No sul de Israel, centenas morreram em ataques do grupo terrorista Hamas, muitos nas comunidades próximas à fronteira com a Faixa de Gaza. Suas populações foram surpreendidas pela dimensão da violência.
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Be'eri, Kfar Aza, Re'im. Nesses vilarejos, todos kibutzim – comunidades agrícolas com administração coletiva –, o inimaginável aconteceu: tomadas de reféns, sequestros, assassinatos. Esses locais ficam nas imediações da Faixa de Gaza, e suas populações foram as primeiras vítimas dos ataques do grupo terrorista islâmico Hamas.
"É uma catástrofe. E ainda não acabou", diz Micky Drill, gerente de projetos da Fundação Friedrich Ebert que há anos atua em Israel. Há relatos de combates no kibutz Magen, a apenas quatro quilômetros da fronteira com a Faixa de Gaza. Atualmente morando ao sul de Tel Aviv, Drill viveu por dez anos exatamente no local onde os combates ocorrem neste momento.
O sul de Israel, na fronteira com a Faixa de Gaza, é rural, com presença maciça dessas comunidades, algumas com 400 habitantes, outras com até 800.
Há mais de 100 anos, portanto antes da fundação do Estado de Israel em 1948, existem kibutzim nesse território. Alguns também estão localizados na Cisjordânia, ocupada por Israel, e nas Colinas de Golã, área que foi anexada.
As comunidades e seus modos de vida originalmente coletivistas baseiam-se em princípios como justiça social e apoio mútuo. Apesar de muitos terem sido privatizados e de apenas 4% dos israelenses viverem atualmente neles, os kibutzim ainda geram uma parcela significativa da produção agrícola do país.
Áreas populares apesar dos mísseis
O sul de Israel tornou-se cada vez mais popular nos últimos anos, assim como todo o movimento explica Drill: "O movimento kibutz hoje está em ascensão e é muito popular. Em sua maior parte, essa área é composta por kibutzim e teve um aumento populacional impressionante nos últimos anos, apesar da ameaça militar. São comunidades fortes, com muita natureza e um padrão de vida muito diferente do das cidades."
Essa constatação é um tanto surpreendente porque quem mora perto da Faixa de Gaza convive com alertas antimísseis constantes – às vezes, dispondo de apenas 15 segundos para procurar abrigo.
Mas a população se acostumou com essa ameaça ao longo do tempo, diz Drill: "Toda a infraestrutura foi adaptada. Todas as casas são protegidas com tetos de concreto. O que aconteceu agora, porém, é uma questão completamente diferente."
Imagens aterrorizantes
Conforme relatos, estima-se que até 300 militantes do Hamas entraram em Israel nas primeiras horas da manhã do sábado. Vídeos nas mídias sociais mostram cenas chocantes de civis mortos, prédios em chamas e reféns expostos.
"Ninguém imaginava que [os terroristas] iam romper a cerca com uma escavadeira, entrar nos kibutzim e massacrar as pessoas, e levar as famílias e as crianças de suas camas para Gaza."
Alguns falam de "o 11 de Setembro" de Israel, uma tragédia para o país. Para os moradores dos kibutzim, avalia Drill, o ataque também significa uma "enorme quebra de confiança", inclusive em relação ao próprio Exército e ao governo de Israel.
Antes, esses órgãos argumentavam que graças ao sistema de defesa antimísseis e aos túneis desativados, que foram um problema de segurança durante anos, a população estava segura. E isso, segundo o especialista, não se confirmou.
Além disso, os habitantes dos kibutzim são tradicionalmente de esquerda em termos políticos. Há também kibutzim religiosos, mas a maioria tem sua tradição em ideais socialistas. Poucos teriam votado no atual governo, acredita Drill.
Faixa de Gaza até a praia
Muitos ainda se lembram da época em que a Faixa de Gaza era aberta. "Naquele tempo, íamos para o mar de bicicleta", recorda Drill. Só em 1994 Gaza foi isolada com a cerca da fronteira, entre outras medidas.
Agora, muitos estão decepcionados com o governo e com as Forças Armadas, inclusive por ter levado muito tempo até os militares chegarem ao local. No início os próprios residentes tiveram que se defender contra os terroristas.
No kibutz Be'eri, quase 50 foram mantidos como reféns por horas, até o exército conseguir dar fim ao sequestro. "Os terroristas sabem exatamente onde estão os pontos fracos, onde os kibutzim estão protegidos ou mesmo se estão protegidos", diz Drill.
Uma das primeiras e mais proeminentes vítimas dos ataques de 7 de outubro é Ofir Liebstein, líder regional e porta-voz de longa data do kibutz Kfar Aza. Ele já se manifestava com frequência a favor da paz, descrevendo a vida na fronteira como "99% um paraíso: "Mas 1% do tempo é um inferno, e esse inferno pode se liberar a qualquer momento."
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
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2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.