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Ativismo digital e a nova onda do feminismo

Karina Gomes6 de novembro de 2015

O ativismo de mulheres nas redes sociais está em evidência e atrai apoiadores e críticos. Para analistas, o movimento é uma atitude política que não depende de correntes e se manifesta até por quem não se diz feminista.

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Foto: picture-alliance/dpa/F. Gabbert

Nesta semana, centenas de mulheres ocupam o lugar de colunistas e escritores homens que aderiram à campanha #AgoraÉqueSãoElas. Até domingo (08/11), eles cedem o espaço em jornais, blogs e sites para que as convidadas escrevam sobre temas como aborto, a luta pelo reconhecimento do nome social de transgêneros, a violação dos direitos de presidiárias e racismo.

"Uma semana de mulheres falando. E homens ouvindo. Que seja uma semana transformadora", escreveu a criadora da iniciativa, Manoela Miklos.

Nas redes sociais e na imprensa, a hashtag é um termômetro da intensa onda de mobilizações feministas das últimas semanas, incluindo a campanha do #PrimeiroAssédio e os protestos #ForaCunha.

Críticas à citação de Simone de Beauvoir no Enem, assédio virtual contra participante da edição infantil do MasterChef Brasil e debate sobre o projeto de lei que dificulta o atendimento médico a vítimas de estupro mobilizaram milhares de mulheres em várias capitais.

Alguns estudiosos consideram o ativismo em blogs e redes sociais como a quarta onda do movimento feminista, que teve início no século 19. Eles apontam para uma mobilização fragmentada.

"A consciência feminista vai além da história do movimento em si ou de determinados grupos envolvidos na luta pela emancipação feminina", pontua Jussara Reis Prá, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Mulher e Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo a especialista, a luta histórica pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e para que elas sejam respeitadas numa sociedade tradicionalmente paternalista tem mais importância do que correntes individuais do movimento feminista.

"A questão segue no século 21, com pessoas atuando numa lógica feminista, apesar de nunca terem parado para pensar que têm o espírito feminista. São, por exemplo, os que não admitem a violência contra a mulher, a baixa participação feminina na política ou salários menores do que os dos homens", diz Prá.

Historicamente, o feminismo busca garantir que a participação das mulheres na sociedade seja equivalente à dos homens. De forma equivocada, o termo é interpretado como o "oposto do machismo" ou uma forma de "supremacia das mulheres".

"O feminismo é uma posição política que busca entender a subordinação das mulheres e encontrar estratégias para enfrentar a discriminação", define a socióloga.

Como começou

Os estudiosos do feminismo dividem a história do movimento em três ondas principais. A primeira onda feminista teve origem em 1848 com a convenção dos direitos da mulher em Nova York, que reivindicou a ampliação às mulheres das conquistas sociais e políticas das grandes revoluções da época.

Mas esse movimento não se deu de forma coesa. Enquanto mulheres se organizavam em associações nos Estados Unidos e Europa no século 19, a maior parte das brasileiras permanecia sujeita à sociedade patriarcal em posição de inferioridade.

O movimento ganhou força no Brasil na década de 1920, com a mobilização das chamadas "sufragettes", mulheres intelectuais de classes abastadas que exigiram o direito ao voto feminino. Elas não escaparam de serem chamadas de "histéricas" e "carentes de charme". O direito de voto às mulheres foi conquistado em 1932, com um decreto do presidente Getúlio Vargas.

Já a segunda onda feminista marca as mobilizações inspiradas no movimento estudantil de maio de 1968 na França para exigir valorização do trabalho, liberdade sexual e fim de desigualdades jurídicas e da violência.

A terceira onda, a partir da década de 1990, questiona o movimento anterior. "Contestações de diferentes grupos sociais promovem correntes teóricas, como o feminismo radical e o marxista. São grupos que não se sentiam representados por aquelas mulheres da burguesia e intelectuais. Também tem a contestação do movimento negro, do movimento lésbico, que foram dando o tom dos outros feminismos, como o ecológico, multicultural, pós-moderno e crítico", explica Prá.

Como é hoje

Hoje os teóricos falam em feminismos ou movimentos feministas que representam uma gama plural de reivindicações. Para alguns especialistas, o ativismo feminista nas redes sociais já pode ser considerado a "quarta onda".

"Esse ativismo faz parte da resistência e reivindicação das mulheres e das jovens que se rebelam contra as violências cotidianas. É uma manifestação de repúdio contra a tendência dos homens de considerar que todas as mulheres são pasto para seus desejos. Isto é algo de grande importância, pois a maioria das meninas são ensinadas a não revidar, a não fazer escândalo, a não dizer não", diz Tânia Swain, fundadora na UnB do primeiro programa de pós-graduação em estudos feministas do Brasil.

Para a especialista, o feminismo de hoje se define da mesma maneira que antes. "É não apenas reivindicar um lugar de sujeito político em relação ao corpo e ao sexo, mas lutar por uma transformação em que o ser humano não seja classificado por seu sexo social", afirma.

Jussara Prá, da UFRGS, pondera que, apesar de o movimento "estar chegando" a uma quarta onda, ainda há questões urgentes a serem resolvidas. "As ondas ficam na dependência de se concretizarem determinadas demandas", observa. Questões que se consideravam superadas reaparecem. A atuação de parlamentares conservadores acena para a possibilidade de que várias conquistas sejam perdidas.

"Depois da segunda onda, se olharmos do ponto de vista formal e legal, não precisaríamos mais lutar pelo feminismo, porque as mulheres são reconhecidas, têm cidadania política e civil e direitos trabalhistas. Mas chegamos na terceira onda com mulheres ganhando menos, com baixíssima representação política e como vítimas crescentes de violência."

A especialista define o feminismo como uma luta necessária, independentemente de opiniões divergentes. Para ela, até o posicionamento dos que não se consideram feministas fortalece o movimento.

"A mudança é política. As correntes acabam todas andando na mesma direção diante dos problemas que precisam ser enfrentados. Aquelas mulheres que não se dizem feministas se deparam com situações em que têm que se posicionar. Por isso uma palavra tão cara ao feminismo é o empoderamento", comenta.

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