Assassinato reflete falhas da política migratória alemã
10 de junho de 2018O recente assassinato de uma adolescente de 14 anos na cidade de Wiesbaden chocou a Alemanha. O principal suspeito de estuprar e estrangular a garota é o iraquiano Ali B., que teve seu pedido de refúgio rejeitado pelas autoridades alemãs.
Para o partido populista de direita Alternativa para Alemanha (AfD), o assassinato da jovem, identificada pela mídia como Susanna, demonstra a ameaça representada por imigrantes a "esposas e filhas" no país – nas palavras de um dos mais radicais líderes da legenda, Björn Höcke. Outros dizem que os populistas estão tentando explorar uma tragédia humana e um acontecimento excepcional em prol de sua plataforma anti-imigração.
Ali B., de 20 anos, é suspeito de assassinar Susanna na noite de 22 para 23 de maio. O corpo da adolescente foi encontrado em 6 de junho próximo a um abrigo para refugiados em Wiesbaden, onde o iraquiano vivia com a família.
Após ter seu pedido de refúgio negado pelas autoridades alemãs em 2016, Ali B. entrou com um recurso e estava aguardando uma decisão. Enquanto isso, ele tinha o status de "tolerado" na Alemanha.
Ali B. e a família deixaram a Alemanha em 2 de junho com destino à Turquia, de onde seguiram para o Iraque. A família teria viajado com documentos provisórios, e não está claro se funcionários da imigração no aeroporto ou da companhia aérea com a qual voaram deveriam ter impedido a viagem.
O jovem iraquiano foi detido no Iraque em 8 de junho e trazido de volta à Alemanha neste sábado, onde investigadores tentarão nos próximos dias determinar precisamente o que aconteceu. Segundo autoridades do Iraque, Ali B. confessou o assassinato, mas disse não se lembrar de detalhes porque estava sob o efeito de álcool e comprimidos.
Os resultados da investigação na Alemanha podem ajudar a determinar como a opinião pública do país interpreta o crime. O assassinato de Susanna foi um crime típico de refugiados? Ou foi um crime que por acaso envolveu um requerente de refúgio, mas que poderia ter ocorrido em outros segmentos da sociedade alemã?
De certa maneira, é claro que cada crime é uma ocorrência única. No entanto, alguns aspectos do caso de Susanna são inquietantemente familiares. Por exemplo, o longo período, de 18 meses, em que Ali B. e a família foram mantidos num limbo, aguardando uma decisão sobre o direito à permanência na Alemanha, não é exceção no país.
Desde que uma grande quantidade de migrantes começou a chegar à Alemanha em 2015, vindas do Oriente Médio e do Norte da África, a autoridade alemã responsável, o Departamento Federal para Migração e Refugiados (Bamf), e suas repartições locais têm sido lentos na tomada de decisão sobre pedidos de refúgio.
No fim de 2017, o período de espera para uma decisão inicial em Berlim era de cerca de um ano. E o recente escândalo no escritório do Bamf em Bremen, que reconheceu erroneamente mil pessoas como refugiados que necessitavam de proteção, chama atenção para o fato de que essas instituições do governo ficaram sobrecarregadas em meio ao grande número de casos com que têm que lidar.
Críticos de direita afirmam que migrantes exploram a possibilidade de apelar das rejeições de seus pedidos, iniciando, assim, mais um longo processo, para evitar a deportação e permanecer na Alemanha. Críticos pró-refugiados, por sua vez, também se opõem ao sistema, classificando-o de injusto com requerentes de refúgio, cujo futuro depende das decisões das autoridades alemãs.
"Tolerados" na Alemanha
Um fato com o qual todos parecem concordar é o de que requerentes de refúgio aguardam as decisões das autoridades sob circunstâncias que têm potencial de encorajá-los a cometer crimes.
Quando o caso de Susanna veio à tona nos últimos dias, repórteres da revista Der Spiegel foram ao abrigo de refugiados em Wiesbaden onde ali B. vivia com a família. Outros residentes do local descreveram o suspeito de matar Susanna como um gângster arrogante que lidava com drogas e se sentia "intocável" diante das autoridades alemãs.
Eles também disseram que Ali B, cuja família chegou à Alemanha em outubro de 2015 e vivia no abrigo desde abril do ano seguinte, havia parado de frequentar aulas de alemão depois que seu pedido de refúgio foi negado, no fim de 2016.
O tipo de comportamento descrito pela revista já foi relatado outras vezes no país. Salvo poucas exceções, requerentes de refúgio que têm seus pedidos negados são apenas "tolerados" na Alemanha. Eles são proibidos de trabalhar e têm acesso restrito a cursos de idioma e treinamento profissional.
Também há relatos de uso e tráfico de drogas em abrigos de refugiados. Em abril deste ano, o jornalista Hamza Jarjanazi, ele mesmo um refugiado da síria, publicou um relato sobre a cena de drogas entre refugiados em Berlim, e repórteres descreveram situações semelhantes em cidades com Hamburgo e Heidelberg.
O tédio de esperar por decisões burocráticas, a falta de perspectivas realistas para o futuro e os espaços pequenos em que muitos refugiados vivem podem fazer com que se aventurem no crime.
"Viver em um abrigo, num espaço confinado com vários outros refugiados de diferentes países pode ser muito estressante e frustrante", escreveu Jarjanazi no jornal B.Z. "Especialmente se você vive ali há mais de dois anos, com pouca privacidade e sem um banheiro privado. Muitas pessoas querem escapar dessa situação. Isso as leva a se tornar vítimas das drogas, se prostituir ou vender drogas."
Esforços do governo
O que se sabe da situação de Ali B. até o momento se assemelha a tais descrições e faz muitos se perguntarem o que o governo deveria fazer a respeito.
O principal pilar dos esforços do governo para reformar os procedimentos de refúgio são os chamados centros-âncora, instalações de grande porte para abrigar os requerentes de refúgio desde sua chegada à Alemanha até sua possível deportação.
A estrutura federativa da Alemanha muitas vezes torna os processos de asilo irritantemente difusos, e o ministro do Interior, Horst Seehofer, espera que ao concentrá-los, ele possa reduzir o tempo necessário para a tomada de decisões e, no caso de pedidos rejeitados, para deportações.
Seehofer prevê que cada um dos centros acomode até 1.500 requerentes de refúgio, mas líderes dos 16 estados alemães não têm manifestado entusiasmo em relação à ideia, provavelmente por temerem uma reação de vizinhos descontentes com os abrigos.
Além disso, o acordo de coalizão do governo federal prevê que requerentes de asilo sejam mantidos nos centros por até 18 meses, e é questionável se as autoridades vão fazer alguma coisa para evitar a criminalização ou a radicalização de jovens homens mantidos sob confinamento por longos períodos. Homens possivelmente como Ali B., se as acusações contra ele no caso de Susanna se provarem verdadeiras.
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