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Ataque russo contra Ucrânia deixa ordem mundial em ruínas

24 de fevereiro de 2022

Invasão ordenada por Vladimir Putin mudou os parâmetros da política global da noite para o dia. Políticos e especialistas se perguntam agora o que o Ocidente fez errado para permitir que a situação chegasse a tal ponto.

Ruínas pegando fogo em campo
Fogo, fumaça e destruição após ataque russo em KievFoto: Efrem Lukatsky/AP/picture alliance

"Uma violação flagrante do direito internacional", foi como o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, classificou o ataque russo, acrescentando que Vladimir Putin "colocou em questão a ordem de paz do nosso continente".

"Hoje acordamos num mundo diferente", afirmou a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock. E o chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, fala da "hora mais negra para a Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial".

O tenente-general Alfons Mais, comandante da Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha, escreveu na rede social Linkedin: "Em meu 41° ano de serviço em paz, não acreditava que ainda teria que vivenciar mais uma guerra. E a Bundeswehr, o Exército que tenho a honra de comandar, fica ali, mais ou menos se ação."

Esperanças destruídas de 1990

Não-violência, inviolabilidade das fronteiras, autodeterminação: esses foram os pilares da ordem do pós-guerra. É verdade que dois blocos opostos altamente armados alimentaram rivalidade durante a Guerra Fria, a Otan de um lado e o Pacto de Varsóvia, liderado pela União Soviética, do outro. Mas muitos esperavam que, com o fim do comunismo em 1989/90 e a dissolução da União Soviética, essa rivalidade fosse superada.

Mesmo depois disso, houve guerra na Europa, por exemplo, quando a Iugoslávia entrou em colapso na primeira metade da década de 1990. Mas a amplitude de uma ataque executado por uma grande potência supera qualquer coisa desde a Segunda Guerra Mundial.

O comandante Mais escreveu, chocado: "Todos nós vimos que isso ia acontecer e não fomos capazes de nos fazer entender com nossos argumentos, tirar as conclusões a partir da anexação da Crimeia e implementá-las". E ainda: "As opções que podemos oferecer ao meio político para apoio da aliança são extremamente limitadas".

Stoltenberg garantiu aos membros do Leste que Otan fará tudo para proteger todos os aliadosFoto: Olivier Matthys/AP/picture alliance

Caixa de Pandora

Os Estados do leste da Otan e da UE, sobretudo as três repúblicas bálticas da Estônia, Letônia e Lituânia, agora se perguntam se também estão sob ameaça. Tendo pertencido à União Soviética., eles têm longas fronteiras com a Rússia e Belarus, que é um aliado de Moscou, e têm fortes minorias de língua russa.

A ex-presidente da Lituânia Dalia Grybauskaite afrimou no Twitter que "as sanções não impedirão o agressor", acrescentando que os "criminosos de guerra" só podem ser detidos "no campo de batalha". O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, garantiu aos países-membros do Leste que a aliança militar fará tudo o que puder para proteger todos os aliados.

No que diz respeito aos países bálticos, no entanto, já em 2016 especialistas militares ocidentais levantaram dúvidas sobre se a Otan poderia realmente defendê-los. Uma investigação do think tank americano Rand Corporation, com colaboração do ex-comandante da Otan Egon Ramms, aponta que a Rússia poderia facilmente isolar os três Estados e cortar os suprimentos da Otan ao norte.A infantaria da Otan, segundo o estudo, "sequer seria capaz de recuar" e "seria destruída no local". Restaria apenas tentar recapturar os Estados Bálticos. Mas isso terminaria "em desastre".

Se voltar a haver deslocamentos de fronteira violentos e, acima de tudo, se forem tolerados pela comunidade internacional, isso poderá abrir uma caixa de Pandora, consideradas as muitas reivindicações territoriais mantidas por países ao redor do mundo em relação a outros.

Por exemplo, a China reivindica a ilha de Taiwan. A Sérvia, que tem boas relações com a Rússia, poderia tentar expandir seu território para incluir a República de Srpska na Bósnia-Herzegovina, para citar apenas dois exemplos.

"Agora é hora de a Alemanha acordar", adverte o embaixador ucraniano em Berlim, Andriy MelnykFoto: Susanne Huebner/imago Images

Ingênua Alemanha

Para a Alemanha em particular, a invasão põe pelo avesso tudo em que sua liderança política acredita há décadas. Por causa de sua própria história com o nazismo e por ter desencadeado a Segunda Guerra Mundial, o país tem estado particularmente comprometido com a política de distensão e compreensão.

"Agora é hora de a Alemanha acordar", adverte o embaixador ucraniano em Berlim, Andriy Melnyk. "Todos os avisos foram ignorados no Ocidente, inclusive pela Alemanha." Alguns políticos agora admitem isso. "Provavelmente nós todos na Alemanha fomos – e não estou me excluindo – um pouco ingênuos demais", admitiu o líder da conservadora União Democrata Cristã (CDU), Friedrich Merz, à emissora Welt.

A também democrata cristã ex-ministra da Defesa Annegret Kramp-Karrenbauer foi ainda mais incisiva: "Estou com muita raiva de nós porque falhamos historicamente", escreveu no Twitter. Mesmo após a anexação da Crimeia, segundo ela, nenhuma dissuasão real foi aplicada. Ex-chefes d governo como Helmut Schmidt e Helmut Kohl sabiam que "as negociações sempre têm prioridade, mas é preciso ser forte militarmente ao ponto de uma não negociação não ser uma opção para o lado oposto."

EUA ainda são garantia de segurança

A invasão também pode exigir que Washington mude de rumo. O presidente americano, Joe Biden, prometeu que os Estados Unidos e seus aliados agirão "unidos e de forma determinada". Essa unidade nem sempre foi uma coisa natural nos últimos anos, especialmente durante os anos de Donald Trump, que inicialmente questionou a própria Otan.

Mas mesmo antes de Trump, os Estados Unidos se afastaram da Europa e exigiram mais responsabilidade dos europeus, sobretudo do ponto de vista militar. Sob Biden, o tom tornou-se novamente mais conciliador, mas uma certa distância permaneceu.

"Os EUA são novamente – e, em princípio, contrariando seus planos e expectativas – a garantia da segurança europeia", diz Johannes Varwick, especialista em política externa da Universidade de Halle. "Agora temos que reativar o velho conceito de contenção contra a Rússia. Isso significa fortalecer o flanco leste da Otan e mostrar a Putin esse limite com dissuasão", escreveu à DW.

Joe Biden prometeu que EUA e seus aliados agirão "unidos e de forma determinada". Foto: Alex Brandon/AP Photo/picture alliance

"Passagem para uma guerra civil global"

Mas e os países da Europa Oriental, como a Ucrânia ou a Geórgia, que até agora tentaram em vão encontrar proteção sob a Otan? Para uma parte da Europa, "a ordem de 1990 está em ruínas", diz o especialista em segurança Rafael Loss, do Conselho Europeu de Relações Exteriores em entrevista à DW.

"Podemos nos encontrar numa situação em que o mais importante seja defender os países que já estão no clube do que tentar integrar os de fora." Loss acredita que, no futuro próximo, isso resultará numa "Europa muito fragmentada". Voltamos, segundo ele, a um estado em que os Estados da UE e da Otan "já não estão mais tão dispostos a atender esses países".

A presidente do Parlamento alemão, Bärbel Bas, escreveu a seu colega ucraniano Ruslan Stefantschuk: "O 24 de fevereiro de 2022 ficará na história da Europa e de todo o mundo civilizado como um dia sombrio."

Este 24 de fevereiro de 2022 mudou muita coisa, principalmente as ideias de como o mundo é ou como deveria ser. Ele destruiu ilusões, talvez mais na Alemanha do que em qualquer outro lugar.

O cientista político Johannes Varwick adverte: "Deve permanecer uma exceção que as fronteiras sejam movidas pela força militar. Caso contrário, acabaremos na cozinha do diabo na Europa e muito além, e isso seria uma passagem para uma guerra civil global."


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