Ataque dos EUA mata dez de uma mesma família em Cabul
30 de agosto de 2021
EUA afirmam ter neutralizado carro-bomba que realizaria atentado terrorista no aeroporto. Relatos indicam mortes de crianças e civis sem ligação com organizações islamistas. Talibã condena ação.
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O ataque de um drone americano em Cabul, que visava evitar uma ameaça terrorista, deixou numerosas vítimas civis, segundo relatos de residentes do local e do próprio Talibã.
O Pentágono declarou nesta segunda-feira (30/08) que o alvo do ataque era um carro-bomba que se preparava para realizar um atentado no aeroporto da capital afegã, onde os Estados Unidos realizam os últimos esforços para retirar o maior número possível de cidadãos, a poucas horas do fim do prazo previsto.
Uma reportagem do jornal americano The New York Times ouviu de uma família de Cabul que um ataque matou dez de seus membros, incluindo sete crianças, um funcionário de organização humanitária americana e um colaborador das Forças Armadas dos EUA.
Zemari Ahmadi, que trabalhava para a ONG Nutrition and Education International, voltava de carro para casa depois do trabalho e de deixar alguns colegas em suas residências, na noite de domingo, segundo relatos de alguns de seus parentes e colegas ao jornal americano.
Ao chegar na ruela onde morava com três irmãos e suas famílias, diversas crianças viram o carro se aproximar e correram para saudá-lo. Quando o veículo entrava no pátio da casa, um míssil atingiu sua parte traseira, matando Ahmadi e algumas das crianças, além de ferir outras mortalmente no interior da casa.
A filha de Ahmadi Samia, de 21 anos, estava em casa quando o ataque ocorreu. Inicialmente ela pensou se tratar de um atentado do Talibã, até se dar conta de que os americanos estavam por trás do incidente.
Seu noivo, Ahmad Naser, ex-colaborador das tropas americanas no Afeganistão, está entre as vítimas. Ele viera da província de Herat na esperança de deixar o país num dos voos ocidentais.
Ahmadi era engenheiro técnico da representação da ONG com sede em Pasadena, Califórnia. Seus vizinhos e parentes, muitos dos quais trabalhavam nas agora extintas forças de segurança afegãs, asseguram que ele não tinha associação com nenhum grupo terrorista.
A reportagem do NYT viu documentos que comprovariam o longo envolvimento de Ahmadi com a ONG americana, além de um pedido de visto especial de imigração por parte de Naser, com base em serviços prestados numa base americana em Herat.
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Saldo de mortos possivelmente maior
O Comando Central dos EUA admitiu que a detonação de um veículo carregado de explosivos, que teria eliminado uma ameaça dos apoiadores do grupo islamista "Estado Islâmico Khorasan” (EI-K), possa ter feito vítimas civis. O órgão afirma estar investigando os relatos de mortes de inocentes.
"Sabemos que houve explosões subsequentes poderosas e substanciais, resultantes da destruição do veículo, o que indica [a existência de] uma grande quantidade de explosivos que poderiam ter causado mortes adicionais”, informou.
Um porta-voz do Talibã criticou os americanos por não o informarem antes de realizar o ataque. O porta-voz do grupo Zabihullah Mujahid classificou o ataque de drone como ilegal, por se tratar de ação americana em solo estrangeiro.
"Se havia qualquer ameaça potencial, devia ter sido comunicado a nós [...] mas, não realizar um ataque arbitrário que resultou em mortes de civis”, disse o porta-voz. Relatos paralelos sugerem que o número de mortes resultantes da ação americana seja ainda maior.
Nesta segunda-feira os EUA também interceptaram e derrubaram foguetes disparados contra o aeroporto de Cabul, onde militares americanos correm contra o tempo para concluir sua retirada do Afeganistão dentro do prazo previsto, até esta terça-feira, selando o fim de 20 anos de guerra no país.
O braço afegão do grupo "Estado Islâmico" (EI) reivindicou a autoria dos ataques. "Os soldados do califado miraram o aeroporto internacional de Cabul com seis foguetes", afirmou o chamado "Estado Islâmico Khorasan" (EI-K) em comunicado, afirmando que houvera feridos.
rc (Reuters, ots)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.