becher reciclam o próprio arquivo, servindo de arqueólogos de um acervo particiular construído durante tantos anos. Sistemáticos sem ortodoxia, eles buscam tipologias documentadas anos antes, como fizeram, por exemplo, na Documenta 11, em 2001, quando optaram por participar com seu grupo inicial de obras: as casas enxaimel (Fachwerkhäuser) da região industrial de Siegen. No caso dos Becher, o arquivo não representanta simplesmente a matéria transformada em metáfora. Pois a obra dos dois fotógrafos continua sendo, acima de tudo, um work in progress.

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