Auditor diz que texto divulgado por Bolsonaro foi adulterado
17 de agosto de 2021A CPI ouviu nesta terça-feira (17/08) o depoimento de Alexandre Figueiredo Costa Marques, o auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) responsável pela elaboração de um documento falso sobre mortes durante a pandemia de covid-19 que foi divulgado em 7 de junho pelo presidente Jair Bolsonaro.
O documento afirmava, com dados fraudulentos, que em torno da metade das mortes registradas como sendo por covid-19 no Brasil em 2020 teriam sido causadas por outras razões. Em junho, Bolsonaro divulgou o texto como se fosse um documento oficial do TCU e o enviou para jornalistas aliados do governo. No mesmo dia, o tribunal desmentiu o presidente e disse que o documento era uma mera "análise pessoal" de um auditor, produzida sem o consentimento do órgão.
Durante o depoimento, senadores da CPI avaliaram que o depoimento do auditor confirma que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por falsificação de documento público.
Silva Marques já foi afastado do órgão e responde a processo administrativo.
O auditor admitiu aos senadores que seu texto não era oficial e que era inconclusivo. No entanto, ele negou que tenha produzido uma peça com a intenção de fazê-la se passar por um documento oficial. À CPI, ele tentou minimizar seu papel na farsa e reafirmou diversas vezes que não produziu um documento oficial, mas apenas um texto inconclusivo para ser debatido internamente com colegas do TCU.
O auditor contou que posteriormente encaminhou o texto para seu pai, que por sua vez o enviou para Bolsonaro. Segundo Marques, no processo, o texto foi alterado de maneira fraudulenta, ganhando ares de documento oficial, como um logo do TCU no cabeçalho. Ainda de acordo com o auditor o presidente usou o texto "indevidamente".
O pai de Alexandre Marques é o coronel da reserva do Exército Ricardo Silva Marques. Ele foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e hoje ocupa um cargo de gerente na Petrobras
"Isto eu não tenho como confirmar, que foi falsificado, que o que ele [Bolsonaro] utilizou foi falsificado. Eu recebi, acho que circulou nas redes sociais, no WhatsApp, uma versão em PDF desse arquivo e com a inscrição do Tribunal de Contas da União no cabeçalho", disse Marques.
Em junho, o presidente afirmou a apoiadores na porta do Palácio da Alvorada que tinha em mãos um documento do TCU que atestava que metade dos registros de mortes por covid-19 não teriam relação com a doença. O documento falsificado também foi repassado pelo Planalto para setores da imprensa bolsonarista, como o portal R7, ligado à Igreja Universal, que o atribuiu ao TCU.
No mesmo dia, uma versão do documento fraudulento com o selo do TCU também passou a ser distribuída em formatos PDF e JPG por canais bolsonaristas. Em alguns casos, o arquivo falso era acompanhado de um link que direcionava para um relatório legítimo no site do TCU, induzido usuários a pensar que as páginas fraudulentas eram trechos extraídos de um documento verdadeiro mais longo.
Silva Marques também disse que em nenhum momento afirmou que teria havido no documento supernotificação das mortes por Covid, mas que somente "compilou dados públicos da internet" para levantar um debate junto à equipe de auditoria.
Ele reafirmou diversas vezes que só enviou o arquivo em Word para o próprio pai, segundo ele, seu conselheiro e confidente, e que o coronel Ricardo Marques o encaminhou unicamente para o presidente. O auditor Marques alegou que só soube do encaminhamento posteriormente, e que ele ocorreu sem seu consentimento.
"No domingo, depois de trabalhar no arquivo Word, encaminhei-o ao meu pai via WhatsApp. Assim que ele viu essa compilação de informações, perguntou-me qual era a fonte, e eu respondi que era eu, pois eu tinha compilado essas informações da internet. E logo em seguida mudamos de assunto, fomos conversar sobre outras coisas. Em nenhum momento passou pela minha cabeça que ele compartilharia o arquivo com quem quer que fosse", disse.
CPI vê crime
O auditor sugeriu que deve ter havido alguma falsificação após o envio do texto para seu pai, mas evitou especular quem teria sido o autor das alterações, e disse que não sabia se teria sido o próprio Bolsonaro.
Silva Marques explicou que, da primeira versão para aquela divulgada por Bolsonaro, não houve mudança no conteúdo do texto, apenas inclusão do nome do Tribunal de Contas da União.
"O arquivo que recebi em PDF comparando com o arquivo em Word, o texto não houve alteração. Houve apenas essa inclusão da expressão Tribunal de Contas da União", afirmou.
"Minha indignação foi pelo fato de ter sido atribuído ao TCU responsabilidade por um documento que não era oficial, não era uma instrução processual, não era nada do TCU. Vincular o nome do TCU a um arrazoado de duas páginas não conclusivo eu achei irresponsável”, afirmou á CPI.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Pandemia, disse que Silva Marques prestou um desserviço à nação ao produzir um relatório falso sobre uma suposta supernotificação de mortes por covid-19.
"Esse serviço que você diz que fez não contribuiu absolutamente em nada. Você não contribuiu em nada, absolutamente em nada. Você, como servidor, fez um desserviço à nação brasileira e um desserviço às famílias enlutadas pelo óbito por covid”, acusou Aziz.
Já o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), falou em crime de falsificação de documento público e disse que Bolsonaro pode ser enquadrado. "Não temos dúvida de que o presidente da República incorreu em crime contra a fé pública constante no artigo 297 do Código Penal", disse o senador.
A senadora Simone Tebet, por sua vez, mencionou o crime de falsidade ideológica. "Pouco importa se ele [Bolsonaro] fez documento ou mandou fazer o documento. Na realidade ele tornou público um documento sabiamente manipulado, falsificado. Isso é crime comum e crime de responsabilidade", afirmou Tebet.
rc (ots)