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Exposição

Simone de Mello2 de janeiro de 2007

O Atlas Group, um dos mais convincentes projetos conceituais de interferência artística no discurso historiográfico, é tema de uma retrospectiva no Hamburger Bahnhof, museu de arte contemporânea em Berlim.

''We decided to let them say 'we are convinced' twice'', 2002Foto: Walid Raad/Atlas Group

Secrets in the open sea (Segredos em mar aberto) consiste de 29 impressões fotográficas encontradas em Beirute durante obras de demolição em 1993, nos escombros dos bairros comerciais destruídos pela guerra civil. Estas imagens, todas na escala de 111 x 173 cm, mostram diferentes tons de azul. Em 1994, elas foram entregues ao Atlas Group para conservação e análise. O Atlas Group enviou seis delas a laboratórios na França e Reino Unido para análise química e digital.

O notável é que os laboratórios conseguiram resgatar dos fundos azuis pequenas imagens escondidas, em preto e branco. Elas mostram retratos em grupo com homens e mulheres. O Atlas Group conseguiu identificar todos os indivíduos representados nas fotos em preto e branco. Trata-se de pessoas encontradas mortas no Mediterrâneo entre 1975 e 1991.

Segredos em mar aberto é uma das obras expostas numa retrospectiva do Atlas Group de 1989 a 2004, realizada pelo museu de arte contemporânea Hamburger Bahnhof, em Berlim. Sob cada uma das superfícies azuis vê-se uma foto em grupo mínima, embaçada. As imagens são atribuídas a um fotógrafo "anônimo".

Imagens de todos e de ninguém

Walid RaadFoto: DW-TV

Por trás do Atlas Group – "um arquivo imaginário sediado em Beirute e Nova York, cuja meta é colecionar, produzir e arquivar documentos sobre guerra civil libanesa (1975-1991)" – está o artista libanês-americano Walid Raad. O quanto o projeto tem de verdade e ficção é algo difícil de distinguir.

My neck is thinner than a hair: Engines (Meu pescoço é mais fino que um cabelo: motores) é uma série fotográfica que afirma "investigar o uso de carros-bomba" na guerra civil libanesa: "Com este projeto, o Atlas Group investiga os acontecimentos públicos e privados, discursos, objetos e experiências em torno de 3641 carros-bomba que foram detonados durante aquele período".

As fotos de motores entre destroços, grupos de soldados ou passantes perplexos são expostas ao lado do verso dos documentos, com data, carimbos oficiais e anotações em árabe. A perfeita encenação do discurso arquivístico e documental ganha tanta credibilidade, que mesmo a confirmação do próprio artista de que se trata de um material forjado acaba perdendo o crédito.

Mesmo a destruição está submetida ao acaso

Walid Raad declarou publicamente que os materiais forjados pelo Atlas Group não passam de "documentos histéricos" desvinculados da lembrança verídica de pessoas concretas, meramente recrutados a partir da memória coletiva. O que torna tão convincente a encenação, além da paródia de técnicas arquivísticas, talvez seja a sutil dosagem entre fundo histórico e individualização da experiência.

As imagens de Walid Raad não mostram a guerra civil libanesa frontalmente. Os trabalhos geralmente serializados captam apenas indícios da destruição. E tais indícios acabam ganhando uma aparente legitimação factual dentro do código visual e discursivo da documentação e uma surpreendente credibilidade através da abertura de uma perspectiva individual.

Por trás da persona fictícia do historiador da guerra civil Dr. Fadl Fakhouri, o Atlas Group reúne, na série Civilizationally, we do not dig holes to bury ourselves (Civilizacionalmente, não cavamos covas para nos enterrar), fotos turísticas do protagonista "tiradas entre 1958 e 1959 durante uma de suas únicas viagem ao exterior, a Paris e Roma".

Colecionador de aura

'Already been in a lake of fire', 1991Foto: Walid Raad/Atlas Group

Dos arquivos atribuídos ao Dr. Fakhouri também provém uma coleção de 145 recortes de automóveis usados como carros-bomba entre 1975 e 1991. Ou então um filme que intercala uma infinidade de placas de médicos e dentistas gravadas em Super 8, insinuando a proliferação de consultórios durante a guerra.

Mesmo serializadas, essas amostras individuais não perdem o impacto sobre o observador, muito pelo contrário. Uma prova de que a reprodução da imagem não necessariamente leva à perda da aura, como argumentava Walter Benjamin, ao analisar as conseqüências da difusão de técnicas de reprodução da obra de arte.

O que mantém a aura dos "achados" de Walid Raad talvez seja o teor poético dos contextos criados através de texto e imagem. O filme I only wish that I could weep (Eu só queria poder chorar) mostra imagens do pôr-do-sol no litoral de Beirute, pretensamente gravadas por um agente secreto do Exército libanês, enquanto cumpria a missão de vigiar a avenida da praia.

Oriente e Ocidente convergem na obra do artista libanês-americanoFoto: Documenta

O inverossímil nessas pseudo-documentações é justamente o que faz o observador querer acreditar. Acreditar que as mais casuais manifestações de vida são possíveis mesmo em meio à destruição. Ou acreditar que nenhuma destruição jamais abolirá o acaso.

As composições de Walid Raad atingem o observador como verdades que talvez apenas tenham deixado de ocorrer. Uma prova do quanto o domínio do código de integração de texto e imagem, essencial à mídia, pode manipular o mais vacinado dos espectadores.
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