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PolíticaFrança

Atentados levam Macron mais à direita

10 de dezembro de 2020

Controle em mesquitas, expulsão de estrangeiros, restrição ao ensino doméstico: medidas do governo irritam comunidade muçulmana e, segundo especialistas, escondem estratégia política do presidente.

Frankreich | TV Ansprache | Präsident Emmanuel Macron
Foto: Laurent Theilelt/dpa/picture alliance

Irfan Thakar e Omar Ahamad se sentem incompreendidos na França. Eles são membros da comunidade muçulmana Ahmadiyya em Saint-Prix, subúrbio do norte de Paris. Ali, em uma mesquita de tapete verde e branco, Thakar, de 30 anos, conduz regularmente a oração.

"Eu sou francês", diz o imã nascido no Paquistão e que vive na França desde os três anos de idade, sentado no sofá em uma sala adjacente à mesquita, enquanto bebe um copo de suco. "Mas tenho que explicar isso aos não muçulmanos o tempo todo. Muitos pensam que o islã não é compatível com a França – quando, na verdade, ele é sim".

Ahamad, em uma poltrona ao seu lado, acena concordando. "É como se fôssemos uma nação diferente, uma raça diferente. A mídia também cria essa impressão ao falar apenas dos muçulmanos quando se trata de terrorismo", diz o homem de 46 anos, que frequenta a mesquita com regularidade há 23 anos.

Ambos ainda se lembram do discurso do presidente Emmanuel Macron no início de setembro no subúrbio de Les Mureaux, 30 quilômetros a oeste de Saint-Prix. "Macron falou do 'separatismo islâmico' e disse que o islã estava em crise - como ele pode dizer uma coisa dessas? Tais frases só nos estigmatizam", comenta Thakar.

Resposta a ataques

As recentes medidas da França contra o islamismo radical são uma resposta a três ataques que ocorreram no país desde setembro. Os terroristas mataram quatro pessoas e feriram gravemente duas outras em Paris e arredores e na cidade de Nice, no sul do país.

Irfan Thakar e Omar Ahamad se sentem incompreendidos na FrançaFoto: Lisa Louis/DW

Na época, Macron anunciou controles mais rígidos em cerca de 50 associações muçulmanas e 75 mesquitas. O país planeja expulsar mais de 200 estrangeiros que acredita estarem radicalizados.

Uma nova lei, além disso, tem como objetivo controlar melhor as mesquitas e seu financiamento, assim como o treinamento de imãs. A norma deve ir ao Parlamento no início do próximo ano para votação e poderia entrar em vigor alguns meses depois.

A ideia do governo é também tornar o ensino doméstico mais restrito e combater melhor o discurso de ódio na internet. Os professores, além disso, devem ser mais bem protegidos contra ameaças e bullying - por exemplo, quando alunos se recusarem a assistir a uma determinada aula.

Onde nasce o radicalismo?

Thakar e Ahamad não são avessos a um maior controle de mesquitas e imãs. "Afinal, também é do nosso interesse tomar medidas contra os fanáticos radicais que nada têm a ver com nossa visão do islã - eles também são perigosos para nossas famílias", diz Ahamad.

Mas para o advogado Asif Arif, também membro da comunidade Ahmadiyya e autor do livro Être musulman en France (como é ser muçulmano na França, em tradução livre) as medidas falham. "Os terroristas não se radicalizam mais em nossas mesquitas há muito tempo - eles fazem isso online e em contato com redes internacionais", diz ele à DW.

"As medidas só nos estigmatizam ainda mais como muçulmanos. O governo está aplicando dois pesos e duas medidas. Por exemplo, ela proíbe o Coletivo contra a Islamofobia na França, que combate a discriminação contra os muçulmanos. Ao mesmo tempo, ainda não desmantelou a associação radical de direita Génération Identitaire, que realiza ações ilegais, como o controle de migrantes na fronteira com a Itália há dois anos".

Governo nega islamofobia

Mas o governo nega ter como alvo unilateral o islã. "Não somos islamofóbicos, também observamos a Génération Identitaire", disse um porta-voz do palácio do governo à DW, durante um briefing sobre a nova lei. "Trata-se de respeito aos valores da República".

Segundo o porta-voz, "infelizmente, as mesquitas são, às vezes, lugares para discursos de ódio”. Por exemplo, a mesquita no subúrbio parisiense de Pantin, agora temporariamente fechada, havia compartilhado um vídeo online instando à intimidação do professor de história Samuel Paty, mais tarde decapitado, em meados de outubro, por um radical islâmico de origem chechena por mostrar charges do profeta Maomé na sala de aula.

O cientista político François Burgat não acredita na frequente invocação da neutralidade do governo em relação às religiões: "Macron entrou em uma nova fase", diz Burgat à DW. "Ele sabe que precisa dos votos da direita e da extrema direita para as eleições presidenciais de 2022 - por isso está tomando as medidas para isso necessárias".

"Ele também age como se não tivéssemos responsabilidade pelo fato de que os muçulmanos na França muitas vezes têm oportunidades de trabalho ruins, sentem-se rejeitados pela República e, portanto, são mais propensos a radicalizar, complementa o especialista. 

Segundo ele, somente quando o Estado reconhece que também é parcialmente culpado pela alienação de parte da população francesa é que se pode tomar medidas pelo menos contra a radicalização dentro da França.

Para Farhad Khosrokhavar, sociólogo e especialista em islamismo da Universidade de Paris EHESS, as últimas medidas governamentais servem acima de tudo para acalmar a opinião pública. De acordo com pesquisas recentes, mais de 90% dos franceses acreditam que a ameaça terrorista é alta no momento.

"Você reprime as associações que nada têm a ver com radicalização. E você se irrita contra os salafistas, que na França pertencem principalmente ao movimento pacifista - tudo isso é muito estigmatizante", diz Khosrokhavar à DW.

Para ele, uma definição excessivamente restrita do secularismo francês seria em parte culpada pela radicalização – também por causa da proibição do véu islâmico. "Para mim, esta é uma visão antimuçulmana que contribui para a radicalização. Não pode ser coincidência que tenha havido 23 atentados na França entre os anos 2000 e 2017, em comparação com dez no Reino Unido e cinco na Alemanha", afirma ele.

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