Ataques dos EUA no Caribe são ilegais, alertam analistas
Diego Zúñiga
18 de setembro de 2025
Ataques a pequenas embarcações venezuelanas, sob pretexto de combater narcotráfico, são execuções extrajudiciais proibidas pelo direito internacional, apontam especialistas ouvidos pela DW.
Imagens compartilhadas por Donald Trump em sua rede social dos barcos atacados pelas forças americanasFoto: The White House/Handout/REUTERS
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O presidente Donald Trump afirmou na terça-feira (16/09) que as forças enviadas pelos Estados Unidos ao mar do Caribe para reprimir o transporte de drogas a partir da América do Sul destruíram três embarcações, e não duas, como vinha sendo informado até agora. Segundo o governo americano, o primeiro ataque, ocorrido em 2 de setembro, deixou 11 mortos. O segundo, no dia 15, outros três.
"Nós destruímos três barcos, na verdade, não dois. Mas vocês viram dois", afirmou Trump a jornalistas, sem dar mais detalhes. Em seguida, ele mandou uma mensagem ao líder venezuelano Nicolás Maduro. "Bem, eu diria o seguinte: parem imediatamente de enviar o [cartel] Tren de Aragua para os Estados Unidos. Parem de enviar drogas para os Estados Unidos."
Washington defende que o uso de mísseis contra pequenas embarcações tem como objetivo frear o fluxo de drogas que inunda o país. Para analistas ouvidos pela DW, essas operações militares servem como um sinal para pressionar a Venezuela e outros países da região.
Efeitos colaterais em Caracas
"Isso demonstra que o primeiro ataque não foi um caso isolado, mas que se está buscando padronizar essa prática como um novo método de combate ao narcotráfico", afirmou à DW Tiziano Breda, analista sênior para América Latina e Caribe na organização sem fins lucrativos Armed Conflict Location and Event Data (Acled). Embora a estratégia possa reprimir a saída de pequenas embarcações, a maior parte da droga é transportada dentro de contêineres em grandes navios, destaca o especialista.
Uma lancha costeira venezuelana destacada como parte da mobilização militar ordenada por CaracasFoto: Juan Carlos Hernandez/REUTERS
Em sua opinião, a presença militar dos Estados Unidos na região pode ter um outro impacto na economia venezuelana – dificultar o transporte de petróleo em navios de "frotas fantasmas" que buscam contornar as sanções impostas ao país. Também "tende a aumentar o nervosismo que se vive em Miraflores, quanto à possibilidade de que esses ataques sejam apenas o prelúdio para uma intervenção mais ampla, cujos efeitos são difíceis de prever".
Questão jurídica complexa
"É necessário fazer uma distinção que muitas vezes se perde no debate público", adverte Simón Gómez Guaimara, especialista venezuelano em direito internacional, à DW. Ele se refere à diferença entre a legalidade da operação desencadeada pelos Estados Unidos e a legalidade dos meios utilizados. "Digamos que, em conjunto, uma operação desse tipo não viola, ou não violou até agora, a proibição do uso da força entre os Estados", afirma o especialista.
Mas há um porém: "Vimos o uso de mísseis contra embarcações suspeitas, o que, sem dúvida, é uma violação flagrante dos direitos humanos. Isso viola especificamente o direito à vida. São execuções extrajudiciais que o direito internacional proíbe", observa Gómez.
"A força letal só pode ser usada como último recurso diante de uma ameaça iminente à vida das pessoas. Uma embarcação que transporta drogas, por mais ilegal que seja essa carga, não representa uma ameaça iminente à vida", afirma.
As duas operações reconhecidas oficialmente pelos Estados Unidos deixaram 14 mortos. Investigações da mídia venezuelana indicaram que o primeiro ataque, que deixou 11 mortos, afetou pessoas pobres do norte da Venezuela.
Isso confirmaria que a estratégia de Washington "se concentra mais nos elos fracos, que são completamente substituíveis dentro da cadeia" dos grupos de narcotraficantes, observa o advogado.
"Acho que a ação teria mais sentido se atacasse o ponto nevrálgico dessa cadeia", acrescenta. E ressalta que se trata de uma estratégia de grande apelo midiático "que não resolve o problema na raiz", pois não aborda, por exemplo, a demanda dos países consumidores e as condições econômicas que impulsionam a oferta.
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Sem presunção de inocência ou devido processo legal
Breda observa que não houve uma oposição coordenada aos ataques em nível regional, nem por parte dos aliados europeus dos EUA. Da mesma forma, embora tenha havido um debate público no país, "não me parece que tenha havido uma oposição legal muito forte, o que foi interpretado pela administração Trump como um sinal verde" para a realização de novos ataques.
Ação ordenada por Donald Trump encontrou pouca oposição entre aliados e dentro dos EUAFoto: Kevin Dietsch/Getty Images/AFP
"A falta de reação tem várias respostas", observa Gómez. "Essas narrativas da guerra contra as drogas desestabilizaram a opinião pública e também muitos governos, a ponto de normalizar a ideia de que certos inimigos não merecem as garantias da lei".
O especialista em direito internacional destaca, no entanto, que "os suspeitos devem ser detidos e apresentados à Justiça, o que nos leva a dois princípios inalienáveis do Estado de Direito: a presunção de inocência e o devido processo legal".
Quando se bombardeia uma lancha, evidentemente esses processos não são respeitados. "Disparar um míssil anula esses direitos de forma irreversível. Não há julgamento, não há defesa, há apenas uma execução sumária e, além disso, baseada em uma suspeita", explica Gómez.
Ele adverte que "o direito internacional não contempla licenças para matar" e que "a tendência de fundir a luta contra o narcotráfico com a luta antiterrorista é estrategicamente conveniente para justificar ações militares desproporcionais como as que temos visto, mas é juridicamente inaceitável e eticamente muito perigosa".
O mês de setembro em imagens
Veja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Sergio Lima/AFP
Ciberataque afeta aeroportos europeus
Vários aeroportos europeus, incluindo Bruxelas, Berlim e Heathrow, em Londres, foram afetados por "interrupções cibernéticas" que impactaram os sistemas de check-in e despacho de bagagem, causando atrasos e longas filas. (20/09)
Foto: Marta Fiorin/REUTERS
Bombas da Segunda Guerra em Berlim
Duas bombas da Segunda Guerra Mundial encontradas em locais diferentes de Berlim forçaram a retirada de mais de 20 mil moradores de suas casas. Um dos artefatos foi encontrado no leito do rio Spree, no centro da cidade, durante inspeção de rotina. Ao mesmo tempo, em outro bairro, uma bomba russa de 100 quilos foi encontrada em um canteiro de obras. Nenhuma delas precisou ser desativada. (19/09)
Foto: Michael Ukas/dpa/picture alliance
França tem dia de protestos contra medidas de austeridade
Protestos em massa contra medidas de austeridade reuniram 500 mil pessoas na França, que vive crise social e politica devido à escalada de seu déficit fiscal. Manifestantes pedem o cancelamento dos planos orçamentários, aumento de impostos para os mais ricos e a reversão da reforma da Previdência. Cerca de 80 mil policiais foram mobilizados e mais de 180 pessoas foram detidas. (18/09)
Foto: Sylvain Thomas/AFP/Getty Images
Bolsonaro recebe alta médica; biópsia indica câncer de pele
Ex-presidente recebeu alta hospitalar um dia após ser internado no Hospital DF Star, em Brasília, em razão de um quadro de vômito e queda de pressão arterial. Segundo boletim médico, biópsia de duas lesões retiradas no último domingo apontou a presença de carcinoma, tipo comum de câncer de pele. Retirada das manchas cutâneas descarta necessidade de tratamentos adicionais. (17/09)
Foto: Julia Maretto/AFP
Comissão da ONU acusa Israel de genocídio em Gaza
Uma comissão independente de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU acusou Israel de estar cometendo genocídio na Faixa de Gaza, atingindo quatro dos cinco critérios da Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. O Ministério do Exterior de Israel afirmou que "rejeita categoricamente esse relatório distorcido e falso". (16/09)
Foto: Ali Jadallah/Anadolu/picture alliance
Netanyahu admite isolamento de Israel em meio à guerra em Gaza
Em um raro reconhecimento do isolamento decorrente das críticas internacionais a Israel devido à guerra em Gaza, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, culpou as minorias na Europa que promovem "ideologia antissemita e islâmica extremista" e defendeu ataques de seu país além de suas fronteiras, como o realizado no Catar, para "proteger seus cidadãos". (15/09)
Foto: Nathan Howard/AFP/Getty Images
Ato pró-palestinos interrompe Volta da Espanha em Madri
Protestos pró-palestinos interromperam a etapa final da Volta da Espanha, em Madri, uma das três maiores competições anuais do ciclismo mundial. Os ativistas protestavam contra a participação de uma equipe israelense na prova. O grupo derrubou barreiras de metal e ocupou diversos pontos do trajeto da corrida. Duas pessoas foram presas e 22 policiais ficaram feridos. (14/09)
Foto: Manu Fernandez/AP Photo/picture alliance
Ultradireita britânica reúne 110 mil em manifestação anti-imigração
Milhares de pessoas tomaram as ruas de Londres em uma das maiores manifestações da ultradireita britânica dos últimos anos. Os participantes carregavam bandeiras da Inglaterra, do Reino Unido e cartazes com mensagens anti-imigração. Nove pessoas foram presas após confrontos com policiais. (13/09)
Foto: Alex Day/Avalon/Photoshot/picture alliance
Suspeito de matar Charlie Kirk é preso nos EUA
Autoridades americanas capturaram o suspeito de assinar o ativista de ultradireita Charlie Kirk. Em uma coletiva de imprensa, o governador de Utah, Spencer Cox, indicou que o assassinato teve motivação política. Cox também disse que os investigadores encontraram um fuzil envolto em uma toalha e que a arma tinha uma mira telescópica acoplada. (12/09)
Foto: FBI/ZUMA/picture alliance
Bolsonaro é condenado a 27 anos de prisão por cinco crimes
Primeira Turma do STF condenou de forma inédita um ex-presidente brasileiro pelos crimes de golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Bolsonaro foi tomado como líder da organização criminosa. Outros sete réus do "núcleo crucial" também receberam penas de reclusão. (11/09)
Foto: Sergio Lima/AFP
Influenciador aliado de Trump morre baleado nos EUA
O ativista e influenciador de ultradireita Charlie Kirk, 31 anos, importante aliado do presidente Donald Trump, foi baleado em uma universidade dos EUA. Kirk foi levado a um hospital, mas sua morte foi anunciada pouco depois por Trump. Ele respondia a perguntas em um evento ao ar livre, em Utah, quando o ataque aconteceu. (10/09)
STF tem 2 votos para condenar Bolsonaro e mais 7 réus por golpe
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. Assim, o julgamento na Primeira Turma do STF tem placar de 2 a 0 pela condenação, faltando três votos. (09/09)
Foto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance
Em crise política, França perde mais um primeiro-ministro
Quarto premiê francês em dois anos, centrista François Bayrou perdeu moção de confiança na Assembleia Nacional da França e deixa o governo após menos de 10 meses. País vive crise fiscal e enfrenta disparada da dívida pública. Políticas orçamentárias do primeiro-ministro desagradaram o parlamento e agora pressionam o mandato de Emmanual Macron. (08/09)
Foto: Bertrand Guay/AFP
Primeiro santo millenial
O Papa Leão 14 celebrou a canonização de Carlo Acutis, o primeiro santo da geração millennial, durante uma missa solene na Praça de São Pedro. O adolescente italiano nascido em Londres em 1991, conhecido por criar um site dedicado a catalogar milagres eucarísticos e apelidado de "influenciador de Deus", foi reconhecido pelos fiéis por unir tecnologia e devoção na promoção da fé católica. (07/09)
Foto: Andrew Medichini/AP Photo/dpa/picture alliance
Japão celebra maioridade do sucessor imperial
O príncipe Hisahito de Akishino, segundo na linha de sucessão ao Trono do Crisântemo, completou 19 anos neste sábado, em um dia marcado pela sua cerimônia de maioridade. Os rituais protocolares permitirão ao príncipe começar a participar da agenda oficial da família imperial do Japão e lhe abrem caminho para um futuro reinado. (06/09)
Foto: Japan Pool/Jiji Press/AFP
Novo vídeo mostra reféns israelenses
O grupo radical palestino Hamas divulgou um novo vídeo marcando os 700 dias do início da ofensiva israelense contra Gaza, no qual mostra os reféns israelenses Guy Gilboa-Dalal e Evyatar David. Na foto, manifestantes homenageiam as vítimas do Hamas e os reféns sequestrados durante os ataques a Israel em 7 de outubro de 2025. (05/09)
Foto: Israel Hadari/ZUMA/picture alliance
Macron afirma que 26 países apoiam força de garantia para a Ucrânia
Uma cúpula em Paris com o presidente francês, Emmanuel Macron, seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, e líderes europeus, alguns por videoconferência, discutiu como aliados ajudariam Kiev a se proteger de investidas russas caso haja acordo para encerrar a guerra. "No dia em que o conflito acabar, as garantias de segurança serão mobilizadas", afirmou Macron. (04/09)
Foto: Ludovic Marin/AFP
Acidente com bondinho em Lisboa deixa ao menos 15 mortos
Pelo menos 15 pessoas morreram e 18 ficaram feridas nesta quarta-feira após o Elevador da Glória, uma popular atração turística de Lisboa, descarrilar. Imagens mostram que o bondinho tombou em um local onde o trilho faz uma curva e se chocou contra um prédio. Uma investigação sobre as causas do acidente foi iniciada. (03/09)
Acadêmicos acusam Israel de cometer genocídio em Gaza
A Associação Internacional de Acadêmicos de Genocídio – a maior organização profissional de acadêmicos que estudam os extermínios em massa – afirmou que Israel está cometendo genocídio em sua ofensiva na Faixa de Gaza e acusou o país de cometer crimes contra a humanidade e de guerra. Opinião se soma a coro cada vez maior de entidades que usam o termo para descrever as ações de Israel. (01/09)
Foto: Mohammed Ali/Xinhua/picture alliance
Começa julgamento de Bolsonaro e demais acusados por trama golpista
Teve início no STF o julgamento do ex-presidente e de outros sete réus acusados de formar o núcleo central do grupo acusado de tentar um golpe de Estado após as eleições de 2022. Entre os réus estão o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, os ex-ministros da defesa Braga Netto, da Justiça, Anderson Torres e ex-chefe do GSI, Augusto Heleno. (02/09)