Ativistas do clima miram acionistas de gigantes poluidoras
20 de junho de 2023Enquanto alguns ativistas do clima têm feito manchete nos últimos meses com atos de desobediência civil, outros estão levando sua causa aos acionistas das principais empresas poluidoras da Europa, da gigante alemã da energia RWE à petroleira francesa TotalEnergies.
Nas assembleias gerais anuais (AGA) dessas multinacionais, representantes do grupo Fridays for Future (também denominado Greve pelo Futuro), fundado por Greta Thunberg, têm exigido planos concretos para redução de emissões de CO2 e o fim da "lavagem verde" (greenwashing) – pseudo-medidas sem real relevância ambiental.
Com o apoio de climatologistas, nessas ocasiões os ativistas também exigem de montadoras como a Mercedes e a Volkswagen ações radicais para cortar emissões. Durante a AGA do Deutsche Bank em maio, a porta-voz do Fridays for Future Luisa Neubauer denunciou "contos de carochinha de mudança verde" propalados pela instituição.
Sozinhas, 100 multinacionais produzem, ao todo, 71% das emissões carbônicas globais, enquanto companhias de combustível fóssil tiveram recordes de lucros durante a crise energética, registrou Pauline Brünger, ativista do Fridays for Future que se pronunciou na assembleia de acionistas virtual da RWE, no início de maio.
Após ser convidada a falar por um "acionista crítico", ela acusou a firma de fazer lobby há décadas contra a ciência e as metas do clima. Segundo a ativista, a recusa da RWE de assumir responsabilidade pelo próprio impacto climático ficou evidente com a decisão de expandir uma mina de carvão a céu aberto na localidade de Lützerath, no oeste alemão. O projeto prossegue, apesar de intensas manifestações de resistência em janeiro.
"Nenhuma outra companhia em toda a Europa emite tanto [CO2] quando esta", condenou Brünger. "Nenhuma outra companhia deste continente tem uma dívida tão alta com as gerações presente e futuras."
Enchentes graves e a seca na África, e a aceleração do derretimento do gelo ártico têm sido associadas às mudanças climáticas impulsionadas pela ação humana. Cientistas alertam que a perigosa marca de 1,5 ºC de aquecimento global em relação à era pré-industrial poderá ser ultrapassada mais cedo do que se espera, devido ao fracasso em cortar as emissões de dióxido de carbono.
"Sou a voz dos que não têm voz"
O incentivo ao ativismo climático junto a acionistas tem uma história. Larry Fink, diretor executivo da BlackRock, a maior firma de gestão de capital do mundo, afirma que iniciativas pelo clima são positivas para os acionistas, pois asseguram lucratividade no longo prazo.
A BlackRock é a segunda principal detentora de ações da ExxonMobil, maior companhia petroleira não estatal do mundo. Em 2021 ela apoiou a ascensão de acionistas pró-clima ao conselho consultivo, os quais conseguiram fazer aprovar uma medida previamente rejeitada para realinhar as práticas comerciais à transição energética. No entanto, o estilo de ativismo acionista de Fink tem sido tachado de lavagem verde, devido aos investimentos da BlackRock em combustíveis fósseis.
A confederação alemã Kritische Aktionäre, de acionistas éticos, atualmente compra títulos de empresas para adquirir o direito de se manifestar nas assembleias, e apoia a campanha para influenciar os acionistas nas AGAs.
Mas, quando não conseguem um lugar à mesa, o Fridays for Future e outros grupos ativistas também têm apresentado suas exigências às portas das assembleias.
Em 26 de maio, a líder do Fridays for Future em Uganda, Patience Nabukalu, falou do lado de fora da AGA da gigante francesa do petróleo TotalEnergies, que está por trás de um oleoduto previsto para atravessar florestas tropicais virgens do Congo.
Sua colega Luisa Neubauer posicionou-se solidária, tendo registrado que o Deutsche Bank é um grande financiador da petroleira francesa. Alguns ativistas que tentaram bloquear o acesso à AGA foram atacados com sprays de pimenta pela polícia. "Eu sou a voz dos que não têm voz", anunciou Nabukalu diante das dependências da TotalEnergies, "porque nossos líderes [...] não se importam com o povo, mas sim com os lucros."
Dias antes, em Londres, acionistas ativistas interromperam em grande número a assembleia geral da Shell e tentaram invadir o palco onde se encontravam os executivos da multinacional do petróleo. A empresa registrou lucros recordes de quase 40 bilhões de dólares em 2021 e anunciou a intenção de intensificar sua produção de combustíveis fósseis.
Entre argumentar nas AGAs e sujar obras de arte
Niklas Höhne, climatologista atuante na ONG de Berlim New Climate Institute, também foi convidado a se pronunciar na AGA da RWE em maio. O cientista de 25 anos questionou a alegação da empresa de que estaria alinhada com a meta do Acordo de Paris – de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 ºC. Segundo ele, a RWE comercializa gás fóssil no mundo todo, sem incluir essas transações em suas emissões de CO2.
A RWE rebateu que seu orçamento carbônico estaria conforme com a Iniciativa de Metas com Base Científica. Segundo Höhne, porém, esse padrão adotado dez anos atrás estaria obsoleto e deixaria de considerar as emissões globais totais.
Ele crê que, com o consenso científico sobre a mudança climática praticamente unânime, é hora de inspirar os acionistas a "interagirem com a diretoria da companhia, a fim de colocá-la no curso correto".
Pauline Brünger ressalta a necessidade de denunciar inconsistências nos dados apresentados pelas empresas: "Por isso estamos confrontando os membros do conselho e os acionistas em suas assembleias gerais anuais."
Por sua vez, o ativista do clima Tadzio Müller, residente em Berlim, questiona até que ponto a abordagem de ativismo acionista será capaz de alterar o modelo de negócios das gigantes do combustível fóssil: após um ano de ganhos recordes propelidos pela crise de energia, "investimentos em setores altamente lucrativos", como petróleo e gás natural, continuarão a mover os mercados de capital globais, afirma.
Quanto às campanhas nas AGAs, Müller diz que "dada a relativa incapacidade do Fridays for Future e do movimento climático em geral de obter reformas legislativas para forçar o abandono da energia fóssil, eu compreendo a iniciativa". No entanto ele não consegue ver as empresas desistindo de boa vontade do petróleo, carvão e gás pela pressão dos acionistas e do que ele denomina "danos de reputação".
Para o ativista, atualmente a estratégia mais eficaz para chamar a atenção para a emergência climática seria "desobediência prática", táticas como bloquear ruas e sujar obras de arte, adotadas por grupos como Last Generation e Just Stop Oil.
Gigantes da energia fóssil ainda passíveis de pressão moral?
Recentemente a RWE voltou atrás nos planos de construir um terminal para gás liquefeito natural perto da ilha de Rügen, no nordeste da Alemanha. Assim como outros "ativistas práticos", Müller crê que a decisão deveu-se, em parte, ao temor de protestos em massa como os ocorridos em sua mina de carvão de Lützerath: "Só depois que a resistência local aumentou, com a ameaça de ações de desobediência de um campo pró-clima, é que a RWE recuou do projeto."
Contudo o climatologista Niklas Höhne está convencido que pressionar os acionistas continua sendo relevante: "Todas essas companhias estão ansiosas para se mostrar como líderes do clima – pelo menos elas temem que tenham que fazê-lo." Isso seria em parte por causa dos acionistas, que "podem suspender seus investimentos e ir para outras", provocando a queda das ações.
A seu ver, embora a ameaça de ação direta possa ter influenciado os cálculos da RWE, o impacto de uma má publicidade relativa ao clima sobre os acionistas talvez tenha sido uma consideração. Relevante teria sido também a ameaça de litígio, pois a empresa aguarda o resultado de uma ação judicial climática potencialmente decisiva em 2023.
Para Brünger, uma ferramenta de ativismo vital, no futuro, sobretudo no que concerne a RWE, é "lembrar os acionistas e a diretoria da gigantesca responsabilidade com que arcam, e enfatizar as enormes consequências de cada tonelada adicional de combustível fóssil extraído e queimado."