Ataque israelense em Gaza mata sete voluntários de ONG
2 de abril de 2024
Veículos da ONG World Central Kitchen levavam alimentos a áreas ameaçadas de fome no enclave palestino. Cidadãos da Austrália e Reino Unido estão entre os mortos. Israel promete investigação exaustiva.
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A ONG World Central Kitchen (WCK) informou nesta terça-feira (02/04) ter suspendido suas operações na Faixa de Gaza devido à morte de sete de seus funcionários num ataque aéreo "direcionado" das Forças de Defesa de Israel (FDI) no centro do território palestino.
A WCK é uma iniciativa do chef espanhol José Andrés com o fim de fornecer refeições a áreas de catástrofe. Confirmando relatos iniciais pelo gabinete de imprensa de Gaza, mantido pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas, ela listou as vítimas como cidadãos da Austrália, Polônia e Reino Unido, além de um palestino e um cidadão americano-canadense.
Ao ser atingida, a equipe da WCK acabara de sair de um armazém da cidade palestina de Deir al-Balah, em direção a Khan Younis, em dois carros blindados claramente designados com seu logo e em coordenação com as IDF.
"Não é só um ataque contra a WCK, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam na mais terrível das situações, em que comida está sendo usada como arma de guerra. É imperdoável", comentou a diretora geral da ONG, Erin Gore.
"Estou de coração partido e horrorizada que nós – a World Central Kitchen e o mundo – tenhamos perdido vidas lindas hoje por causa de um ataque direcionado das IDF. O amor que elas tinham de alimentar seres humanos, a determinação que encarnavam, mostrando que a humanidade se eleva acima de tudo, e o impacto que tiveram em incontáveis vidas serão lembrados e prezados para sempre."
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Israel reconhece ataque
Em comunicado, as Forças de Defesa de Israel afirmaram estar "conduzindo uma investigação exaustiva, nos níveis mais altos, para compreender as circunstâncias desse trágico incidente", completando: "As FDI promovem esforços extensos para possibilitar o fornecimento seguro de ajuda humanitária, e tem trabalhado de perto com a WCK em seus esforços vitais para prover alimento e assistência à população de Gaza."
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reconheceu que o ataque partiu do Exército israelense. "Infelizmente, houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente", disse o premiê.
Já o presidente de Israel, Isaac Herzog, telefonou para o chef espanhol José Andrés nesta terça-feira para se desculpar pela morte dos sete funcionários.
"O presidente Herzog expressou seu profundo pesar e sinceras desculpas pela trágica perda de vidas dos funcionários da WCK na Faixa de Gaza na noite passada, e enviou suas condolências às suas famílias e entes queridos", disse um comunicado presidencial.
Reações
Outros líderes mundiais também reagiram ao ataque. O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, afirmou estar "chocado" com o episódio. Já o premiê espanhol, Pedro Sánchez, disse ter ficado "horrorizado", e o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, cobrou explicações de Israel - uma das vítimas era uma cidadã australiana.
O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, disse que estava "indignado" com o ataque. O presidente dos EUA, Joe Biden, também teria ficado "de coração partido", disse a secretária de imprensa Karine Jean-Pierre.
Um porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas afirmou que as mortes foram um “resultado inevitável da forma como a guerra está sendo conduzida".
"O secretário-geral da ONU, António Guterres, apresenta as suas condolências aos funcionários da World Central Kitchen após a morte dos seus funcionários em Gaza que se encontravam numa missão humanitária", disse Stéphane Dujarric numa conferência de imprensa em Nova Iorque.
A Alemanha, por sua vez, pediu nesta que Israel realize uma investigação completa sobre o ataque. "O governo israelense deve investigar esse terrível incidente de forma rápida e completa", escreveu a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, na rede X.
ONGs espanholas entregaram 400 toneladas de alimentos a Gaza
Falando à emissora pública ABC, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, assegurou que o Ministério do Exterior está "investigando urgentemente" os relatos.
"Estou muito preocupado com a perda de vidas ocorrendo em Gaza. Meu governo tem se empenhado por um cessar-fogo sustentável, com apelos à libertação dos reféns. E foram perdidas demasiadas vidas inocentes de palestinos e israelenses, durante o conflito do Hamas em Gaza."
O incidente ocorreu no dia da chegada a Gaza do segundo carregamento de alimentos por via marítima, numa flotilha organizada pela WCK e o grupo espanhol Open Arms, responsáveis pela entrega de quase 400 toneladas. Segundo a Organização das Nações Unidos, o norte do território está ameaçado de fome em massa.
A guerra na Faixa de Gaza foi desencadeada pelo atentado terrorista em grande escala contra o norte de Israel de 7 de outubro de 2023, em que militantes do Hamas mataram 1.200 e levaram cerca de 250 reféns.
Em represália, a liderança israelense lançou uma ofensiva militar, prometendo destruir o Hamas, que controla parte de Gaza. Segundo o Ministério da Saúde local, na atual guerra já foram mortos 32.845 palestinos, a maioria crianças e mulheres, e outros 75.392 foram feridos.
av/cn (Reuters, AP)
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.