Ditador norte-coreano teria mandado matar o meio-irmão, que, segundo rumores, negociava fuga para Coreia do Sul. Deserção poderia ser usada como propaganda pelo inimigo e gerar dúvidas sobre legitimidade do regime.
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A misteriosa morte de Kim Jong-nam, assassinado na segunda-feira (13/02) no aeroporto internacional de Kuala Lampur, na Malásia, pode sugerir o aumento da instabilidade em Pyongyang, já presente desde que seu meio-irmão Kim Jong-un chegou ao poder.
Kim Jong-nam, de 45 anos e primeiro filho do ex-líder norte-coreano Kim Jong-il, caiu em desgraça com seu pai após ser detido por autoridades japonesas no aeroporto internacional de Tóquio, em abril de 2001, ao viajar com um passaporte dominicano falso.
Ele disse aos interrogadores que visitaria os parques da Disney em Tóquio com a família. Enquanto a política familiar prosseguia normalmente na Coreia, seu exílio em Macau e Pequim foi discreto, alimentando seu apetite por amantes, jogos de azar e restaurantes com o dinheiro dado por seu tio, Jang Song-thaek.
Porém, Jang, que já foi considerado a segunda pessoa mais poderosa do país, parou de bancá-lo repentinamente em dezembro de 2013, quando foi preso de forma espetacular por Kim Jong-un e julgado por uma série de acusações, incluindo a tentativa de subverter o regime. Como sentença, Jang foi executado.
Fuga para o país inimigo
A execução sumária de Jang deve ter servido de advertência para Kim Jong-nam e certamente lhe fez reconsiderar suas opções.
Ele poderia, por exemplo, ter continuado a viver sob proteção chinesa, com Pequim o considerando uma possibilidade de liderança caso Kim Jong-un fosse vítima de um golpe ou assassinato.
Kim Jong-nam poderia também correr o risco e desertar para a Coreia do Sul. Há relatos, desde a semana passada, de que ele teria se encontrado com representantes do governo sul-coreano para discutir sua mudança para Seul.
E exatamente isso pode ter sido o estopim para ordenarem seu assassinato: ter um membro da dinastia Kim desertando publicamente para a Coreia do Sul pode ter sido demais para o regime em Pyongyang.
Isso suscitaria dúvidas sobre a legitimidade do regime. E a última coisa que Kim Jong-un precisa, dizem analistas, é de novos distúrbios e dúvidas sobre sua legitimidade para governar.
"De todas as razões para que Kim ordenasse a morte de seu meio-irmão, essa é, para mim, a mais atraente", afirma Rah Jong-yil, ex-chefe da inteligência sul-coreana. "Teria sido um enorme golpe de propaganda para a Coreia do Sul, e houve rumores que sua deserção foi discutida."
País está menos isolado
Segundo Rah Jong-yil diz, a Coreia do Norte já não é mais tão hermeticamente isolada do resto do mundo, porque cada vez mais celulares, cartões de memória e discos estão sendo contrabandeados para ali.
"As pessoas estão começando a ver por si mesmas como é a vida em outros lugares e, especialmente, na Coreia do Sul", ressalta. "Kim Jong-un não tem nada do que se orgulhar desde que se tornou líder, exceto das mais armas nucleares, o que não melhora em nada a vida do cidadão comum. E isso gera insatisfação."
O ex-chefe da inteligência sul-coreana diz que aumentou o número de pessoas comuns arriscando tudo para deixar o país, e os membros da elite, do partido de alto escalão e funcionários do governo fazendo o mesmo.
Toshimitsu Shigemura, professor da Universidade Waseda, em Tóquio, e especialista em assuntos norte-coreanos, concorda que as deserções, particularmente a de Thae Yong-ho, prejudicaram a posição de Kim na Coreia do Norte. Thae fugiu em julho da embaixada da Coreia do Norte em Londres com sua família com a intenção de seguir para Seul.
"Todas essas deserções estão causando uma grande instabilidade nos corredores do poder na Coreia do Norte, porque se vê que Thae só foi capaz de fugir com toda sua família depois de subornar o chefe da polícia secreta em Pyongyang, além dos oficiais da polícia secreta encarregados de monitorá-lo em Londres", declara Shigemura.
Poucos amigos no regime
Quando Kim Jong-un descobriu a verdade, ele demitiu Kim Wong-hong, o chefe da polícia secreta, e expulsou dezenas de oficiais de patente mais baixa da organização, acrescenta Shigemura.
O lado negativo desta ação é que Kim Jong-un está fomentando mais ressentimento em relação à sua liderança entre alguns dos funcionários mais experientes e veteranos do país. O especialista sugere que esse rancor poderia muito facilmente se transformar em hostilidade contra a pessoa de Kim Jong-un e, finalmente, num golpe.
"Kim tem poucos amigos agora", aponta Shigemura. "Ele governa por meio do poder e medo, mas já não tem mais boas relações com a China ou a Rússia, e afastou subordinados e organizações-chave", diz.
Para o especialista, Jong-un pode ter pensado que seu meio-irmão pudesse ser visto por alguns desses setores como um potencial substituto, ao mesmo tempo em que um representante da dinastia Kim permaneceria no poder.
"Ele pode ter se livrado dessa dor de cabeça particular ao ordenar o assassinato do meio-irmão, mas ele agora não está mais estável como antes", opina Shigemura.
Os encantos secretos da Coreia do Norte
Natural de Cingapura, o fotógrafo Aram Pan percorreu durante vários dias o território da ditadura comunista na Ásia. Mas se recusou a abordar política: para ele o que contam são belezas naturais e arquitetônicas.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Tranquila beleza de Pyongyang
O fotógrafo cingapurense Aram Pan viajou em 2013 à Coreia do Norte para realizar o projeto DPRK 360, em que buscou imortalizar o povo e a forma de vida desse hermético Estado asiático, expondo as imagens online. Esta foi tirada do Hotel Yanggakdo, onde Pan se hospedou durante sua estada na capital, Pyongyang.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Ao pé dos ídolos nacionais
O Grande Monumento Mansudae é um dos pontos turísticos mais visitados da capital norte-coreana. Turistas locais e internacionais costumam depositar flores aos pés das gigantescas estátuas dos líderes comunistas Kim Il-sung e Kim Jong-il, que se destacam em meio à esplanada extremamente bem cuidada.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Polícia robótica
Aram Pan conta que a policial da foto se manteve imóvel apenas os segundos necessários para registrá-la. Embora no país não circulem muitos automóveis, as cidades mantêm funcionários encarregados de manter a ordem no tráfego – para o que executam movimentos rítmicos, como robôs.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Metrô sob o signo do perigo
São 15h de um dia de agosto de 2013. Embora não seja horário de pico, o metrô da capital está abarrotado. As estações do meio de transporte urbano, que dispõe de duas linhas, foram construídas a vários metros de profundidade, a fim de resistirem a eventuais bombardeios.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
"Shiny happy people"
Cidadãos dançando felizes e despreocupados, numa ditadura comunista? Além de não interferir no que registra, Pan se recusa a discutir política. Ele pede aos que veem suas fotografias que não pensem nele, mas na gente e nas paisagens do país. "Ninguém viaja a um país para fotografar cárceres", argumenta, ao ser criticado por mostrar uma Coreia do Norte amável. A imagem foi feita perto de Wonsan.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Sol, areia e mar
Na costa norte-coreana, não há diferença visível entre os divertimentos dos cidadãos nas praias e os de qualquer democracia do mundo. Eles jogam voleibol, brincam na areia, entram de boia na água. Não faltam chuveiros para tirar a areia antes da volta para casa. Em muitas fotografias de Pan veem-se rostos sorridentes.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Chove sobre a cidade
Dia de chuva em Wonsan, na costa leste. Aram Pan brinca, afirmando que as pessoas sabem mais sobre o cosmos do que sobre a Coreia do Norte. E acrescenta que deseja contribuir com seu pequeno grão de areia para que isso mude.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
De guarda-chuva no palácio
Estas graciosas meninas são alunas do Palácio de Crianças de Mangyongdae, uma escola perto de Pyongyang. Dança, música, interpretação teatral e desenho são algumas das disciplinas ensinadas na conceituada instituição pública.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Talento genuíno
O fotógrafo de Cingapura conta que esteve cinco minutos observando este garoto desenhar e pode atestar que seu talento é genuíno. Alguns visitantes da página do DPRK 360 no Facebook duvidam da autenticidade das fotografias, que poderiam ser encenadas ou seriam meras atuações para os turistas. Aram Pan assegura que não é o caso.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Sensacional coordenação
O famoso Festival Arirang, de que participam até cem mil ginastas, é uma das maiores demonstrações de trabalho coordenado do mundo. A celebração iniciada em 2002, em honra do fundador da nação, Kim Il-sung, é outra das grandes atrações turísticas norte-coreanas.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Expressão da normalidade
Perto de Kaesong, cidade famosa por dispor de fábricas de investidores sul-coreanos, Aram Pan viu esta senhora que passeava com uma menina. Ele diz que a imagem expressa exatamente o que desejava mostrar da Coreia do Norte: gente comum e normal.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Maravilhas de natureza
Os arredores do monte Kumgang são muito frequentados pelos norte-coreanos, que lá vão para fazer piquenique enquanto admiram a paisagem. A região é umas das grandes apostas do regime: o país aspira transformar-se em polo turístico internacional, e maravilhas naturais como Kumgangsam deverão convencer até os mais céticos.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Vida noturna na capital
À noite, os moradores de Pyongyang tomam o bonde para voltar à casa. Aram Pan enfatiza a misteriosa beleza noturna da cidade, quando o silêncio toma conta dela e as luzes lhe conferem uma atmosfera inigualável.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Maior que o de Paris
Construído em 1982 em homenagem ao 70º aniversário do líder Kim Il-sung, o Arco do Triunfo de Pyongyang é uma dezena de metros mais alto do que seu equivalente em Paris, em cuja arquitetura é baseado. Também aqui a escuridão do céu e a iluminação urbana criam um clima mágico.
Foto: Aram Pan, All Rights Reserved
Um mundo sem política?
Enquanto o sol se põe na capital, vê-se, em primeiro plano, a Torre Juche, enorme obelisco de 170 metros de altura também erguido em 1982 em honra de Kim Il-sung. O fotógrafo Aram Pan não quer saber de conflitos, ideologias ou violações dos direitos humanos: para ele o que conta são as belezas naturais e arquitetônicas da Coreia do Norte, as quais quer mostrar ao mundo em seu projeto DPRK 360.