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As mulheres e crianças de Fukushima

Katharina Wecker
11 de março de 2017

Seis anos após triplo desastre, governo japonês tenta forçar famílias a voltar para área da usina por meio de pressão financeira. Maiores vítimas, denuncia Greenpeace, são mães solteiras e seus filhos.

Japan Kinder in Fukushima
Com máscaras, crianças caminham pelas ruas nos arredores de FukushimaFoto: Greenpeace/Jeremy Sutton-Hibbert

Seis anos atrás, o triplo desastre – terremoto, tsunami e o derretimento dos reatores da usina de Fukushima Daiichi – provocou a morte de quase 20 mil pessoas e desalojou outras 160 mil. Mais de 80 mil pessoas ainda vivem em habitações temporárias. 

A catástrofe teve um enorme impacto sobre todos os membros das comunidades afetadas, mas até hoje são as mulheres e as crianças que "têm suportado o fardo das violações de direitos humanos resultantes", afirma um relatório do Greenpeace. 

Segundo a ONG, embora algumas injustiças enfrentadas por mulheres e crianças tenham sido causadas por falhas nas decisões adotadas logo após a catástrofe, outras violações são resultado direto dos planos do governo atual de reassentar os moradores em "áreas fortemente contaminadas em Fukushima". 

Em um esforço para tentar voltar à normalidade, o governo japonês vai acabar com os decretos de quarentena no final de março e permitir que os habitantes evacuados voltem para as áreas próximas da usina de Fukushima. 

No entanto, o Greenpeace adverte que os níveis de radiação ainda são perigosamente altos. A organização pediu ao governo que não "pressionasse" os moradores a retornarem para suas casas contaminadas com ameaças de cortar o apoio financeiro. Um ano depois de uma área ser declarada segura, o governo pretende deixar de pagar compensações aos afetados.

Em março, o Japão também vai cortar o apoio para o pagamento de moradia a pessoas que decidiram deixar a região mesmo sem uma ordem de evacuação emitida pelo governo. 

"Cortar o apoio de habitação para quem decidiu sair sozinho é uma ameaça para mais de 10 mil famílias, potencialmente forçando muitas pessoas a voltar para áreas contaminadas contra a sua vontade", diz a ativista Kendra Ulrich. Acabar com os pagamentos "mesmo que os níveis de radiação ultrapassem em muito as metas de longo prazo em muitas áreas [...] equivale a uma coerção econômica e é uma violação deliberada da lei e dos direitos humanos dos sobreviventes." 

"Divórcio atômico" 

Os planos de reassentamento criaram um dilema para aqueles que se recusam a voltar para suas antigas casas, mas são dependentes de apoio financeiro – especialmente as mães solteiras. Após o desastre, muitas mulheres que deixaram a área com seus filhos se separaram ou até se divorciaram de seus maridos, que optaram por ficar em regiões contaminadas por causa do trabalho. 

Um grupo de mulheres que resolveu processar o governo japonêsFoto: Greenpeace/N. Hayashi

Não há números oficiais sobre quantas famílias se separaram por causa do desastre. Mas o fenômeno é comum o suficiente para ter recebido um nome: "genpatsu rikon" – literalmente, "divórcio atômico". 

As mães agora são confrontadas com a escolha entre perder o apoio financeiro ou voltar a áreas inseguras. Para acelerar o retorno dos evacuados, o governo descontaminou corredores e áreas ilhadas em vez de regiões inteiras, o que acabou criando efetivamente uma "prisão invisível e ao ar livre para os cidadãos que retornarem", diz o Greenpeace.

As zonas descontaminadas consistem muitas vezes em faixas de 20 metros ao longo de estradas, em volta de casas e plantações. Isso representa uma ameaça para a saúde, uma vez que os reassentados estarão cercados pela contaminação. 

As mães estão preocupadas com a saúde e o desenvolvimento de seus filhos. Noriko Kubota, professor de psicologia clínica na Universidade Iwaki Meisei, acredita que viver em "zonas seguras" pode ter um impacto negativo duradouro sobre as crianças. 

"Se as crianças precisarem ficar dentro de casa e não tiverem a oportunidade de correr fora livremente, isso vai impactar seu desenvolvimento psicológico, mais especificamente suas habilidades de interagir com outros e controlar suas emoções, entre outras coisas", afirma Kubota. 

Mães processam o governo 

As mulheres, no entanto, não são apenas vítimas silenciosas neste desastre. Milhares de mães têm promovido ações judiciais contra o governo japonês para lutar pela continuação do apoio à habitação e por uma compensação justa. Elas também exigem que o governo e a companhia Elétrica Tepco, a empresa que dirige a usina Fukushima Daiichi, se responsabilizem pelo desastre. 

"Eu nunca imaginei me tornar a autora de um processo. Entrei na Justiça pelos meus filhos e pela próxima geração", disse uma das mães, chamada Horie, ao Greenpeace. Ela se mudou com seus filhos de Fukushima para Kyoto, onde apresentou uma ação coletiva com outras mães. "Naquela época, eles disseram na TV que o acidente não afetaria imediatamente nossa saúde, mas isso pode afetar meus filhos no futuro, por isso eu decidi deixar a área." 

As mulheres que abandonaram áreas contaminadas foram rotuladas como "neuróticas ou irracionais", diz o Greenpeace. Suas preocupações foram rejeitadas tanto por seus parceiros quanto pelo governo. O processo não trata apenas de compensação financeira, mas também de reparação moral. 

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