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Ascensão da Mídia Ninja põe em questão imprensa tradicional

Renate Krieger1 de agosto de 2013

Alcance do grupo alternativo de comunicação explodiu com os protestos de junho. Entusiastas aplaudem proximidade dos ativistas com acontecimentos, mas analistas ponderam necessidade de contextualizar informação.

Foto: Reuters

A cada duas horas, em média, o grupo Mídia Ninja posta uma nova foto, link ou relato em sua conta no Facebook. Continuamente, o site PósTV (www.postv.org) transmite vídeos ao vivo e sem cortes de debates e protestos. Atualmente concentradas em atos contra os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e de São Paulo, Geraldo Alckmin, as publicações parecem atestar a onipresença do grupo que, por sua cobertura ao vivo, foi chamado de "mídia social das manifestações no Brasil" no blog América Latina, do diário francês Le Monde.

A repercussão da Mídia Ninja (acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) registrou seu ápice durante as manifestações de junho no Brasil, quando centenas de milhares de cidadãos foram às ruas para protestar contra a corrupção, os gastos excessivos do governo com a Copa do Mundo de 2014, a falta de infraestrutura e de investimentos na área da saúde e educação, entre outros motivos.

"[O grupo] entrou em evidência porque as pessoas estavam esperando uma cobertura mais próxima sobre o que estava acontecendo nas ruas", explica o jornalista Bruno Torturra, líder dos ninjas e ex-diretor de redação da revista Trip, onde trabalhou por 11 anos. "Acho que a mídia [tradicional] não soube ler rápido o que estava acontecendo nas redes e nas ruas, e estávamos sempre presentes nos protestos, transmitindo tudo ao vivo, fotografando e dando o ponto de vista dos manifestantes. Acho que tinha uma demanda muito grande de uma cobertura independente, e a gente estava lá."

Manifestantes diante do Palácio Guanabara: "ninja" preso foi inocentado por imagens do grupoFoto: Reuters

"O Ninja estava presente onde a grande mídia não esteve", constata também o jornalista e sociólogo Venício A. de Lima, professor titular aposentado de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). A divulgação, pela internet, de imagens feitas por um membro do Ninja da violenta repressão policial aos protestos na capital paulista teria sido, segundo Lima, "absolutamente fundamental como detonador de uma insatisfação generalizada que havia e que explodiu depois da reação policial."

A explosão do Ninja – criado em 2012 no âmbito da rede de intercâmbio artístico Fora do Eixo, liderada pelo ativista cultural Pablo Capilé –, de acordo com relatos da imprensa brasileira, teria coincidido com a ampliação das manifestações, na semana de 17 de junho, quando os protestos foram convocados em todo o Brasil. Hoje, o grupo tem mais de 140 mil seguidores no Facebook.

Oxigênio para jornalismo tradicional

Lima considera, no entanto, que o alcance da Mídia Ninja pode estar sendo superdimensionado. "A estimativa que os próprios membros do grupo fizeram é de que, no auge [dos protestos], eles tenham tido uma audiência de cem mil espectadores. Não sei como esse cálculo foi feito e essas questões precisam ser colocadas num contexto", diz o estudioso.

O papel de grupos alternativos de comunicação como a Mídia Ninja também podem servir para "oxigenar" a produção de informação do tradicional jornalismo no Brasil, segundo afirma Sylvia Debossan Moretzsohn, professora da Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro.

"Eu acho que [a Mídia Ninja] vem preencher uma lacuna, sobretudo porque recupera essa reportagem de rua, essa ênfase no que está acontecendo neste momento e ao vivo", exemplifica. "Isso tudo é importante porque é uma forma de documentar a realidade e, ao mesmo tempo, de denunciar principalmente certas violências que não são frequentemente objeto de cobertura da mídia tradicional, e então entram muito perifericamente porque a mídia tradicional fica muito refém das fontes oficiais e das assessorias de imprensa, exatamente porque não está na rua como deveria estar", avalia Moretzsohn.

As formas alternativas de informação, como a Mídia Ninja e o site Repórter Brasil, acabam mudando também certos fluxos de trabalho da mídia tradicional, diz a autora do livro Repórter no Volante. "Há um aumento brutal de fontes que querem se apresentar como informação, e é preciso selecionar tudo isso de forma muito mais criteriosa. Os jornalistas continuam tendo esse papel de mediação. Que credibilidade tem a internet, de forma geral? Posso publicar o que eu quiser e depois apagar, como indivíduo. Mas sempre há uma promessa de credibilidade no jornalismo, seja na forma de grandes empresas ou nas formas alternativas", explica a professora da UFF.

Cobertos de perto pela Mídia Ninja, protestos em São Paulo em 22/06 contribuíram para repercussão do grupoFoto: Reuters

Credibilidade em dúvida

"Com o aumento das críticas à TV Globo pelos manifestantes, a Mídia Ninja se tornou rapidamente uma fonte confiável de informação para muitos dos envolvidos nos protestos e transmitiu ao vivo manifestações em todo o Brasil", diz um texto do jornal britânico The Guardian, publicado um dia após a chegada do papa Francisco ao Rio de Janeiro, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.

O diário destacou a prisão do ninja Felipe Peçanha no dia 22 de julho. Ele cobria os protestos na sede do governo do Rio, o Palácio Guanabara, e foi acusado de "incitar a violência". Depois de ter se negado a parar de filmar os protestos após o pedido de um policial militar, Felipe foi preso com um outro ninja e libertado horas depois, encontrando do lado de fora um grupo de pessoas que gritava: "Ninja! Ninja!".

Na mesma ocasião, o estudante Bruno Ferreira Teles foi preso pela Polícia Militar, acusado de arremessar um coquetel molotov contra a barreira de policiais. Transmitidas por streaming pela internet, filmagens mostraram que o coquetel molotov foi arremessado de outro ponto da multidão, inocentando o jovem, que foi libertado no dia seguinte.

Analistas avaliam necessidade de editar informação colhida nas ruasFoto: EBC/Agencia Brasil

Para Moretzsohn, porém, ainda é preciso que grupos como a Mídia Ninja encontrem uma maneira de contextualizar a informação. "Acho um pouco complicado se eles forem protagonistas dos próprios episódios. Acho que eles rejeitam a ideia de editar, e editar é uma forma de sintetizar para que as pessoas compreendam o que está acontecendo", afirma. Já o líder da Mídia Ninja diz que o grupo "faz o possível" atualmente e que também trabalha "na edição, na filmagem offline e na produção de textos de jornalismo investigativo". A Mídia Ninja deverá lançar um site no próximo fim de semana.

Democratizar a informação

Entre os objetivos da Mídia Ninja, Bruno Torturra lista o alcance da informação para parcelas mais amplas da população brasileira. "Queremos democratizar a produção de informação e, com isso, informar melhor as pessoas para que tenhamos uma democracia cada vez mais sólida, justa, integrada e próxima dos fatos. Acho que o próprio jornalismo tem de ser repensado e atualizado", afirma o líder dos ninjas, que aponta para a concentração dos meios de comunicação brasileiros nas mãos de "pouquíssimas pessoas, grupos e famílias".

Um cenário também destacado por Lima, da UnB, que costuma apontar para o "atraso" do país em relação a uma regulação do setor de comunicação, especialmente no que diz respeito normas aprovadas na Constituição de 1988 que "nunca foram regulamentadas".

"Nunca houve preocupação com a propriedade cruzada dos meios de comunicação no Brasil. São poucas grandes empresas, é um sistema de redes que nunca foi controlado pelo poder público, e pouquíssimos grupos têm afiliações regionais e locais. Uma terceira característica é que, se formos ver como de fato esses grupos [de comunicação] funcionam, boa parte deles têm algum tipo de vínculo com políticos no exercício do mandato. Eu tenho começado a falar numa situação de corrupção histórica e sistemática da opinião pública brasileira por causa desse tipo de situação", explica.

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