Até quando os ucranianos conseguirão defender Bakhmut?
Alexandra Ivanova | Olga Sosnytska | Anna Fil
3 de março de 2023
Chefe do Grupo Wagner diz que cidade no Donbass está "praticamente cercada". Especialistas avaliam que captura pelos russos imporia revés ao moral de Kiev, mas estaria longe de definir a guerra.
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O chefe da força mercenária russa Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin,disse nesta sexta-feira (03/03) que seus combatentes cercaram quase completamente Bakhmut, cidade no leste ucraniano que há semanas está no centro de uma feroz disputa entre forças da Rússia e da Ucrânia."Só resta uma estrada", afirmou ele em um vídeo – adeclaração não pôde ser verificada de forma independente.
Na gravação, Prigozhin mostra supostos prisioneiros ucranianos – dois jovense um homem mais velho – e afirma que a cidade agora é defendida apenas por "velhos e crianças".
O lado ucraniano insiste que a localidade continuará sendodefendida."Sim, é difícil e duro, mas sabemos comoprosseguir", disse o secretário do Conselho de Segurança da Ucrânia, Oleksiy Danilov, ao portal de notícias RBK-Ukraina.
Captura enfraqueceria moral ucraniano
"Para as forças ucranianas e russas, Bakhmut é de grande importância estratégica", diz Marina Miron, pesquisadora do Centro de Ética Militar do King's College London. Ela acredita que a captura da cidade resultaria em um novo avanço das tropas russas – talvez na direção de Kramatorsk. "Elas então controlariam estradas importantes, isolariam as forças ucranianas e tornariam muito mais difícil para elas se defenderem", diz.
Além disso, analisa, esse desenvolvimento enfraqueceria o moral das tropas ucranianas e levantaria dúvidas entre os parceiros ocidentais sobre a capacidade do Exército ucraniano.
A tese é compartilhada pelo coronel reformado Ralph Thiele, ex-funcionário do gabinete do comandante-em-chefe da Otan. "O lado ucraniano também vem sendo aqui pressionado a apresentar resultados – inclusive por seus parceiros ocidentais. De alguma forma, também deve ser constantemente justificado frente à opinião pública por que está sendo dado tamanho apoio à Ucrânia", diz o especialista alemão.
Thiele ressalta, ainda, o fator psicológico envolvido na defesa de Bakhmut. "As pessoas têm que ser, de alguma forma, motivadas a perseverar. Claro, isso também envia um sinal para toda a Ucrânia – tanto para a população civil como para os soldados em outros lugares", explica.
Mike Martin, também pesquisador da King's College, atribui à meta de "libertar o Donbass", anunciada por Putin, a insistência de Moscou em tentar capturar Bakhmut a todo custo. "Se você observar como correm as estradas e a rede ferroviária, você encontra duas grandes cidades a oeste de Bakhmut que ainda estão no Donbass: Sloviansk e Kramatorsk. E, para capturá-las, o que é necessário para seu objetivo estratégico, eles têm primeiro que tomar Bakhmut."
Quem tem melhores chances?
Ralph Thiele avalia como mínimas as chances dos ucranianos na luta por Bakhmut. Segundo ele, as forças russas quase cercaram a cidade. "Há uma pequena faixa de quatro quilômetros de largura que ainda é livremente acessível para fuga, reforços ou suprimentos. Mas quatro quilômetros não é nada, e os russos cercam a cidade como uma ferradura e estão tentando envergar essa ferradura para juntar suas pontas", diz Thiele.
Além disso, ele afirma que os russos são superiores aos ucranianos em Bakhmut. "Se você olhar para a situação geral, poderá ver muitos tipos de equipamento do lado russo, sejam veículos blindados, tanques, artilharia ou aeronaves", diz o especialista, acrescentando que os ucranianos, por outro lado, teriam que esperar a chegada da ajuda militar ocidental.
Quanto a essa ajuda, Thiele é menos otimista. "Quando vemos que a Europa inteira está produzindo menos munição para a Ucrânia em um mês do que os russos disparam em um dia, você pode ver como será difícil conseguir ter o apoio necessário. O assunto dos tanques também é extremamente difícil. Na discussão pública, as pessoas sempre disseram: tanques sim, mas os tanques têm que chegar lá de alguma forma. Eles têm que ser transportados, mas muitas pontes não conseguem suportá-los. Portanto, é difícil conseguir com que eles cheguem até lá. Se um tanque quebra ou precisa de manutenção, você não pode fazer isso no local, pode ter que viajar 900 quilômetros de volta à Polônia ou à Eslováquia."
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Cenários para uma ofensiva ucraniana
"Se os russos tiverem sucesso em Bakhmut, eles conseguem abocanhar um pedaço de terreno, mas isso não seria um avanço tão profundo na região, porque a próxima linha de defesa viria logo a seguir", avalia Markus Reisner, coronel das Forças Armadas austríacas.
Após vitórias perto de Kharkiv e de Kherson, a Ucrânia decidiu lançar uma terceira ofensiva com relativa rapidez – de Zaporíjia a Melitopol. Segundo o militar, no entanto, devido à pressão que as forças ucranianas estão sofrendo nas proximidades de Bakhmut, Kiev é forçada a transferir forças para lá.
Segundo ele, o Exército ucraniano está preparando oito brigadas em busca de um local adequado para uma ofensiva. Essa poderia ser a área ao norte de Melitopol. Em caso de sucesso na empreitada, as forças russas na Crimeia, assim como na região de Zaporíjia e nos arredores de Kherson, poderiam ter cortadas suas rotas de suprimento através da ponte da Crimeia. "Então, os russos teriam outras preocupações, ou seja, o abastecimento de suas tropas nesta área, ao invés de novas ofensivas no Donbass", diz Reisner.
"Mas ainda não chegou a hora de uma contraofensiva ucraniana", diz Gustav Gressel, especialista em Rússia do think tank European Council on Foreign Relations (ECFR, na sigla em inglês). "Para lançar uma contraofensiva, é necessário se organizar longe das linhas de frente e dos combates e reunir recursos para um avanço. Isso seria arriscado neste estágio. Mesmo que a Ucrânia penetrasse nas linhas russas e expandisse seu controle, os russos ainda teriam fortes reservas e um grande número de tropas para lançar na batalha", explica Gressel, lembrando que os russos poderiam atacar os ucranianos de lados diferentes ao mesmo tempo.
"Se esperarmos alguns meses até que o potencial ofensivo da Rússia se exaure e ela comece a gastar suas reservas para alimentar a ofensiva atual, as forças ucranianas terão mais margem de manobra para expandir seu controle assim que penetrarem na frente russa. Assim, seria possível libertar mais território com a mesma quantidade de perdas e de veículos mobilizados", diz Gressel.
Trégua ainda neste ano?
"Todo mundo tem interesse em que esta guerra termine agora, e é claro que os lados estão pressionando, de preferência do lado ucraniano, e talvez agora do lado russo, via Índia e China", afirma Ralph Thiele. No entanto, ele considera irreal a ideia de uma derrota da Rússia, ressaltando que Moscou ainda tem um grande potencial de escalada – não somente com armas nucleares. "Isso inclui armas supersônicas, que nem percebemos", adverte.
Segundo o militar alemão, agora é tarefa do Ocidente impedir uma escalada. "Temos que ver como podemos convencê-lo a ceder, e isso tende a ser feito principalmente por aqueles que o apoiam. Isso seria o caso de China ou Índia, Arábia Saudita, Brasil e África do Sul. É um grupo grande que poderia realmente pressionar a Rússia." E, no caso da Ucrânia, de acordo com Thiele, qualquer sucesso militar ajudaria Kiev a fortalecer sua posição antes de um cessar-fogo.
Um ano de guerra da Ucrânia: uma linha do tempo em imagens
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Em um ano de combates, milhares de soldados e civis perderam a vida. Relembre os fatos mais marcantes nesta linha do tempo.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images
Um dia sombrio para milhões
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, os ucranianos foram acordados por explosões como esta na capital, Kiev. A Rússia havia iniciado uma invasão em grande escala, marcando o maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial. A Ucrânia imediatamente declarou a lei marcial. Estruturas civis passaram a ser atacadas e logo começaram a ser relatadas as primeiras mortes.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
Bombardeios impiedosos
O presidente russo, Vladimir Putin, insiste ainda hoje tratar-se de uma "operação militar especial" e que o objetivo é tomar as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia. Moradores de Mariupol se abrigaram em porões por semanas. Muitos morreram sob os escombros. Um ataque aéreo russo em março a um teatro da cidade onde centenas se refugiavam foi condenado por grupos de direitos humanos.
Foto: Nikolai Trishin/TASS/dpa/picture alliance
Êxodo em massa
A guerra na Ucrânia forçou uma emigração nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Acnur, a agência de refugiados da ONU, mais de 8 milhões de pessoas fugiram do país. Só a Polônia acolheu 1,5 milhão de pessoas, mais do que qualquer outro Estado da UE. Milhões de pessoas, principalmente do leste e do sul da Ucrânia, foram forçadas a fugir.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP
Cenas de horror em Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano conseguiu expulsar as forças russas de áreas no norte e nordeste do país. O plano da Rússia de sitiar Kiev fracassou. Depois que as regiões foram libertadas, a extensão das atrocidades tornou-se aparente. Imagens de civis torturados e assassinados em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. As autoridades relataram 461 mortes.
Foto: Carol Guzy/ZUMA PRESS/dpa/picture alliance
Devastação e morte em Kramatorsk
O número de vítimas civis em Donbass aumentou rapidamente. As autoridades pediram à população civil para recuar para áreas mais seguras, mas os mísseis russos também atingiram as pessoas enquanto tentavam escapar, inclusive em Kramatorsk. Mais de 61 foram mortos e 120 ficaram feridos na estação ferroviária da cidade em abril, quando milhares esperavam para fugir para um local mais seguro.
Durante os ataques aéreos russos, milhões de ucranianos buscaram refúgio em algum tipo de abrigo. Para as pessoas próximas às linhas de frente dentro do alcance da artilharia, os porões se tornaram segundos lares. Moradores de grandes cidades também buscaram abrigo dos mísseis. Em Kiev (foto) e em Kharkiv, as estações de metrô funcionam como locais seguros.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Alto risco nuclear em Zaporíjia
Nas primeiras semanas após a invasão, a Rússia ocupou uma grande área das regiões sul e leste da Ucrânia, inclusive as proximidades de Kiev. Os combates se espalharam para as instalações do complexo nuclear de Zaporíjia, no sudeste, que está sob controle russo desde então. A Agência Internacional de Energia Atômica enviou especialistas para a usina e pediu uma zona segura ao redor da instalação.
Foto: Str./AFP/Getty Images
Resistência desesperada em Mariupol
O exército russo manteve Mariupol sob cerco por três meses, impedindo o envio de munição e outros suprimentos. O complexo siderúrgico Asovstal era o último reduto ucraniano na cidade, abrigando milhares de soldados e civis. Depois de um ataque prolongado, em maio de 2022 milhares de soldados russos assumiram o controle da usina, capturando mais de 2 mil pessoas.
Foto: Dmytro 'Orest' Kozatskyi/AFP
Um símbolo de resistência
A Rússia conquistou a Ilha das Cobras, no Mar Negro, no primeiro dia da guerra. Um diálogo entre militares ucranianos e russos, na qual os ucranianos se recusaram a se render, se tornou viral. Em abril, os ucranianos afirmaram ter afundado o navio de guerra russo Moskva, uma das duas embarcações envolvidas no ataque à ilha. Em junho, a Ucrânia disse ter expulsado os russos da ilha.
Foto: Ukraine's border guard service/AFP
Número de mortos incerto
O número exato de mortos na guerra permanece incerto. Segundo a ONU, pelo menos 7.200 civis foram mortos e outros 12 mil, feridos – mas os números reais podem ser muito maiores. A quantidade exata de soldados ucranianos tombados também é incerta. Em dezembro, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, estimou o número em até 13 mil. Estatísticas imparciais não estão disponíveis.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Divisor de águas para a Ucrânia
O envio de armas ocidentais à Ucrânia tem sido um assunto polêmico desde o começo da guerra, mas elas demoraram a chegar a Kiev. Os lançadores de foguetes Himars, fabricados nos EUA, foram uma ajuda decisiva. Eles permitiram que os militares ucranianos cortassem o abastecimento de munição para a artilharia russa e provavelmente também contribuíram para as contraofensivas bem-sucedidas da Ucrânia.
Foto: James Lefty Larimer/US Army/Zuma Wire/IMAGO
Alívio a cada libertação
No início de setembro, os militares ucranianos conduziram uma contraofensiva bem-sucedida em Kharkiv, no nordeste do país. Os russos, surpreendidos, recuaram rapidamente, deixando para trás equipamentos, munições e até evidências de supostos crimes de guerra. Os militares ucranianos também conseguiram libertar Kherson, no sul, e seus moradores comemoraram a chegada dos soldados ucranianos.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Explosão na ponte da Crimeia
No início de outubro, ocorreu uma grande explosão na ponte que a Rússia construiu sobre o Estreito de Kerch, ligando à Crimeia, península ucraniana que Moscou ocupa desde 2014. A ponte foi parcialmente destruída. A Rússia afirma que um caminhão da Ucrânia carregado de explosivos causou os danos, mas as autoridades em Kiev não assumiram a responsabilidade pelo ataque.
Foto: AFP/Getty Images
Ataques maciços à infraestrutura de energia
Poucos dias após a explosão na ponte da Crimeia, a Rússia começou a atacar em grande escala a infraestrutura de energia da Ucrânia. Quedas de energia ocorreram de Lviv a Kharkiv. Desde então, esses ataques se tornaram rotina. Devido aos enormes danos às usinas de energia e outras infraestruturas civis, as pessoas na Ucrânia enfrentam quedas de energia e escassez de água quase diariamente.
Foto: Genya Savilov/AFP/Getty Images
Apoio do mundo ocidental
Mensagens diárias por vídeo do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em que ele relata a situação no país e sobre a guerra em andamento, são vistas por milhões de pessoas. Zelenski não só conseguiu unificar a população de seu país, mas também ganhou o apoio do Ocidente. A integração europeia progrediu muito sob a sua liderança, e a Ucrânia está a caminho da adesão à UE.
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
Esperando por tanques Leopard 2
A defesa da Ucrânia depende muito da ajuda externa. Um grupo de países liderado pelos EUA ofereceu um pacote de bilhões de dólares em ajuda humanitária, financeira e militar. O envio de artilharia pesada foi muito debatido no Ocidente, em grande parte devido a preocupações com a reação da Rússia. Mas a Ucrânia acabará recebendo tanques ocidentais, em sua maioria Leopard 2, de fabricação alemã.
Foto: Ina Fassbender/AFP/Getty Images
Uma cidade em ruínas
Há meses, batalhas sangrentas acontecem em Bakhmut, na região de Donetsk. Desde que as tropas ucranianas perderam o controle do vilarejo de Soledar no início de 2023, defender a cidade tornou-se ainda mais difícil. Em janeiro, o serviço secreto da Alemanha relatou perdas diárias de três dígitos do lado ucraniano. Mas acredita-se que o número de mortos na Rússia seja ainda maior.