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"Atual Alemanha não tem nada a ver com país anterior a 1945"

7 de maio de 2005

Embaixadores do Brasil, EUA, Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha analisam em entrevista à DW-WORLD o significado dos 60 anos do fim da Segunda Guerra para a política atual.

José Artur Denot Medeiros, embaixador do Brasil em Berlim

"A atual Alemanha não tem nada a ver com a Alemanha anterior a 1945", afirma o embaixador britânico em Berlim, Sir Peter Torry. Além dele, a DW-WORLD ainda entrevistou quatro diplomatas sobre o significado dos 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial: outros dois embaixadores na capital alemã – José Artur Denot Medeiros (Brasil) e Vladimir Kotenev (Rússia) –, o embaixador alemão em Moscou, Hans-Friedrich von Ploetz, e o ministro-conselheiro John Cloud, Encarregado de Negócios dos Estados Unidos na Alemanha.

DW-WORLD: Qual o significado dos 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial para o seu país hoje?

Denot Medeiros (Brasil): Os 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, episódio cujas perdas humanas e materiais foram sem par na História, oferecem à comunidade internacional oportunidade para reafirmação do compromisso incondicional com a solução pacífica das controvérsias, com os princípios do Direito Internacional, com as regras gerais de cooperação e de convivência fraterna entre os povos.

John Cloud, Encarregado de Negócios dos Estados Unidos na AlemanhaFoto: US Embassy

Cloud (EUA): Os arquitetos da aliança transatlântica instituída depois da guerra estabeleceram os rumos da diplomacia norte-americana e de todo o sistema internacional. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) dela resultante e o Plano Marshall asseguraram segurança militar, desenvolvimento econômico e reformas regionais, bem como uma cooperação internacional mais ampla. As Nações Unidas também surgiram desta experiência. Com base neste fundamento, cabe agora à Europa e aos Estados Unidos difundirem conjuntamente a liberdade para além da região euro-atlântica e apoiar o mundo na superação dos desafios que forem surgindo. A secretária de Estado Condolleezza Rice disse: “Este é um momento de possibilidades inopinadas de liberdade para o ser humano, maiores do que em qualquer outra época desde a Segunda Guerra Mundial”.

Sir Peter Torry, embaixador britânico na AlemanhaFoto: dpa

Torry (Grã-Bretanha): Nós lembramos todos os que morreram entre setembro de 1939 e maio de 1945. Rememoramos centenas de milhares de soldados, marinheiros e pilotos aliados que sacrificaram sua vida para que outros possam viver, a fim de que a liberdade, paz e democracia novamente possam florescer na Europa. O sofrimento e o sacrifício que foram necessários para derrubar a ditadura nazista, jamais devem ser esquecidos. Ao mesmo tempo, devemos nos orgulhar do que alcançamos nos últimos 60 anos. Inimigos de outrora hoje são parceiros e amigos. As relações teuto-britânicas nunca foram tão boas como agora. A Otan e UE tornaram inimaginável uma guerra e trouxeram bem-estar e justiça à Europa. A atual Alemanha não tem mais nada em comum com a anterior a 1945.

Vladimir Vladimirowich Kotenev, embaixador russo em BerlimFoto: dpa - Bildarchiv

Kotenev (Rússia): Sem exageros, esta data é sagrada para todo cidadão russo. A vitória sobre o fascismo, há 60 anos, foi um ato de toda a humanidade progressista, mas a União Soviética prestou a contribuição decisiva. Nosso país pagou um preço muito alto pela vitória: 27 milhões de mortos, dos quais 18 milhões de vítimas civis, 33 mil cidades e povoados completamente destruídos. Apesar disso, vencemos e superamos a guerra. O 9 de maio é para nós motivo de orgulho e ao mesmo tempo "um dia de memória com lágrimas nos olhos".

Hans Friedrich von Ploetz (e), embaixador alemão em MoscouFoto: dpa

Ploetz (Alemanha): "Olhemos a verdade nos olhos nesse dia, da melhor maneira possível." Com estas palavras o então presidente alemão Richard von Weizsäcker concluiu seu grande discurso pelo 40º aniversário do fim da guerra. Estas palavras valem ainda hoje. Os alemães lembram no 60º aniversário do fim da guerra o infinito sofrimento imposto em nome da Alemanha aos habitantes de muitos países, especialmente aos povos da União Soviética, e o sofrimento a que foram submetidos os próprios alemães no final do conflito. O 8 de maio é ao mesmo tempo um dia de reflexão sobre o curso de nossa história.

Ainda que as lembranças de maio de 1945 na Alemanha e Rússia sejam diferentes, elas desembocam na mesma convicção: nós queremos paz. Justamente tendo em mente de que há 60 anos jovens russos e alemães se enfrentaram numa guerra assassina, desencadeada pela Alemanha e que custou a vida de milhões de russos (mas também de milhões de alemães) e espalhou tanta dor no mundo, compreendemos as chances oferecidas pela nova possibilidade de uma estreita parceria entre os dois povos numa Europa que se unifica. Nesse sentido, os alemães partilham de coração o desejo do presidente [Vladimir] Putin, de que os dias de rememoração em maio se transformem num momento de reconciliação em toda a Europa.

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DW-WORLD: Quais as conseqüências políticas que o seu país tira da Segunda Guerra Mundial? A experiência da Segunda Guerra Mundial tem influência sobre a atual política externa de seu país?

Denot Medeiros (Brasil): O Brasil, que contribuiu com mais de 25 mil homens no esforço de guerra aliado na Itália contra o nazifascimo e é membro fundador da ONU, que também neste ano completa 60 anos, tem desde então se empenhado pelo reforço do multilateralismo e pela efetiva democratização das relações internacionais, inclusive através da redução das assimetrias econômicas. Paz e segurança têm uma indissociável dimensão sócio-econômica.

Cloud (EUA): Uma das nossas experiências da Segunda Gerra Mundial foi a de que países pacíficos não podem fechar os olhos nem deixar de fazer algo, diante do genocídio. Foi preciso que ocorresse a mais terrível guerra da História para pôr um fim ao Holocausto. Às destruições e ao sofrimento ocasionados pela guerra, contrapusemos os ideais da liberdade, tolerância e pluralismo. Os conceitos de um discurso político aberto e do diálogo são hoje mais importantes do que nunca.

Torry (Grã-Bretanha): Após a guerra, dominou na Grã-Bretanha o sentimento de "nunca mais"– como foi o caso também na Alemanha. A grande meta da política externa britânica após 1945 era evitar os terríveis erros do início do século 20 e garantir estabilidade e segurança na Europa. Este é o grande merecimento da UE e Otan. A queda do Muro de Berlim levou a democracia ao Leste Europeu. A ampliação da UE e da Otan consolidou esse processo. Mas não devemos nos tornar vaidosos, como nos demonstrou a guerra civil na ex-Iugoslávia. Estamos próximos da nossa meta histórica de uma Europa democrática e pacífica, mas nossa tarefa não ainda não está concluída. Muitas lições da Segunda Guerra Mundial ainda atingem outras regiões do mundo, por exemplo, quando não se consegue combater ditaduras ou que a melhor proteção contra guerras é a propagação da democracia. A outra conseqüência importante é a necessidade de uma forte aliança transatlântica. Os EUA foram decisivos para a segurança da Europa nos últimos 60 anos. Devemos trabalhar no sentido de que esta aliança permaneça forte.

Kotenev (Rússia): Os resultados da Segunda Guerra Mundial determinam até hoje a moderna ordem mundial bem como as normas pelas quais os Estados – entre eles a Rússia – se orientam no cenário internacional. Estas normas compreendem, em primeiro lugar, o respeito estrito ao direito internacional e, sem segundo plano, ao papel de liderança da ONU, isto é, o mecanismo global criado em conseqüência da guerra, para a consolidação da paz e da segurança no mundo. Em terceiro lugar, a resistência determinada contra as forças que propagam a superioridade e exclusividade de uma ideologia, raça, nacionalidade ou religião.

Ploetz (Alemanha): Na Alemanha, uma nova geração assumiu a responsabilidade política. A maioria da nossa população atual não carrega culpa pessoal pela Segunda Guerra. Mas nós – tanto jovens quanto idosos – precisamos aceitar o passado e compreender que não pode haver reconciliação sem memória. A consciência de que o fim da guerra em 1945 também libertou os alemães do desumano sistema de dominação nazista ajudou a estabelecer novas bases para a convivência dos povos europeus. Na República Federal da Alemanha, o compromisso com os direitos universais, especialmente os direitos humanos, foram ancorados na Constituição em 1949, que estabeleceu a divisão de poderes, a democracia e o estado de direito. Isso hoje ainda tem efeito direto sobre a política externa, na qual a inclusão da Alemanha como parceiro pacífico na comunidade européia e internacional tem um lugar central. Com isso, o dia do fim da guerra junto com uma outra data central da história alemã, a queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989, se torna a base para o papel da Alemanha moderna no mundo, como força decidida pela paz, democracia e estabilidade.

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DW-WORLD: Sessenta anos após a guerra: Como o Senhor vê a Alemanha hoje? Até que ponto a Segunda Guerra Mundial influencia a política de seu país, em especial com relação à Alemanha, em 2005?

Denot Medeiros (Brasil): A Alemanha é hoje, em escala internacional, exemplo de respeito ao Estado de Direito e aos princípios democráticos. Constitui, ademais, referência por sua política de reconciliação com seus vizinhos e promoção da integração regional e por seu modelo de desenvolvimento econômico-social. Essas realizações e valores, cristalizados após a Segunda Guerra Mundial, orientam, em grande parte, o relacionamento bilateral, de importância estratégica para os dois países.

Cloud (EUA): As relações teuto-americanas na segunda metade do século 20 representaram um feito singular e excepcional. Poucos países têm a capacidade da Alemanha de enfrentar os desafios do século 21 juntamente com os Estados Unidos. Graças a um espírito renovado de consenso, de unidade e de entendimento, nosso empenho conjunto em prol de um mundo melhor e mais seguro é uma forma adequada de se lembrar da Segunda Guerra Mundial.

Torry (Grã-Bretanha): Eu vejo a Alemanha muito positivamente. A atual Alemanha não tem nada a ver com a Alemanha antes de 1945. A Alemanha e a Grã-Bretanha são parceiros naturais e nós cooperamos cada vez mais estreitamente. Um total de 350 mil britânicos trabalham para firmas alemãs na Grã-Bretanha. A pujante economia britânica é um dos grandes mercados para as exportações alemãs. O Arsenal de Londres tem um goleiro alemão. Um maestro britânico dirige a Filarmônica de Berlim. Milhares de alemães e britânicos visitam o outro país anualmente. Nossos soldados atuam juntos em Kosovo e no Afeganistão. Nossas relações nunca foram melhores. Naturalmente, a guerra não foi nem deverá ser esquecida, mas ela não tem influência sobre a política. Alguns pontos de vista britânicos ainda são influenciados pela guerra, como não poderia deixar de ser. Mas repito: nossa relação é a de amigos e aliados. E nunca foi melhor.

Kotenev (Rússia): A Alemanha de hoje é um país que, na minha opinião, aprendeu a lição correta da tragédia da Segunda Guerra Mundial, criando mecanismos que impeçam uma repetição do passado. E reconheceu sua culpa. Esta Alemanha é nossa parceira estratégica, com a qual temos posições conjuntas ou semelhantes nas questões básicas da política internacional. Exatamente por isso receberemos o chanceler federal alemão Gerhard Schröder como amigo e parceiro, nas comemorações do dia 9 de maio em Moscou.

Ploetz (Alemanha): Hoje, 20 anos após o início da Perestroika e Glasnost e 15 anos após o fim da guerra fria, as perspectivas são melhores do que nunca nas relações teuto-russas, ricas em altos e baixos. O chanceler alemão e o presidente russo participarão, junto com outros chefes de e Estado e de governo, das comemorações dos 60 anos do fim da guerra em Moscou. Esse sinal de reconciliação e de entendimento tem grande força simbólica; é um símbolo para a reconciliação entre os povos e para a vontade de enfrentar conjuntamente o futuro na Europa que se une. Hoje nos une uma parceria estratégica, desenvolvemos nossas relações decididamente em todos os setores e trabalhamos, ao mesmo tempo, no sentido de construir uma Europa próspera e uma ordem mundial estável.

Não é por acaso que, no dia 10 de maio, acontecerá em Moscou uma reunião de cúpula que definirá planos de ação concretos para estabelecer espaços comuns entre a União Européia e a Rússia nos campos da economia, segurança interna e externa, educação e pesquisa. A seriedade das intenções de atingir essas metas pode ser deduzida do fato de que, durante a Feira Industrial de Hannover, no começo de abril, o chanceler federal alemão Gerhard Schröder e o presidente Putin assinaram um acordo de parceria estratégica no campo da educação, pesquisa e inovação entre a Alemanha e a Federação Russa. Nesse sentido, a memória da Segunda Guerra Mundial é uma força motivadora.

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