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As medidas de Bolsonaro para reduzir custos trabalhistas

24 de março de 2020

Diante de impactos econômicos da pandemia de covid-19, governo autoriza flexibilização de contratos e deve liberar corte de jornadas e salários. Para economistas, medidas não bastam para proteger empresas e pobres.

Comércio fechado em São Paulo devido ao coronavírus
Comércio fechado em São Paulo devido ao coronavírusFoto: Reuters/A. Perobelli

Economistas de linhas variadas vem se aproximando de um consenso sobre como enfrentar a crise provocada pelo coronavírus. A ideia geral é que governos devem agir em três frentes: gastar muito com saúde para atender os infectados e testar sua população, dar assistência às famílias pobres e às vítimas do desemprego e apoiar as empresas para que não demitam e evitem falências.

Na noite do último domingo (22/03), o governo federal editou uma medida provisória focada na terceira frente: ajudar as empresas a evitar demissões e quebradeiras por meio da flexibilização e redução de custos trabalhistas, como uso do teletrabalho e antecipação de férias.

O item mais polêmico do texto permitia a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses se a empresa oferecesse curso de qualificação. Nesse período, o trabalhador não receberia salário, mas apenas benefícios como plano de saúde. Esse ponto específico teve péssima repercussão e, na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro determinou a sua revogação.

Os demais itens da medida provisória seguem em vigor. O texto tem força de lei por 60 dias, prorrogáveis por igual período, e perde a validade se não for aprovado ao final desse prazo por deputados e senadores.

A norma estabelece que a empresa pode antecipar as férias de um funcionário, mesmo que ele ainda não tenha trabalhado o tempo necessário para ter direito a elas, e pagar o adicional de um terço apenas ao final do ano.

Também permite o teletrabalho (trabalho remoto) sem necessidade de alterar contratos, e o acréscimo das horas não trabalhadas durante a pandemia a um banco de horas a ser compensado no futuro pelo funcionário, entre outros pontos.

O economista Pedro Fernando Nery, consultor do Senado Federal na área de renda, trabalho e Previdência, diz à DW Brasil que o objetivo da norma foi "trazer segurança jurídica para a manutenção dos empregos durante a pandemia", mas enfrenta duas dificuldades para alcançar esse objetivo.

O primeiro obstáculo é que, por ter sido editada via medida provisória, é mais vulnerável a contestações na Justiça. O segundo é a comunicação atrapalhada do governo, que pode provocar desconfiança no empresariado e o levar a crer que o caminho mais seguro "é simplesmente demitir", aponta Nery.

O procurador do trabalho Renan Kalil critica o fato de que, ao editar o medida provisória, o governo ouviu as demandas apenas de entidades patronais e nenhuma da representação dos trabalhadores. Em relação ao teletrabalho, Kalil se opõe ao item que estabelece que o uso de aplicativos e programa de comunicação fora da jornada de trabalho não são considerados tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso.

"Mesmo que o empregado use isso fora da jornada, ele não estará trabalhando. Se precisar acessar esse aplicativo, não será sera contabilizado como hora extra", afirma.

A medida provisória também estabelece que, pelos próximos seis meses, os auditores do trabalho atuarão de maneira apenas "orientadora", exceto em quatro casos graves de violação das normas trabalhistas. Para Kalil, "isso esvazia o trabalho deles e cria uma janela para os empregadores cometerem irregularidade, especialmente em relação a saúde e segurança".

Ele também contesta a prevalência dos acordos individuais entre trabalhador e empresa sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e demais normas que não estão na Constituição, estabelecida pela medida provisória.

"Num momento de crise, dificilmente um trabalhador oferecerá resistência, e isso abre uma porta para uma maior precarização do trabalho", diz.

Redução de jornadas e salários

Além da flexibilização dos contratos, já detalhada em norma, o governo editará em breve uma nova medida provisória que autorizará empresas a cortarem jornadas e salários de seus funcionários, que receberiam uma complementação do governo.

Dependendo do setor, a empresa poderá cortar as jornadas e os salários em até 50%, e os empregados que ganham até dois salários mínimos — metade dos trabalhadores formais no país — receberiam uma antecipação mensal de 25% do valor do seguro-desemprego a que teriam direito, no valor mínimo de 250 reais.

Em setores mais atingidos pela crise, como bares, restaurantes e hotelaria, nos quais o corte de metade do salário pode não ser suficiente para preservar a empresa, a jornada e o salário poderão ser reduzidos de forma mais intensa, a um terço do normal, e o governo deve complementar pagando mais um terço do salário.

Segundo Nery, essa medida seria similar às que vêm sido adotadas em outros países. "Em vez de demitir trabalhadores, o empregador diminuiria as horas contratadas. Todos trabalhariam menos, mas todos preservariam empregos", diz.

Porém, ainda não está claro que tipo de acordo será exigido para a redução de jornadas e salários: acordos coletivos, que demandam a participação de sindicatos, ou individuais, entre empregado e patrão, modalidade usada na medida provisória publicada no domingo.

Nery lembra que, em 2015, quando o país estava entrando em recessão, o governo de Dilma Rousseff também criou a possibilidade de redução de jornada e salário em até 30% para evitar demissões. Parte do corte salarial era compensada com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhado. A medida exigia a negociação coletiva e teve pouca adesão.

Nery acredita que a nova medida provisória a ser editada pelo governo federal permitirá a redução de salário e jornada via negociação individual, o que será "importante" para as empresas menores, mas insuficiente para evitar quebradeira. Segundo ele, o governo ainda precisa esclarecer como facilitará o acesso a crédito pelas companhias para superar a crise.

Assistência aos informais e mais pobres

A flexibilização dos contratos trabalhistas e a redução salarial e de jornadas são medidas para preservar os empregos formais. Ficam de fora dessas iniciativas os trabalhadores informais — que representam 41% da força de trabalho do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para atender a esse grupo, o governo anunciou que pagará um vale de 200 reais mensais aos trabalhadores informais, mas ainda não publicou medida provisória ou enviou projeto de lei detalhando como isso seria feito.

Visando atender à faixa mais pobre da população, a gestão Bolsonaro também anunciou a liberação de 3,1 bilhões de reais para o Bolsa Família, com a inclusão de mais 1,2 milhão de famílias no programa.

O economista Marcelo Medeiros, professor visitante na Universidade de Princeton, nos EUA, e especialista em desigualdade, afirma à DW Brasil que as medidas anunciadas pelo governo até agora são "pequenas" e não irão resolver o problema.

Ele argumenta que cortar salários, mesmo que parcialmente, tornará mais profunda a recessão econômica que se aproxima, e defende medidas que reduzam os custos para manter funcionários na folha de pagamento das empresas, como não cobrar contribuição previdenciária em troca da manutenção do emprego.

"Países estão mobilizando gastos da ordem de dois dígitos do PIB para isso. É um assunto sério, que exige liderança forte, capacidade de articular atores políticos diferentes, coordenação de técnicos e decisões inteligentes", diz.

Medeiros sugere um plano para reduzir o impacto econômico do coronavírus nas famílias mais pobres do país que passa pela concessão de benefícios adicionais via Bolsa Família e Cadastro Único do governo federal até alcançarem o terço — ou a metade — mais pobre da população, além das suspensão da contribuição obrigatória dos microempresários individuais.

"Faltam medidas claras de proteção aos pobres [pelo governo]. Sem confiança de que haverá proteção, as pessoas não respeitarão o isolamento, e será pior para a pandemia e para a economia", diz.

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