Vistos como termômetro para possível impeachment, protestos têm pior adesão. Organizadores culpam tempo de divulgação. Em São Paulo, Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, reitera pedido de afastamento da presidente.
Atos em favor do impeachment da presidente foram registrados em 20 estados, além do Distrito Federal. Em todas as locações, a maioria dos manifestantes vestia roupas com as cores da bandeira brasileira e levavam cartazes pedindo punições a Dilma, Lula e até ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Nas marchas em mais de 60 cidades brasileiras, viu-se muitos bonecos infláveis do "Pixuleco" e da "Dilmabandida", além de manifestantes usando máscaras com o rosto de Dilma e Lula desfigurados como zumbis. E inédito nos protestos deste domingo, principalmente em São Paulo e Brasília, foi a presença de imagens, balões e bonecos gigantescos de um pato amarelo com a frase "não vou pagar o pato", em referência a um manifesto contra o aumento dos impostos e a volta da CPMF.
São Paulo e Brasília, além de Curitiba e Rio de Janeiro, foram os destaques em número de participantes. Na capital paulista a Polícia Militar divulgou a estimativa de aproximadamente 30 mil pessoas – e 36.500 em todo o estado de São Paulo. Em Curitiba, foram registrados dez mil manifestantes, em Brasília sete mil, enquanto no Rio de Janeiro apenas cinco mil pessoas encararam o forte calor em Copacabana. Em todos os casos: menos de um quarto de pessoas registradas nos atos de agosto, os maiores até então.
Em São Paulo, o instituto Datafolha computou 40.300 manifestantes. Já os movimentos organizadores das manifestações, que levaram sete carros de som à avenida Paulista, estimaram números bem mais positivos: Endireita Brasil (50 mil), Movimento Brasil Livre (80 mil), Vem Pra Rua (100 mil) e Revoltados Online (500 mil).
Fundador do PT pede saída de Dilma
Novamente a maior do país, a manifestação na capital paulista contou com discursos de Hélio Bicudo, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e coautor do pedido de impeachment, e do senador José Serra (PSDB). Bicudo acusou os petistas de terem "devastado o país em nome de uma causa espúria". Ele disse que o Brasil não pertence ao PT, a Dilma Rousseff e a Lula, mas "a um povo que quer democracia verdadeira e não um arremedo que o PT quer impor".
Bicudo afirmou ainda que a democracia será alcançada pela Constituição, e que as manobras contábeis da presidente, apelidadas de "pedaladas fiscais", são motivo para afastamento."O povo exige que os parlamentares cumpram o seu dever e façam cumprir a Constituição, afastando a presidente. Nossos corações transbordam com o sentimento de justiça, e na boca do povo há uma só palavra: impeachment".
Serra, por outro lado, afirmou que somente uma mobilização popular "vai tirar o país desta situação". "Perdemos 1,2 milhão de empregos este ano e vamos perder 1,8 milhão no próximo ano", profetizou. O senador evitou falar sobre a participação do PSDB em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer. "Agora é hora de falar de impeachment, depois falamos de governos."
Os organizadores dos protestos pró-impeachment se mostraram satisfeitos e culparam o pouco tempo de divulgação pela baixa participação popular. "Acredito que tinham 100 mil pessoas. Tivemos menos tempo de mobilização. Não significa esvaziamento da bandeira junto à população", afirmou o líder do Vem Pra Rua, Rogério Chequer.
Segundo os organizadores, eles já esperavam uma presença menor e alegaram que o evento deste domingo foi apenas um aquecimento para os protestos do ano quem vem. A primeira data já foi escolhida: 13 de março.
Pró-Dilma lembram data da instituição do AI-5
Em Brasília, no gramado em frente ao Congresso Nacional, manifestantes levaram um caixão com imagens de Dilma e bandeiras do PT. Encenando a cremação do governo e do partido, os manifestantes colocaram fogo no caixão.
A data dos protestos deste domingo repercutiu nas redes sociais, principalmente entre os defensores do governo de Dilma, que aproveitaram para traçar paralelos entre as manifestações e a ditadura militar.
Pois foi em 13 de dezembro de 1968 que o Ato Institucional Nº 5, chamado de AI-5, foi instituído. O decreto emitido pelo governo militar brasileiro cassou direitos civis durante a ditadura. Uma "coincidência absolutamente infeliz", disse Kim Kataguiri, um dos líderes do Movimento Brasil Livre.
Mas com a hashtag #NãoVaiTerGolpe, publicações de brasileiros pró-Dilma acusaram os movimentos pró-impeachment de serem antidemocráticos e quererem restaurar uma ditadura no Brasil. Grupos a favor do governo convocaram manifestações em defesa de Dilma para quarta-feira, 16 de dezembro.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.