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Atentado contra Hitler lembra importância da Resistência alemã

Monika Dittrich (av)20 de julho de 2014

Há 70 anos o oficial Von Stauffenberg tentava matar o ditador nazista. Embora fracassada, a tentativa de golpe se mantém como lição viva. Porém a transformação dos traidores em heróis da pátria foi lenta e penosa.

Foto: REUTERS

Em meados de 1951, o Instituto de Demografia Allensbach realizou uma pesquisa de opinião importante, com o objetivo de avaliar o que os cidadãos alemães pensavam sobre a tentativa de golpe de 20 de julho de 1944.

Apenas pouco mais de um terço dos entrevistados declarou ter uma opinião positiva sobre os homens e mulheres que, naquele dia, tentaram em vão derrubar o regime nacional-socialista. Cinco anos mais tarde, a maioria da população ainda era contra batizar uma escola com o nome do conde Claus Schenk von Stauffenberg, o autor do atentado fracassado contra Adolf Hitler.

Durante muito tempo os alemães relutaram em honrar o movimento de Resistência contra a ditadura nazista. O que hoje parece um fato óbvio "é, na verdade, o resultado de um processo longo e repleto de contradições", escreveu recentemente Johannes Tuchel, diretor do Memorial à Resistência Alemã, em Berlim. "Até chegar a isso, muito foi ignorado, recalcado, esquecido."

Presidente chama alemães às falas

O atentado a Hitler de 20 de julho de 1944 foi a mais importante tentativa de derrubada do regime na época nazista. Em sua maioria, os combatentes da Resistência alemã provinham da nobreza e da liderança da Wehrmacht, as Forças Armadas do Terceiro Reich.

O encarregado de tentar assassinar o líder nazista com uma bomba, no quartel-general Wolfsschanze, foi o oficial Claus Schenk von Stauffenberg. Porém o ditador sobreviveu e a tentativa de golpe fracassou. Von Stauffenberg foi executado na noite seguinte, assim como, nas semanas posteriores, centenas de cidadãos supostamente envolvidos no planejamento do assassinato do Führer.

Conde Claus Schenk von Stauffenberg: de traidor a heróiFoto: dpa

Os membros da Resistência foram acusados de alta traição, por ter quebrado o juramento militar prestado ao então líder da nação, Adolf Hitler. Esse ponto de vista continuou a ser defendido por muitos alemães, mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Coube sobretudo a Theodor Heuss – presidente da República Federal da Alemanha (RFA) de 1949 a 1959 – apelar à consciência de seu povo, convencendo-o de que a Resistência contra Hitler não fora traição, e a recusa à obediência do conde Stauffenberg, até mesmo um ato honorável.

Discurso revolucionário

O "juramento foi prestado a um homem que, do ponto de vista formal-legal e moral-histórico, já tinha incorrido em múltipla quebra de juramento", esclareceu Heuss em 1954, por ocasião do 10º aniversário da tentativa de atentado. A primeira homenagem aos insurgentes ocorrera apenas dois anos antes, no prédio conhecido como "Bloco Bendler", onde mantinham seu centro, no bairro berlinense de Mitte.

"O discurso de Theodor Heuss desencadeou uma revolução na recepção histórica da Resistência alemã", aponta Rüdiger von Voss, em entrevista à DW. Filho de um dos conspiradores, ele definiu como sua missão de vida manter viva a memória dos combatentes, atuando na fundação Forschungsgemeinschaft 20. Juli 1944 (Grupo de Pesquisa 20 de Julho de 1944).

Theodor Heuss, primeiro presidente da ex-Alemanha Ocidental, enfatizou importância da ResistênciaFoto: picture-alliance/dpa

Registrando os 70 anos do atentado a Hitler, o jurista publicou um livro que reúne discursos proferidos na Alemanha por ocasião das comemorações do 20 de Julho. "Ao lê-los, tem-se um brilhante panorama do debate sobre a substância intelectual e também política da Resistência", ressalta Von Voss.

Além disso, esses pronunciamentos documentam o quanto o significado do 20 de julho de 1944 se transformou: hoje, a data é parte integrante da cultura de memória alemã. Mas para tal, também foram precisas "frases duras", como anunciava Heuss em seu discurso: "Existem atos de desobediência que possuem estatura histórica."

Dever moral contra a tirania

As poderosas e penetrantes palavras do primeiro presidente da Alemanha foram pré-condição para que a tentativa de golpe fosse reconhecida e reverenciada como rebelião da consciência. "Theodor Heuss foi o primeiro a chamar pelo verdadeiro nome o devastador fracasso das elites de liderança na Alemanha", lembra Rüdiger von Voss.

O político social-democrata Carlo Schmid referiu-se ao assassinato do tirano como um dever moral, em 1958: "Se não há outro meio de se libertar de tal vicissitude, então é moralmente permitido – até imperativo – matar aquele que ameaça lançar a nós, a todo o nosso povo, no estado de desumanidade."

Diversos oradores da época também fizeram alusão ao 17 de junho de 1953, data do levante popular na antiga República Democrática Alemã (RDA), sob governo comunista. O paralelo visava obviamente enfatizar que também a tentativa de assassinato contra Hitler fora uma luta legítima pela liberdade e pelos direitos humanos.

Chama a atenção com que frequência, nos discursos e debates de então, se trata dos limites do juramento e da obediência, de um "dever de alta traição", como formulava o filósofo da religião Ernst Steinbach em 1968.

Escombros do atentado falhado no quartel-geral do "Führer"Foto: picture-alliance/dpa

O "homem comum", ontem e hoje

Para a política histórica, foi uma tarefa penosa reservar aos combatentes da Resistência alemã um posto firme nas celebrações nacionais. Um dos que colaboraram para tal, foi o autor Carl Zuckmayer, que dizia, em 1969: "Esses homens sabiam que só havia uma tênue esperança de vencer, e que, mesmo assim, deviam ousar. Eles o ousaram, na grande esperança de que seu ato, mesmo que fracassasse, era imbuído de um poder luminoso para o futuro."

A comemoração em 1990 foi notável: não se tratava de um jubileu redondo, mas pela primeira vez os alemães do leste e do oeste estavam reunidos para homenagear a Resistência. Durante décadas, o governo da RDA ignorara o atentado de 20 de julho, sobretudo pelo fato de os conspiradores conservadores e nobres encabeçados por Von Stauffenberg não combinarem com a concepção humana socialista.

Tendo em mente duas ditaduras alemãs passadas, o então presidente Roman Herzog alertava seus compatriotas para os perigos da covardia moral. Ele voltava o olhar para aqueles "que nada fizeram e olharam para o lado". A seu ver, naquele momento, em 1990, a maioria também se comportava desse modo, e não apenas na Alemanha. "E é desse ser humano, o homem absolutamente normal e comum num Estado totalitário, que falamos aqui."

Recrutas das Forças Armadas alemãs prestam juramento em 20 de julhoFoto: AP

Obrigação viva

Hoje em dia, os antigos traidores há muito são vistos como heróis pela percepção pública. Com deposição de coroas de flores e o tradicional compromisso solene dos recrutas, a homenagem aos ativistas da Resistência já pertence ao cânon da memória oficial.

Por outro lado, "nas escolas alemãs, a Resistência continua sem ter lugar", critica o jurista Rüdiger von Voss. E no entanto, ressalva ,ocupar-se das ideias dos combatentes é extremamente importante, "também para poder dar à ordem [social alemã] um fundamento intelectual e político sustentável e fidedigno".

A falta de coragem civil é danosa ao sucesso da democracia, reforça Von Voss. Nesse sentido, continuam valendo hoje as palavras do presidente Heuss em 1954: "O legado ainda está em vigor, a obrigação ainda não foi cumprida."

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